Flávio Paiva: A comunicação como um direito humano

Por *Flávio Paiva

Nos últimos séculos o processo de evolução das sociedades registra avanços na noção de direito, sintetizados em três grandes conquistas pelo professor Pedrinho Guareschi em seu novo livro O direito humano à comunicação (Vozes, São Paulo, 2013). Ele fala dos “direitos civis”, nascidos nos séculos XVII e XVIII em contraposição ao absolutismo do Estado; dos “direitos políticos”, implantados no século XIX com a formação das instâncias de representação; e dos “direitos sociais”, encorpados no século XX por vitórias dos trabalhadores em cenários de desigualdades econômicas e oscilações políticas.

Diante da crescente vontade das pessoas de colocarem a sua palavra no jogo das significações, o autor deduz que a quarta geração dos direitos seja a da ampla democratização das mídias. Para ele, assim como na ágora grega, os meios de comunicação constituem nos tempos atuais uma enorme praça aberta às vozes da maioria das pessoas, historicamente marginalizadas do debate público. Pedrinho trata do assunto à luz da matriz “dialógica” do educador Paulo Freire (1921 – 1997), em seu alcance político da oportunidade de falar e de ser ouvido, de emitir sentido ao que diz e de adquirir conhecimentos.

Nessa reflexão, ele confronta os sentidos da “liberdade liberal”, do mercado livre, como fundamento da vida em sociedade, e da “liberdade republicana”, na condição de eixo principal da vida pública, para dizer da necessidade de mudanças estruturais no quadro institucional que regula a atividade de comunicações no Brasil, a exemplo do que vem ocorrendo na Argentina, Bolívia, Equador, Venezuela e Uruguai. O autor pensa em algo que vá além do legalismo no desmonte dos monopólios construídos em cima de concessões públicas e propõe uma “ética dialógica” de corresponsabilidade social e política.

No prefácio de O direito humano à comunicação, o governador gaúcho Tarso Genro (PT) chama a atenção para a necessidade de desobstrução do diálogo público, a fim de que as diferenças se explicitem, rompendo com os consensos manipulados. Sobre o discurso raivoso que permeia parte das redes sociais digitais, ele diz que esse comportamento “tem muito dessa restrição de fala com capacidade de expansão pública, que atinge setores da sociedade que não se deixam manipular, mas que também não conseguem elaborar de forma individualizada, sem relação com o debate público, uma consciência democrática verdadeiramente contemporânea” (p.18).

A abordagem da comunicação como instrumento fundamentalmente educacional, feita por Pedrinho Guareschi, é um tema com o qual me identifico, porque coloca os aparatos de comunicação social dentro dos sistemas de construção de saberes, pela prática dialógica da igualdade de posições. “Entra aqui uma questão muito importante: não existindo alguém que sabe mais ou menos, apenas saberes diferentes, toda educação é uma construção mútua; não há um que ensina, outro que aprende, aprende-se e ensina-se ao mesmo tempo” (p. 148). O autor convida o profissional de comunicação a ser um crítico de si e de seus serviços.

A provocação feita por Guareschi nos leva a pensar em um jornalismo de perguntas e de problematização dos fatos em suas mais distintas variabilidades. Com sua vasta experiência como educador e pensador da comunicação, ele instiga jornalistas e comunicadores de modo semelhante ao que o cientista social estadunidense Charles Wright Mills (1916 – 1962) fez com os sociólogos na década de 1950, causando escândalo nos círculos acadêmicos, com o que chamou de “imaginação sociológica”. E o caminho sugerido por Mills passava pela atenção a combinações não-previstas, pela autorreflexão e pela relação do trabalho em sua experiência de vida pessoal.

C. W. Mills também partia da necessidade do uso de uma variedade de pontos de vista, de jeito a transformar a mente “num prisma móvel que capta a luz do maior número de ângulos possível” (MILLS, Sobre o artesanato intelectual, p.45, Rio de Janeiro: Zahar, 2009). Embora tenha sido muito criticado por defender a industrialização como forma de superação da pobreza, na conferência “Forças sociais e as frustrações do designer”, realizada em 1958 na cidade de Aspen (EUA), ele já constatava o deslocamento da ênfase econômica da produção para a distribuição, prevendo que a sociedade pagaria caro pelo encurtamento do ciclo do produto, pela obsolescência planejada.

A lógica da priorização de canais de distribuição, apregoada por Mills, está presente na lógica concentradora do comércio de distribuição de conteúdos, tratada por Pedrinho Guareschi como a maior ameaça ao direito à comunicação. Citando o sociólogo John B. Thompson, o autor trabalha a possibilidade do que o professor da Universidade de Cambridge denomina de “pluralismo regulado”, ou seja, a garantia do espaço para a multiplicidade de diferentes pontos de vista. Em síntese, o que o autor quer dizer é que sem a ampliação da democracia na comunicação não há como pensar em uma sociedade democrática.

*Flávio Paiva é jornalista e colunista do jornal O Povo

Opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as opiniões do Portal Vermelho