Paulo Dantas: SUS não cabe em modelo neoliberal

Nos recentes eventos com milhares de pessoas ocupando as ruas, principalmente jovens, exprimindo indignações e reivindicações, a questão da saúde se destacou, mesmo levando em consideração que o estopim tenha sido o aumento no valor das tarifas do transporte público. 

Por Paulo Dantas*

Isto é revelador que a dualidade do sistema de saúde vigente no país – o público identificado pelo SUS e o privado por centenas de Planos de Saúde Privado – apresenta graves contradições que prejudicam o atendimento às necessidades de saúde da população.

Para identificar e compreender os fatores determinantes deste sistema dual que vem se mostrando inadequado é preciso analisar dialeticamente os movimentos ou processos que deram origem ao SUS e sua implementação, a evolução dos planos de saúde privado com subsídios público e o modelo de desenvolvimento econômico e social em transição no País, do neoliberalismo ao novo desenvolvimentismo.

No período da ditadura militar principia o processo de privatização e seletividade da saúde, com surgimento dos planos de saúde privados que, desde então, passam a receber substantivos subsídios públicos.

Neste mesmo período, no bojo da luta pela redemocratização, acontece a fecundação do SUS. O marco principal desta nova e progressista política de saúde foi a realização da VIII Conferência Nacional de Saúde. Podemos chamá-la do DNA do SUS.

Não foi nada fácil o parto do SUS na Assembleia Constituinte. Um confronto de interesses antagônicos, em terreno potencialmente adverso. Mas as forças progressistas com habilidade e sagacidade foram vitoriosas: o SUS nasceu. Vitória é bem verdade incompleta! A abertura para a assistência privada de saúde permitiu a dualidade que persiste até hoje. O que seria apenas um sangradouro da barragem do SUS virou um grande rombo que pode vir a desmontá-lo. Isto em decorrência do apoio que o setor privado dos planos de saúde passou a receber dos sucessivos governos da União de concepção neoliberal através de desonerações fiscais e subsídios e cobranças exorbitantes dos usuários. Por outro lado, o SUS público, gratuito e universal sofre asfixia financeira com reduções orçamentárias, contingenciamentos e desvios colaterais (DRU) que dificulta ou retarda a sua efetividade.

Mesmo com tanto apoio, faturamentos elevados, os planos privados não assistem bem aos seus usuários e exploram abusivamente os trabalhadores de saúde.

E o SUS com tantos obstáculos para cumprir os objetivos da universalidade e equidade- longe de apresentar “funcionamento precário” como de forma equivocada consta nas Teses do 13º Congresso do PCdoB – apresenta avanços extraordinários, com impactos positivos nos indicadores de saúde, na descentralização político-administrativa para estados e municípios, na expansão e melhoria das ações preventivas da atenção básica, no atendimento pré-hospitalar de urgência (Samu), no diagnóstico e tratamento em oncologia e na realização de transplantes de órgãos, dentre outros.

Na análise dos governos de Lula e Dilma são verificadas ações no sentido de saída alternativa ao neoliberalismo com importantes avanços no campo do crescimento econômico, de políticas sociais para superação da miséria e melhor distribuição da renda. Todas com repercussão positiva sobre a saúde da população. No entanto, foram muito tímidas as suas ações de fortalecimento do SUS, com omissões e repetição de práticas dos governos neoliberais. São inquestionáveis as omissões ocorridas na regulação e ordenamento da formação de pessoal, na constituição de carreiras para os profissionais do SUS, fatores determinantes dos vazios assistenciais e permanência das desigualdades nas ações de assistência à saúde. No quesito financiamento não se tomou medidas para superar o golpe da direita neoliberal que inviabilizou os recursos oriundos da CPMF, mantendo um subfinanciamento que só não desmontou o SUS devido ao incremento de receitas dos tesouros de estados e, principalmente, dos municípios. Além do que no processo de repasse não se obedeceu ao planejamento ascendente com priorização da atenção básica para ser resolutiva e porta de entrada do sistema, equacionamento da média e alta complexidade de acordo com necessidades da população e superação das desigualdades regionais.

Ouvindo as vozes das ruas o governo federal executa ações de fortalecimento do SUS. Assim, a importação de médicos, a MP “Mais Médicos” e Provab devem ser valorizadas como necessárias, emergenciais, mesmo que merecedoras de ajustes e complementações.

No enfrentamento do subfinanciamento os movimentos sociais conseguem quase dois milhões de assinaturas e apresenta projeto de lei de iniciativa popular que garante um mínimo de 10% da Receita Corrente Bruta da União (RCB) para financiamento do SUS, o que significa dobrar os atuais recursos. A aprovação deste projeto de lei é fundamental, imprescindível à sobrevivência do SUS.

Na etapa atual o SUS passa por uma encruzilhada: ou desata de vez os seus nós críticos ou se enforca para a desgraça do nosso povo. Toda a militância do PCdoB nas diversas frentes de lutas é chamada a esta tarefa histórica de fortalecimento do SUS.

* Paulo Dantas é membro da direção estadual PCdoB-PE