Farc: Processo de paz mais importante da América Latina faz 1 ano

Nesta terça-feira (19), as negociações entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e governo colombiano completam um ano. Neste período, as partes chegaram a acordos históricos, dando ao povo do país a esperança de finalmente conviver com a paz, depois de mais de meio século de conflito. O Vermelho faz uma retrospectiva do processo e ajuda a entender a importância dos diálogos.

Por Théa Rodrigues, da Redação do Vermelho 

Farc: Processo mais importante da América Latina completa um ano - Farc Imagenes

Os diálogos começaram em Oslo, na Noruega, em outubro do ano passado, e depois, em novembro, foram transferidos para Havana, capital de Cuba. Tanto as Farc quanto o governo colombiano contam com equipes de negociadores que trabalham seis pontos de uma agenda preestabelecida: desenvolvimento rural, participação política, fim do conflito armado, drogas, reparação das vítimas e implantação dos acordos.

Após expressarem a vontade política mútua de formar uma mesa de negociação que finalmente solucione o conflito na Colômbia, começaram a discutir a questão agrária (uma das reivindicações históricas da guerrilha). Conseguiram um acordo parcial em 26 de maio deste ano, depois de seis meses de conversação.

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Na ocasião, as Farc e o governo negociaram aspectos tão profundos e diversos como a infraestrutura e a adequação de terras, desenvolvimento social (saúde, educação, pobreza, moradia), estímulo à produção, economia solidária e cooperativa, assistência técnica, créditos, subsídios, enfim, tudo que fazia falta quando (e por causa da questão agrária) a guerrilha se formou e deu início a uma luta que até pouco tempo não parecia ter fim.

As cifras falam por si só. Segundo a agência cubana Prensa Latina, por conta do conflito, mais de 5 milhões de pessoas se deslocaram internamente no país; cerca de 200 mil morreram e mais de 25 mil estão desaparecidas. Trata-se do conflito mais antigo da América Latina.

Em busca da paz

Encontrar uma saída pacífica para o conflito não tem sido uma tarefa fácil. Outras três tentativas de abertura do diálogo foram feitas anteriormente, a primeira durante o governo de César Gaviria (1990-1994), a segunda com Belisario Betancour (1982-1986) e a terceira sob o governo de Andrés Pastrana (1998-2002).

Nenhum dos processos anteriores havia gerado um acordo e nunca se discutiu sobre um ponto tão essencial como a questão agrária, considerada pela força insurgente como principal motivo que os levou a levantar as armas em 1964.

“Os movimentos sociais e populares da Colômbia compartilham que é a vez que mais se avançou, porque há uma vontade sincera por parte da insurgência e há também uma abertura por parte do governo colombiano. Claro que tem a ver com interesses econômicos, mas também com o desgaste da guerra e com a força que vem tomando o movimento”, avaliou Juan Pablo Tapiro, membro da Marcha Patriótica em entrevista ao Vermelho.

Dificuldades

Na época em que anunciaram o acordo parcial sobre o tema agrário, o atual presidente colombiano Juan Manuel Santos sustentou que “nunca antes havia avançado tanto em temas de tanta complexidade”. Apesar disso, a governo e Farc também tiveram seus estranhamentos em meio ao processo desenvolvido neste ano.

Algumas inciativas unilaterais do mandatário preocuparam os negociadores da guerrilha. Uma proposta de referendo levada ao Congresso em agosto por Santos desagradou os representantes das Farc. O presidente propunha que um possível acordo final fosse levado a referendo no mesmo dia das eleições, previstas para o próximo ano.

Para o grupo guerrilheiro, um acordo de paz não é um assunto que se pode resolver de maneira unilateral, assim como o mecanismo de votação não pode ser decidido somente pelo governo. “Aceitar essas regras do jogo seria trair a nossa luta”, disseram os representantes da guerrilha em um comunicado emitido na época.

As Farc consideram que a melhor maneira de fazer a consulta é através de uma Assembleia Nacional Constituinte, “neste cenário sim poderemos garantir a longa duração da paz nacional”, afirmam.

Para Pietro Alarcón, da comissão internacional do Partido Comunista Colombiano, outro problema que surgiu em meio ao processo foi criado pelos “inimigos do diálogo”. Ele disse ao Vermelho, que o “uribismo” (referência aos seguidores do ex-presidente Álvaro Uribe) e o militarismo são parte dessa força contrária.

No início de outubro, Ivan Márquez, chefe da delegação de paz das Farc, afirmou em entrevista ao Canal Capital que algumas pessoas em seu país “não querem a paz” e, por isso, “conspiram contra a solução política”.

Segundo ele, um dos principais inimigos do processo é o ex-presidente da Colômbia Álvaro Uribe. “Enquanto foi presidente não foi capaz de ganhar a guerra e agora não quer deixar que firmemos a paz”, declarou o membro das Farc, que completou: “(Uribe) deveria ter uma atitude mais séria que permita chegar a um acordo entre os colombianos que querem, majoritariamente, solucionar o conflito de forma pacífica”. 

Da mesma forma, Pablo Catatumbo, porta-voz da força insurgente, manifestou que o “uribismo” é o maior conspirador contra a paz, porque “acredita que a única maneira de alcançá-la é derrotando a guerrilha. Já levam 60 anos dizendo que vão acabar com as Farc”.

A vitória sobre a participação política

Contudo, nem as forças contrárias, tampouco as dificuldades encontradas (e superadas) pelo caminho, impediram o avanço das negociações.

No dia 6 de novembro, os membros das Farc e os negociadores governamentais anunciaram conjuntamente um acordo parcial sobre a participação política, o segundo ponto da agenda de diálogos pelo fim do conflito.

O acordo sobre o tema foi celebrado por organismos internacionais e por chefes de Estado de todo o mundo. Trata-se de um importante passo para o processo de paz, pois estabelece garantias para que o grupo guerrilheiro se converta em um movimento com pleno acesso à vida política do país e aos meios de comunicação.

Isso deu novo fôlego aos participantes do processo, fazendo calar os setores menos otimistas. Especialistas já afirmam que a paz na Colômbia é um caminho irreversível.

Gerações inteiras de colombianos não conheceram o país em situação de paz, contudo, esse avanço fundamental no processo com as Farc trouxe a esperança necessária para seguir buscando a democracia.

Recomeço

O país mantém a expectativa de que ambas as partes encontrem soluções para uma “paz estável e duradoura”.

As delegações das Farc e do governo colombiano anunciaram através de um comunicado conjunto, emitido neste domingo (17), que irão recomeçar a nova rodada dos diálogos de paz em Cuba somente no dia 28 de novembro, dez dias após a data prevista inicialmente.

O período de recesso servirá para que os negociadores busquem "afinar visões, trocar documentos e analisar as diferentes propostas recebidas da sociedade".

Próximos passos

Os outros pontos pendentes são relativos às vítimas e o fim do conflito armado, além de um adicional sobre a implantação dos acordos feitos.

Para a guerrilha é importante conseguir uma mobilização da sociedade, dos partidos de esquerda e das pessoas sem partido. “Entramos em uma fase pública na qual todos têm muito para fazer em favor da Colômbia, tanto dentro como fora”, afirmaram os membros das Farc.

Clique no link abaixo e ouça também a entrevista com Juan Pablo Tapiro, membro da Marcha Patriótica, realizada por Vanessa Silva da Redação para a Rádio Vermelho: