Honduras irá às urnas marcada pelo golpe contra Zelaya

O caminho de Honduras para uma democracia plena foi tão sinuoso como violento. As eleições nacionais, pautadas para o dia 24 deste mês, se possuem algo novo, é que quatro das oito forças políticas que competirão pela presidência se constituíram após o golpe de Estado que derrubou Manuel Zelaya, no dia 28 de junho de 2009.

Por Gustavo Veiga*, no Página/12

Xiomara Castro Zelaya lidera todas as pesquisas de intenção de voto no país/ Foto: Divulgação

O histórico bipartidarismo entre nacionais e liberais se rompeu com a criação de Livre, que tem como candidata Xiomara Castro (foto), esposa do ex-mandatário deposto e agora aspirante a uma cadeira no Congresso; o PAC do apresentador de televisão Salvador Nasralla, e duas alternativas com menores chances de chegar ao poder executivo: a aliança de esquerda Faper-UD, do advogado Andrés Pavón, e o partido direitista do general aposentado Romero Vásquez, que derrubou Zelaya.

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A vigília prévia às eleições não alcança os índices desejáveis de tranquilidade e previsibilidade. Organizações de direitos humanos e sociais denunciaram um “contexto perigoso” em Honduras. Os crimes são moeda corrente. No país centro-americano, a taxa de assassinatos chega a 86 para cada 100 mil habitantes. A maioria dos crimes foi cometido contra militantes políticos que apoiam Castro, que pode se tornar a primeira mulher a assumir a chefatura de Governo, em 192 anos de independência.

A três semanas das eleições, 5.355.112 hondurenhos estão aptos para votar, embora o voto não seja obrigatório. O governo de Porfirio Lobo colocou toda a sua estrutura a favor de Juan Orlando Hernández, do Partido Nacional. A mesma força com a qual alcançou a presidência, em eleições consideradas ilegítimas, após a destituição de Zelaya e o regime cívico-militar de Roberto Micheletti, que veio na sequência.

O ex-titular do Congresso é agora um dos dois candidatos com mais chances de vencer no domingo, dia 24. Contudo, de acordo com algumas pesquisas, Castro tem vantagem em relação a Hernández. As amostras também apresentam resultados diferentes. Inclusive, alguns determinam um empate técnico entre os dois aspirantes que tentam suceder Lobo.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que é controlado pelos nacionais e também pelos liberais, do candidato Mauricio Villeda, sustenta que “é uma das melhores campanhas de todos os tempos, desde que foi implementada a democracia em Honduras, no ano de 1982”.

Essa conclusão é refutada por Castro, de Liberdade e Refundação (Livre) e pelo candidato Nasralla, do Partido Anticorrupção (PAC), que concordam em exigir o voto eletrônico utilizado na Venezuela, porque suspeitam de uma possível fraude. O Centro Carter avalia esta posição. O TSE lhes disse que não. Denúncias cruzadas fomentam a ideia de armações. Mencionam que as credenciais que os delegados de mesa utilizarão estão sendo vendidas.

Os hondurenhos elegerão pretendentes para os 27.000 cargos em todo o país, desde o presidente até as 128 vagas para deputados e 298 prefeitos. Serão 16.000 mesas eleitorais, localizadas em 5.437 centros de votação, que serão vigiados por 14.000 efetivos do exército, a força que sequestrou Zelaya há mais de quatro anos. Na direção da mesma, estava um dos oito candidatos presidenciais: o general Vásquez, chefe do Estado Maior Conjunto e agora líder da Aliança Patriótica Hondurenha. O militar que hoje diz: “Honduras não pode continuar sendo o país com maior instabilidade política da região, o mais pobre, o mais corrupto e com menos desenvolvimento da América Latina”.

Vásquez se esqueceu de mencionar as conclusões da Mesa de Análise sobre a Situação dos Direitos Humanos, criada no dia 25 de outubro. Ela é composta por cinco organizações: o Cofadeh (Comitê de Familiares de Detidos Desaparecidos em Honduras), o CDM (Centro de Direitos de Mulheres), o CEM-H (Centro de Estudos da Mulher-Honduras), o Movimento de Mulheres pela Paz, Visitação Padilla e o Stibys (Sindicato de Trabalhadores da Indústria de Bebidas e Similares).

Em um extenso comunicado, denunciaram que “a situação extremamente perigosa em que ocorre o processo eleitoral no país, atinge diretamente os direitos humanos”. E mencionaram uma série de fatos recentes, entre os quais se destaca: “O Partido Nacional, através da candidatura presidencial de Juan Orlando Hernández, lançou a Polícia Militar de Ordem Pública contra os opositores políticos”. E assinala que, “até agora, é o Partido Liberdade e Refundação (Livre) o mais atingido pelas perseguições públicas, geradoras de um ambiente tenso, com terror, que beneficia o candidato nacionalista”.

Dois dias antes de divulgar o comunicado, no dia 23 de outubro, o operador de câmara Manuel Murillo Varela foi encontrado morto com três tiros, na cidade de Comayagüela. Era beneficiário de medidas cautelares da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) e tinha trabalhado filmando Zelaya durante seu governo. No dia 2 de fevereiro de 2010, com Lobo recém-chegado ao governo, sequestraram-lhe e policiais efetivos o torturaram enquanto trabalhava na Globo TV. É um dos 36 jornalistas assassinados em Honduras, desde 2003. Desse número, apenas um caso foi julgado e recebeu condenação.

São nestas condições que se votará, em um país que registra um dos índices de violência mais altos do mundo, fora das áreas de guerra. Neste ano, deixou de liderar o ranking na América para ocupar o terceiro lugar, segundo o relatório Vision Humanity, publicado pelo Instituto de Economia da Paz (IEP), com sede nos Estados Unidos. A publicação é utilizada como fonte de consulta pela ONU, pelo Banco Mundial e pelos organismos não governamentais. Honduras ocupa o 123º lugar no Índice de Paz Global (GPI, em sua sigla em inglês), num raio de 162 nações analisadas, ficando atrás da Colômbia (147) e México (133). Esta organização aponta os Estados Unidos em 99º lugar e a Argentina em 60º lugar, em sua lista.

*é jornalista
**tradução: Cepat