Médico palestino entra no Mais Médicos

A oportunidade de crescer profissionalmente, de atender pessoas que não têm acesso à saúde básica e o bom salário oferecido pelo programa governamental Mais Médicos atraíram o cirurgião geral palestino Tareq Abuiyada ao país.

Por Marcos Carrieri, na Anba

Palestino diz que há muitos médicos em seu país / Foto: Kleyton Fantin/Prefeitura de Esteio

Aos 34 anos e casado com uma médica gaúcha, ele se interessou pelo programa, focado nos brasileiros mais carentes.

Abuiyada nasceu na Faixa de Gaza, na Palestina, e viveu no país até completar 19 anos. Sempre quis ser médico e começou a realizar o sonho quando conquistou uma bolsa de estudos em Cuba. Ele viveu na ilha até 2010. Naquele ano, passou dois meses como voluntário no Haiti para atender os feridos pelo terremoto que matou mais de 200 mil pessoas.

Em Cuba, Abuiyada conheceu a mulher, a clínica geral Fernanda Lanes, que é de Santana do Livramento, cidade do Rio Grande do Sul que faz fronteira com Rivera, no Uruguai. Até setembro, ele vivia na cidade gaúcha e trabalhava no país vizinho. Esta rotina o levou a ter mais contato com pacientes brasileiros, pois muitos deles cruzam a fronteira para ser atendidos em postos de saúde uruguaios em vez de receber tratamento no SUS (Sistema Único de Saúde) brasileiro. Há um acordo entre os dois países que permite este intercâmbio.

“Eu recebia pacientes brasileiros, que eu gostava muito e com quem eu me identificava. Trabalhar com o Brasil é algo que me estimula, pois há carência de médicos, a população precisa mais do que no Uruguai, que não precisa de mais médicos. O Uruguai é a Suíça da América Latina no atendimento médico. Há brasileiros que buscam a nacionalidade uruguaia para usar o SUS do Uruguai. Lá não ajudo tanto como aqui”, disse o palestino, em português, idioma que aprendeu a falar com a mulher. “O Brasil é mais carente de médicos, estamos sendo contratados para atender a população e posso ter mais experiência na minha carreira, assim como tive no Haiti”, acrescentou.

Ele foi designado para a unidade de saúde Votorantim, em Esteio, na região metropolitana de Porto Alegre. No novo emprego, o palestino terá a companhia de um pediatra e de um ginecologista, além de enfermeiros e agentes de saúde. Estes últimos são profissionais que orientam a população sobre o uso adequado dos serviços de saúde e registram gestantes e crianças de uma comunidade, entre outras atribuições. A carga horária é de 40 horas semanais e Abuiyada atende, em média, 20 pacientes por dia.

O programa Mais Médicos do Ministério da Saúde foi lançado pela presidente Dilma Rousseff em 8 de julho deste ano. É um dos projetos do governo federal para melhorar a qualidade da saúde pública no país. O programa prevê investimentos em equipamentos de saúde, mas pretende, sobretudo, levar médicos, inclusive estrangeiros, a bairros carentes de regiões metropolitanas, cidades pequenas e regiões indígenas. O salário oferecido para cada profissional é de R$ 10 mil mensais mais ajuda de custo.

A meta do governo é aumentar a relação médicos por habitantes, que atualmente é de 1,8 por mil, conforme dados do Ministério da Saúde. Na Argentina, a média é de 3,2 médicos/mil habitantes e no Uruguai, de 3,7 médicos/mil habitantes.

Antes de iniciar o trabalho, os médicos inscritos no programa participam de um curso de 120 horas sobre saúde complementar e sobre o funcionamento do SUS brasileiro. Os profissionais estrangeiros têm aulas de português. Ao fim do curso, chamado de “módulo de acolhimento”, os médicos são submetidos a uma prova. O programa contempla também médicos brasileiros que estudaram no exterior e brasileiros formados nas faculdades do País.

Atendimento

Abuiyada se interessou pelo programa porque já gostava de atender os pacientes brasileiros e viu na iniciativa do governo a chance de obter ainda mais experiência. Ele afirma que não se preocupa com a falta de equipamentos para atender a população – uma crítica recorrente aos hospitais públicos – porque a proposta do Mais Médicos é oferecer atendimento básico a quem não tem. Esse tipo de atendimento não demanda grandes investimentos em equipamentos.

“O Mais Médicos é para atuação em saúde básica, é para prevenção de doenças. Para isso não é preciso ter muitos recursos. Para acompanhar uma mulher grávida, um diabético, uma pessoa com pressão alta eu não preciso de um leito de UTI. Se for o caso, eu faço uma solicitação. Em Cuba, por exemplo, o posto de saúde tem o médico e uma enfermeira e só, e tudo funciona bem. Aqui no Brasil, temos até agente comunitário de saúde, que é um luxo para o médico, porque ele faz o que em outros países é função do médico”, afirmou.

Abuiyada diz que não pensa em voltar para a Palestina para trabalhar. Ele deseja concluir os três anos de contrato previsto no Mais Médicos, renováveis por mais três. Depois deste período, quer continuar a exercer a medicina no Brasil. “Ao contrário do que as pessoas pensam, há muitos médicos na Palestina. Há até excesso de médicos. O meu irmão é médico, estudou na Ucrânia e quis trabalhar na Palestina, mas não conseguiu. Há até lista de profissionais que desejam trabalhar lá. Se eu quisesse, talvez eu não conseguisse”, declarou. Quatro primos de Abuiyada são médicos, mas apenas um trabalha na Palestina.

Não é porque há excesso de doutores no seu país que ele não pretende retornar para lá. Ao contrário. Seus pais, irmãos e parentes ainda vivem na Faixa de Gaza. “Fui feliz na Faixa de Gaza e tenho saudades dos meus familiares. Quero visitá-los logo. Provavelmente no ano que vem vou para lá.” No entanto, diz, seus planos para a carreira estão aqui. “Quero viver no Brasil muitos anos ainda.”