França cerca a África para garantir agenda política e comercial

Neste domingo (8), o chanceler francês Laurent Fabius deu ênfase à morte de 400 pessoas em Bangui, na República Centro-Africana. No início da semana, a advertência daquele que liderou uma intervenção militar irregular contra o Mali foi precedida pela permissão do Conselho de Segurança para o envio de mais tropas francesas e africanas ao país centro-africano. Na mesma mão controversa, Paris realiza a Conferência de Paz e Segurança na África.

Por Moara Crivelente, da redação do Vermelho

François Hollande - Medafrica Times

Fabius e o presidente François Hollande – pseudo-socialistas que empreendem mais intervenções militares do que avanços sociais – têm colocado a França novamente no rumo ativo do neocolonialismo e da ingerência. Recentemente, o país enviou tropas para a Líbia, a Libéria, o Mali e a República Centro-Africana (RCA).

No início do ano, lançaram a Operação Serval contra os “rebeldes” do Mali, fortalecendo uma situação política oriunda de um golpe militar, em 2012, em mais uma abordagem militarista a disputas territoriais e étnicas internas. Sua decisão foi unilateral e destoante da resolução do Conselho de Segurança, que previa uma missão de paz conjunta para setembro.

Na semana passada, o Conselho de Segurança adotou outra resolução que estabelece uma missão de paz para a RCA, e Fabius informou em seguida que a França enviaria cerca de 250 tropas para somarem-se às 350 já no terreno, com o objetivo de “restaurar a segurança e proteger os civis em apenas alguns dias”, de acordo com o portal de notícias All Africa.

Uma missão de manutenção da paz da Comunidade Econômica de Estados Centro-Africanos já tinha enviado 2.500 tropas à região, e deve ser liderada pela União Africana a partir do fim de dezembro. A França planeja o envio de cerca de 1.000 tropas.

A resolução do Conselho de Segurança permite às tropas franceses e africanas o uso da força, se necessário, para proteger os civis no país. “Membros do conselho também pediram ao secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, para estabelecer uma investigação sobre os abusos contra os direitos humanos na República Centro-Africana,” explica o portal.

Histórico e coordenação entre tropas estrangeiras

A decisão do Conselho de Segurança foi impulsionada por confrontos armados na capital Bangui, na semana anterior, que deixou vários mortos. Segundo Fabius, foram cerca de 400 em apenas três dias. A nova onda de violência inaugura-se em 2012, com confrontos entre a coalizão Seleka e o governo do presidente François Bozizé, acusado pelos rebeldes de não cumprir os acordos de paz assinados em 2007 e 2011.

A coalizão é formada por dois grandes grupos do nordeste do país: a União de Forças Democráticas pela Unidade e a Convenção de Patriotas pela Justiça e Liberdade, e chegou a tomar o controle de grandes cidades desde que o conflito armado foi retomado.

Dois outros grupos declararam-se aliados à coalizão: a Frente Democrática do Povo Centro-Africano, do norte, e a Frente Popular pela Recuperação, do Chade, país vizinho também envolvido nos conflitos.

Os grupos foram parte dos cerca de 10 envolvidos na guerra civil que eclodiu em 2004 e foi suspensa pelos acordos de paz assinados entre 2007 e 2012. O principal garantia a anistia para atos contra o Estado e um processo de desarmamento e desmobilização para a reintegração dos rebeldes à sociedade e às forças armadas oficiais, mas os rebeldes acusam o governo de não cumprimento.

O presidente interino, Michel Djotodia, é um militar que comandou forças da Seleka, e foi nomeado primeiro-ministro adjunto para a Defesa Nacional em fevereiro. Assumiu a presidência interina em março, quando Bozizé foi deposto, enquanto os rebeldes tomaram a capital.

A violência persiste desde então, apesar da presença da Missão da ONU na República Centro-Africana e no Chade (Minurcat), cujo mandato prevê o envio de até 5.200 tropas e os componentes civil e policial aos dois países. Seu trabalho relaciona-se com o do Escritório da ONU para Apoio à Construção da Paz na República Centro-Africana (Bonuca) e às Forças da União Europeia (Eufor), enviadas à região em 2007.

A sede das operações da Eufor, coincidentemente ou não, fica na França, a maior contribuinte: 5.000 tropas, oito helicópteros e 500 soldados para apoio logístico. Outros 19 países europeus contribuem (embora nenhum tenha enviado mais de 450 tropas), inclusive os que estão imersos numa crise persistente, com efeitos devastadores para as suas próprias populações: Portugal, Grécia, Espanha e Itália, ainda que com participações mínimas.

Já sobre a atual situação da RCA, o chanceler francês disse que “um certo número de operações está sendo desenvolvido em todo o país, e a operação de desarmamento do Seleka vai começar”. Fabius também afirmou que “o problema é que alguns estão tirando suas roupas de combate e vestindo-se como civis.”

“Respaldado pelo mandato da ONU, o Exército francês está sendo destacado por toda Bangui, onde civis estão voltando às ruas, e unidades chegaram na região noroeste, onde a violência sectária eclodiu, em setembro”, escreve o All Africa.

Conferência de Paz e Segurança Africana (para a França)

O primeiro-ministro da Etiópia e presidente atual da União Africana, Hailemariam Desalegne urgiu as forças estrangeiras a centrarem-se na África para encontrarem soluções para a paz e a estabilidade nas “áreas ameaçadas”, escreve o All Africa.

A Conferência sobre a Paz e a Segurança na África, realizada em Paris, neste fim de semana, foi aberta com uma homenagem ao líder africano recentemente falecido, Nelson Mandela. Cerca de 50 mandatários do continente compareceram. Apesar do tom alarmante sobre a violência disseminada, entretanto, Desalegne afirmou que a África mostra progresso em todas as esferas.

O presidente Hollande disse que seu país está participando ativamente em variadas intervenções militares "com o objetivo de construir a sua relação com a África e minimizar a vulnerabilidade da França e da Europa a ataques terroristas.” Além disso, urgiu os líderes africanos a fortalecerem seu próprio sistema securitário, e afirmou a “prontidão” francesa no apoio ao empenho da África pela paz e pela segurança.

Para isso, prometeu treinamento para 20.000 soldados africanos em cinco anos, enquanto a União Africana caminha para estabelecer uma força de reserva que deve estar operacional em 2015.
De acordo com uma matéria intitulada "França luta por manter influência africana na conferência de Paris", da Radio France Internationale (RFI), a preocupação é evidentemente econômica, também: “Hollande tenta convencer [os líderes africanos] a continuarem fazendo negócios com a França.”

"O país viu sua parte no mercado subsaariano diminuir de 10%, em 2000, para 4,7% em 2011", de acordo com um relatório de especialistas diplomáticos, ctiado pela RFI, embora o valor das exportações francesas tenha dobrado no mesmo período. Neste sentido, ressalta o empenho da França em sua “diplomacia econômica”, embora isso seja feito à custa da situação política africana.

No topo da lista da conferência esteve a Líbia, cenário de uma intervenção estrangeira anterior, cujos 4.000 quilômetros de fronteiras com seis países instáveis revelam-se extremamente porosos, de acordo com a RFI, que ressalta a movimentação de grupos islamistas radicais e liga a questão à situação do Mali, onde a França tem uma agenda econômica e energética a proteger.

A abordagem militarista da “segurança”, entretanto, além de servir à empreitada neocolonial e de ingerência política profunda, também perpetua a situação de violência extrema e de exclusão ao pressionar e até deslegitimar o caráter político de grupos armados expressivos, que veem suas causas negligenciadas pelas diferentes tendências políticas internas e estrangeiras.