Livro afirma que Allende foi morto por militares golpistas

A morte do presidente chileno Salvador Allende continua a provocar controvérsia no país. A tese preponderante – de que Allende se suicidou quando o Palácio de La Moneda estava a ponto de ser invadido pelos militares golpistas em 11 de setembro de 1973 –, encontrou nova contestação no lançamento de um livro cujo autor diz ter provas inquestionáveis de que seria impossível Allende ter se suicidado.

Por Victor Farinelli, no Opera Mundi

Imagem de arquivo mostra o cerco ao palácio de la Moneda no dia da morte de Salvador Allende/ Foto: AFP

A obra se chama Allende: Eu Não Me Renderei (do original Allende: Yo No Me Rendiré, publicado pela Editora Ceibo), escrita pelo jornalista Francisco Marín e pelo legista Luís Ravanal, que participou da exumação ao corpo do ex-presidente em maio de 2011. Além de mostrar resultados de perícias feitas durante essa exumação e também exames anteriores, os autores recolheram testemunhos de pessoas que estiveram em La Moneda no dia 11 de setembro de 1973, durante e depois da invasão do palácio pelas tropas do exército. O livro foi lançado em 9 de setembro, em Santiago.

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Segundo o jornalista Francisco Marín, coautor do livro, as evidências apresentadas não deixam dúvida de que Allende não cometeu suicídio. “A tese do suicídio se impôs através dos tempos, porque as pessoas que a construíram fizeram de tudo para que a história omitisse os detalhes que demonstram que não foi assim, mas se você buscar o rastro deixado pelos relatos do mesmo dia do golpe, e daí por diante, verá que ela é insustentável”.

Entre as principais evidências contra a tese do suicídio estão os exames apresentados por Ravanal. Um deles mostra um orifício na parte do crânio que corresponde à testa, que teria sido produzido por uma arma de baixo calibre. Pela tese do suicídio, Allende teria se matado com um tiro na parte de baixo do queixo, usando um fuzil AK-47, que lhe havia sido presenteado pelo líder cubano Fidel Castro. O orifício encontrado na testa seria, segundo o médico forense, de tamanho incompatível com o fuzil.

Outra dúvida surgida durante a investigação do livro diz respeito a uma autópsia realizada ao corpo no mesmo dia de sua morte, pelos médicos do Hospital Militar. Nela, se observa a descrição de outro orifício, na parte posterior do crânio de Allende. A existência desse orifício não pode ser constatada atualmente, porque parte dos restos do ex-presidente se perderam, incluindo esse pedaço do crânio.

Além das provas documentais, o livro analisa contradições dos relatos em que a tese do suicídio se baseia, como o do médico Patricio Guijón, considerado a única testemunha ocular da morte de Allende. “O primeiro depoimento oficial de Guijón, no mesmo dia 11, fala que ele não viu o disparo, somente viu o corpo caindo depois de já ter atirado. No segundo, dias depois, ele diz que viu tudo, desde Allende preparando a arma entre as pernas. São versões muito diferentes em outros detalhes também e, além disso, outras pessoas que estiveram no palácio disseram que era impossível o médico haver estado no salão naquele momento”, afirma Francisco Marín.

O livro Allende: Eu Não Me Renderei conclui que o disparo que terminou com a vida do ex-presidente chileno foi efetuado pelo general Javier Palacios, que liderou a tropa que invadiu o La Moneda no dia do golpe. A versão conta com o relato oficial do próprio oficial no mesmo dia do golpe.

Decisão judicial e versão da família

A tese apresentada pelo livro de Marín e Ravanal contraria a decisão do juiz Mario Carroza, da Corte de Apelações de Santiago que, em julho de 2011, a partir das mesmas análises forenses apresentadas por Ravanal, e também os testemunhos de Guijón e outros sobreviventes do bombardeio ao Palácio de La Moneda, concluiu que o suicídio era a causa mais provável da morte do ex-presidente Salvador Allende, e que não caberia buscar responsabilidades de terceiros. O caso ainda está sendo analisado pela Corte Suprema, que dará a última palavra, o que se espera que aconteça durante 2014.

Também é conhecida a posição da família Allende de legitimar a tese do suicídio. Após a decisão da Corte de Apelações, os herdeiros e a Fundação Salvador Allende emitiram um comunicado onde expressaram que “o que manifestaram os peritos e especialistas internacionais que participaram da exumação vai de acordo com aquilo que a família sempre sustentou: que o presidente Allende, diante da circunstância extrema que enfrentou, preferiu atentar contra sua própria vida ao invés de se sujeitar à humilhação ou qualquer outra situação degradante”.

Terceira versão

Existe uma terceira versão da morte de Allende, que foi levantada, em 2011, pelo historiador Camilo Taufic. Essa versão, também baseada nas análises de Luis Ravanal (mas que não conta com a participação do legista como coautor) e em testemunho de pessoas presentes, diz que Allende morreu em uma espécie de suicídio assistido.

A teoria fala de um pacto entre Allende e membros do GAP (Grupo de Amigos Pessoais, a escolta informal do ex-presidente), em que, no caso de não haver mais como resistir ao ataque, haveria que matar o presidente para que ele não fosse capturado e humilhado pelos golpistas. Segunde essa tese, Enrique Huerta, um dos membros do GAP, teria sido o responsável pelo disparo na testa que o matou.

Mini documentário traz testemunhos que corroboram tese do livro de Marín e Ravanal

ALLENDE: YO NO ME RENDIRÉ from Ceibo Producciones on Vimeo.

*É correspondente do Opera Mundi em Santiago