Vinícius de Moraes – o “vagabundo” de quem a direita não gosta

Vinicius de Moraes, o "poetinha" – apelido que ganhou de Tom Jobim – completaria 100 anos de idade neste sábado (19). Ícone vívido do otimismo desenvolvimentista dos anos anteriores ao golpe militar de 1964, colocou sua arte a serviço do belo, do amor, e também do amor pela humanidade e da luta pelo progresso social. Não está entre os preferidos dos fascistas brasileiros!

Por José Carlos Ruy

Vinícius de Moraes

“Demita-se esse vagabundo”. Foi dessa forma grosseira, garante Ruy Castro, no livro Chega de Saudade, que a ditadura militar acertou suas contas, em 1968, com um dos maiores poetas e escritores brasileiros: Vinícius de Moraes, que era embaixador. A ordem foi assinada pelo general que ocupava a presidência da República, Arthur da Costa e Silva, que o demitiu do Itamaraty, onde estava desde 1943 e se tornara um grande invulgar divulgador da arte, da música, da literatura brasileira pelo mundo.

Desde uma longa viagem ao Nordeste brasileiro, em 1942, Vinícius tornara-se um decidido antifascista; um grande expoente da cultura brasileira que se tornou um ícone do desenvolvimentismo dos anos pré-64 e do reencontro do Brasil consigo mesmo, com sua cultura e com seu povo. Era um criador e um ativista que não cabia nos medíocres quadros da ditadura militar. A palavra “vagabundo”, naquela ordem raivosa, era sinônimo de “subversivo” – e os dois xingamentos na verdade honram sua vítima, o “poetinha” – honra reconhecida 30 anos depois, quando o diplomata Vinícius de Moraes foi anistiado (post-mortem) em 1998; em 21 de junho de 2010, trinta anos após sua morte, a Lei 12.265 o reabilitou junto ao corpo diplomático brasileiro, e ele foi elevado ao cargo de ministro de exterior – o mais elevado do Itamaraty.

Vinicius de Moraes ficou conhecido como poeta lírico (que de fato era), autor dos mais lindos poemas de amor escritos em português certamente desde Camões, e de letras de música tão consagradas pelo gosto popular que, muitas vezes, são repetidas quase como se fizessem parte do folclore. É necessário prova maior de que um poeta exprime a alma de um povo?

Mas Vinícius (que já foi descrito como “múltiplo”) foi muito além dessa visão convencional que se firmou. Foi um homem de todas as letras (este é um lugar comum que se impõe!) – e também de todos os temas e formas de expressão. Se foi lírico – e foi, dos maiores – foi também épico de igual dimensão. Foi autor de versos famosos como “As muito feias que me perdoem / Mas beleza é fundamental”, de Receita de Mulher. Ou “De repente do riso fez-se o pranto”, do Soneto da separação. Com o tom camoniano insuperável do Soneto da Fidelidade: “Eu possa (me) dizer do amor (que tive): / Que não seja imortal, posto que é chama / Mas que seja infinito enquanto dure”.

São apenas alguns exemplos retirados da contribuição que Vinícius de Moraes deu aos namorados para exprimirem seus sentimentos pela mulher amada.

Mas sua poesia não fica nisso. Falou também de outro amor, igualmente grande e belo – o amor pela humanidade, pelos seres humanos, a confiança democrática na capacidade do povo enfrentar os males que o capitalismo traz e conquistar uma forma superior de vida.

Atuou junto ao Centro Popular de Cultura, da União Nacional dos Estudantes – foi, aliás, juntamente com Carlos Lira, autor do hino da entidade maior dos estudantes brasileiros.

Uma obra das mais conhecidas é Operário em Construção, publicado originalmente em 1956, no quinzenário Para Todos, do Partido Comunista do Brasil. Seus versos célebres reafirmam, poeticamente, aquilo que os trabalhadores aprenderam muito antes, já com os escritos deixados por Karl Marx.

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão

e por aí vai o longo poema cujo tema é o desenvolvimento da consciência de classe do trabalhador.

Operário em Construção é um clássico. Opção semelhante pela humanidade surge em outro poema, O Poeta e a Rosa, que contém talvez uma denúncia mais crua das mazelas da vida atual, e também da alienação de certos poetas que, olhando apenas o “belo”, deixam de considerar as contradições e as mazelas da vida.

Nele, ironiza o tipo de poeta que, ao ver uma rosa branca, exclama “que linda! / cantarei sua beleza”. E se surpreende quando a rosa branca fica vermelha de raiva e chama a atenção do poeta: “Calhorda que és! / Pára de olhar para cima! / Mira o que tens a teus pés!” E a seus pés o poeta vê uma vítima da sociedade injusta e desigual: uma criança, “Suja, esquálida, andrajosa / Comendo um torrão da terra”.


São milhões! – a rosa berra
Milhões a morrer de fome
E tu, na tua vaidade
Querendo usar do meu nome!…

Vinícius de Moraes, este adorável “vagabundo” cantou maravilhas e belezas, e denunciou a opressão, a miséria e a alienação. Os poderosos, principalmente os fascistas, não gostam dele. Mas o povo… o povo guarda, no coração, um lugar cativo para o "poetinha"! Vinícius de Moraes teria completado 100 anos de idade neste dia 19 de outubro. Salve Vinícius!

Ouvir:

Operário em construção


O poeta e a rosa