“Tatuagem” de Hilton Lacerda é uma reflexão sobre o futuro

O filme “Tatuagem”, do diretor Hilton Lacerda, que estreou na última madrugada (2) no Festival do Rio, se passa durante a ditadura, tempo em que a força das armas era usada para calar vozes contrárias ao regime.

Por Joana Rozowykwiat*, na TalTv

Na segunda-feira (30) anos após a redemocratização, a exibição do filme que aconteceria no Cine Odeon teve que ser transferida, por causa da repressão policial à manifestação de professores na Avenida Rio Branco. “A violência garantida pelo Estado mudou de eixo, mas não desapareceu”, constatou Lacerda, em entrevista ao Refletor.

O anúncio de que a sessão de “Tatuagem” seria adiada e transferida de lugar aconteceu em meio a um cenário de instabilidade no centro da cidade, com a polícia usando bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta e manifestantes correndo pelas ruas. O filme, que seria exibido às 21h30, foi reprogramado para as 24h, no Cinema Estação Rio, em Botafogo. “A REC Produtores e Imovision, em comum acordo, e com total respeito a este momento e aos professores, resolveram transferir a sessão”, dizia a nota, que ressaltava o caráter legítimo do protesto.

“Houve um grau de tensão muito grande. Tivemos duas horas para mudar todo o esquema de exibição, houve a troca do cinema. Mas também por causa do tema, de como se colocar naquela situação. Mas foi incrível. O incidente termina que reforça essa coisa guerrilheira que o filme tem”, conta Hilton Lacerda. Ele falou ao blog, por telefone, durante a segunda exibição de “Tatuagem” no festival, que seria seguida de um debate.

Para o diretor, o filme, apesar de se passar em 1978, é uma reflexão sobre o futuro. “É um filme que se projeta para o futuro. É quase uma constatação. A violência ficou talvez mais tênue. O que se chamava de repressão (na época da ditadura) estava ligado à questão intelectual, política. Hoje, há uma violência social. Apenas mudou o eixo. E é mais potente”, opina, apontando que, hoje, quem apanha da polícia é o pobre.

O diretor também critica a passividade e até responsabilidade da sociedade diante desse cenário. “A sociedade não só compactua, mas apóia a tortura, a violência. A política bater num cara parece uma conduta normal. Eu não sei o quanto as pessoas se chocam com a violência”, diz, ao questionar também o tom usado pela mídia para tratar do tema.

Se a violência policial persistiu com o passar dos anos, o tabu em relação a outra questão presente no filme, a homossexualidade, também parece não ter sido superado. Nas manifestações que eclodiram no país no meio do ano, uma das bandeiras era justamente o combate à homofobia e a defesa da liberdade sexual. “Chama a atenção que, em 1978, a discussão era pautada por uma possibilidade de mudança. E, em 2013, gente falar que homossexualidade é um tema delicado? Para mim não é um tema delicado”, coloca Hilton.

“Para minha geração, é estranho isso, que a homossexualidade seja uma questão. Sempre assistimos aos filmes de Pasolini, de Fassbinder, e nunca vimos com essa nomenclatura gay. Para mim, isso não é um problema, mas me estranha isso ser um tema”, compara Hilton. Ele menciona um certo retrocesso moralista e conservador na sociedade.

“Teve um retrocesso sim. Mas o que levou a isso? Por que existe isso? De onde vem essa insegurança com a homossexualidade do outro? Eu intuo algumas coisas. É engraçado ter que agrupar ideias como um mercado. ‘Esse filme é o público gay, essa roupa é para o público gay, esse bar é gay’ Cria uma discriminação esquisita”, lamenta.

Ao falar sobre o tom político de seu filme, ele defende que toda manifestação pública é política. “Você se representa publicamente, tenta conquistar o coração, a mente, o olho de alguém. Há uma postura de provocar olhares”.

O diretor avaliou ainda a atual fase do cinema brasileiro. Para ele, é um momento contraditório, pois há um cinema “criativo, poderoso e reverberante” sendo feito, mas “completamente capado” de salas de exibição, em oposição a um outro tipo de produção, mais feito para um mercado. “É um momento importante para esse cinema criativo. Mas ele nunca correu tanto risco”. Risco de quê? “De ser catapultado para fora do circuito. O risco de um (modelo de produção) engolir o outro”.

Hilton sugere que o cinema brasileiro reflete uma realidade – especialmente no que diz respeito à formação –, que é diferente de outros países da América Latina, como a Argentina, por exemplo, cujo cinema é cada dia mais prestigiado mundo afora. “Aqui, temos uma TV dominadora, uma capacidade de analfabetização através da imagem. Na Argentina, as pessoas leem mais”, compara.

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*É jornalista.