Ensino privado impede haitianos de ir à escola, diz educador

Em entrevista, o coordenador do Reagrupamento Educação Para Todos e Todas (REPT), William Thelusmond comenta os principais desafios para a realização do direito humano à educação no Haiti. Segundo ele, "a criação de escolas privadas, em detrimento de um sistema de educação pública, impede que a maior parte da população haitiana possa frequentar a escola”.


Foto: Adital

Adital: Quais são os maiores desafios da realização do direito humano à educação no Haiti?

Thelusmond: O Haiti representa um caso muito particular, pois, lá, a privatização da educação vem representando historicamente um grave problema. Ainda antes dos terremotos que afetaram o país em janeiro de 2010, a situação era alarmante. O número de escolas privadas no país chegava a 85%, esse problema (da educação privada) é um tema onipresente no Haiti.

Como se sabe que a população não pode pagar e que há milhares de crianças, jovens e adultos fora da escola, o atual governo tomou como prioridade a busca pela gratuidade da educação, o que não se está concretizando de maneira geral e sistêmica ainda que os governos anteriores já houvessem começado a discutir o tema. Contudo, tanto as políticas governamentais como as de cooperação internacional, no geral, se baseiam para incluir esses estudantes na compra de bolsas nas escolas privadas e não na ampliação e fortalecimento do sistema público, o que é um problema. De outra parte, se permite que as escolas públicas do país também cobrem aos estudantes cotas escolares de inscrição e gastos preliminares no início do ano letivo, o que viola o princípio da gratuidade.

A atual presidência e a anterior se recusaram a publicar uma lei uma lei para diminuir e regulamentar as obrigações escolares, ainda que o Parlamento já tenha aprovado há mais de dois anos. Se fala sobre a gratuidade da educação, mas não se comenta a necessidade de que haja qualidade nessa educação. Assim mesmo, há um grande descompasso com relação aos dados que se manejam na política educativa. Às vezes as cifras que se utilizam estão superestimadas. Um ministro da educação do país perdeu o cargo por ter dito que os beneficiários do programa presidencial eram menos de 200 mil, ao invés de mais de 1 milhão e 200 mil.

Ou seja, o desafio é de grande magnitude. O fato de que a cooperação internacional financie o apoio e a construção de escolas privadas em detrimento de um sistema público impossibilita que a maior parte da população haitiana possa ir a escola. Nesse contexto, temos o desafio de esclarecer a opinião pública o que realmente se passa na educação pública do país. Outro desafio se refere ao fato de que nos últimos cinco anos foram empregados vários docentes que formação, nem titulação para a docência. Por isso, atualmente, os sindicatos de professores do país lutam para que lhes sejam oferecidos cursos e se exija formação às pessoas que atualmente exercem a docência. Existem também normalistas que não se titularam.

Que objetivos já foram alcançados até esse momento a respeito da garantia do direito à educação no país?
Podemos dizer que desde 1986 até agora houve um avanço significativo na educação. Até pouco tempo atrás a quantidade de pessoas analfabetas no Haiti era da ordem de 80 a 90%. Agora essa porcentagem é cerca de 50%. O último Informe das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Humano de 2013 mostra essa porcentagem em 48,7%. De qualquer forma, se trata de um número ainda bastante elevado, mas houve uma melhoria que só foi possível porque as organizações sociais reivindicaram. Além disso, no passado, houve governos com mais sensibilidade social que alcançaram alguns objetivos para a educação no país. Ainda assim, para nós, houve um aumento representativo no acesso à educação, que foi resultado da mobilização de organizações sociais e pessoas. Mas é importante destacar que apesar disso, a educação no Haiti segue muito deficiente.

Outra realização importante é que atualmente o tema da defesa do direito à educação é o mais importante da agenda de debates políticos em todo país. Todos estão discutindo e opinando sobre esse assunto, o que praticamente não existia há uns 10 anos. A maior preocupação pelo tema também resulta da pressão da sociedade civil organizada.

Quais foram as principais atividades de mobilização social e incidência política que a REPT realizou em 2012?
No início do ano passado discutimos a Lei de Educação, que havia sido aprovada no Senado e na Câmara dos Deputados. Articulamos uma campanha de informação sobre essa lei em todo o país. Para isso, fomos a todos os departamentos do Haiti, onde nos encontramos com a população campesina e as organizações de bairros, entre outras comunidades, para explicar a eles o conteúdo da lei e pedir para que eles se manifestassem e se mobilizassem para exigir a sanção da lei.

Começamos a debater o conteúdo da lei e, simultaneamente, foram realizadas diversas manifestações públicas pela aprovação da mesma, apoiadas pela coalizão. Outro foco da ação da REPT é informar à população sobre a situação atual da educação a as políticas públicas no país. Para fazer isso, utilizamos as seguintes estratégias, debates públicos presenciais, produção e distribuição de documentos, explicação do tema através das rádios, organização e participação em marchas e protestos, busca de outros meios de difusão e mobilização dos cidadãos para que eles reivindiquem seus direitos.

Para o futuro temos a intenção de desenvolver um trabalho de observação e análise das políticas públicas de educação e também do que se passa a respeito desse direito na vida cotidiana das escolas e da comunidade educativa. Queremos produzir investigações, mostrando os resultados para a população, para que dessa maneira, possamos fazer denúncias e propostas bem fundamentadas. Esse é um dos principais pontos de trabalho que queremos investigar. Também ansiamos em seguir defendendo a descentralização da educação para que todas as políticas, todos os projetos e todos os recursos da educação cheguem a cada localidade do Haiti.

Fonte: Adital