Lula ao El País: “Um povo com fome não tem vontade de lutar”
Em entrevista ao jornal espanhol El País, publicada neste domingo (20), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou a lógica burocrática, técnica e menos política que passou a orientar alguns governantes mundiais nas últimas décadas.
Publicado 21/10/2013 10:51
“A economia começou a determinar a direção do governo, e não o inverso. Isso, em minha opinião, é um grande erro. Se alguém é um grande político, será capaz de montar uma boa equipe técnica. Mas se é um bom técnico, talvez você não seja capaz de tomar decisões políticas boas”, disse Lula.
O ex-presidente brasileiro afirmou que bons políticos precisam de bons técnicos. Para ele, a situação de Sebastião Piñera, no Chile, exemplifica esta opinião já que se trata de um “empresário que está achando que o exercício do governo, de lidar com os adversários e interesses diferentes, é mais difícil do que tomar uma decisão para sua empresa”.
“Quando você é apresentado com uma crise interna, você tende a encontrar a decisão técnica e não política. Por exemplo, a Europa, em minha opinião, está enfrentando uma situação que afeta o mundo inteiro por uma falta de vontade política, e não econômica. Voltar quando as crises que afetam a Bolívia, o Brasil, o FMI sabia tudo. Por que agora não tem ideia de como resolver a situação?”, indagou.
Ele afirmou que as decisões em relação à crise na Europa não foram tomadas na hora certa e que, no fundo foram realizados os mesmos ajustes que são feitos em países pobres. “Espanha e Grécia, com a sua renda per capita, poderiam assumir ajustes a longo prazo, e não um tão curto asfixiando a economia, e baseado em sacrifícios enormes, sem levar em conta o que vai custar para as pessoas se recuperarem”.
Segundo Lula, aos 68 anos de idade seu atual desafio tentar, através do Instituto que leva o seu nome, contribuir para o desenvolvimento da América Latina, e da África, através das experiências exitosas de seu governo no Brasil. “Você pode cuidar dos pobres, e não custa muito dinheiro. Se você garante a eles acesso a recursos, eles se tornam consumidores e a indústria produz, o comércio vende, cria postos de trabalho, salários mais altos, formando assim um círculo virtuoso em que se produz, consome, estuda e há acesso a cultura”.
Quanto às manifestações de junho, que tomaram as ruas do Brasil, o ex-presidente disse que elas “são saudáveis”. “Um povo com fome não tem vontade de lutar”, afirmou ressaltando que 40 milhões de pessoas “ascenderam à classe média”. Segundo ele, é preciso valorizar a participação democrática e não permitir que os jovens reneguem a política. “Temos que valorizar a participação democrática e não permitir que os jovens reneguem a política, porque quando isso ocorre o que vem é o fascismo”.
Lula falou que com o crescimento do PT, ao longo desses 33 anos, e com sua chegada ao poder foram aparecendo “defeitos”, como a valorização demasiada do Parlamento e de cargos públicos. Ele lembrou que dirigentes do partido foram previamente condenados, por meios de comunicação, no julgamento da Ação Penal 470, conhecida por setores conservadores do país de ‘Mensalão’.
“No caso dos companheiros do PT, já foram previamente condenados. Alguns meios de comunicação o fizeram, independente da sentença, inclusive à prisão perpétua. Alguns [dirigentes do PT] nem podem sair na rua”.
O ex-presidente afirmou ainda duvidar que exista no mundo uma nação com quantidade de fiscalização tão grande como o Brasil. E disse que 90% das denúncias são feitas pelo próprio governo. “O que digo aos companheiros é que só há uma forma de não ser investigado neste país: não cometer erros”.
Ele também pregou a necessidade da renovação do partido, dando espaço para uma nova geração. Apesar de haver um forte “Volta Lula” em setores do PT, o ex-presidente disse, mais uma vez, que não será candidato nas eleições do ano que vem. “Eu tenho minha candidata, que é Dilma, e vou trabalhar para ela”.
Da redação do Vermelho, Mariana Viel
com informações do jornal espanhol El País