Publicado 20/12/2013 12:00

Um ano depois do final da Segunda Guerra Mundial, eu fazia parte do exercito de ocupação em Okinawa. Nos últimos meses houvera uma série de roubos em nossa base. Telas de janelas foram cortadas, objetos de me barracão sumiram. Estranhamente, o ladrão não levara mais do que doces e pequenas bugigangas, nada de valor. Em certa ocasião vi pegadas de pés descalços molhados no chão e na mesa de madeira. Eram minúsculos e deviam pertencer a uma criança. Sabia-se que pequenos bandos de órfãos percorriam a ilha vivendo do que podiam encontrar, levando qualquer coisa que não estivesse aferrolhada.
Mas, então, minha estimada caneta-tinteiro Waterman desapareceu. Aquilo estava indo longe demais.
Certa manhã, escolhemos um homem do campo de prisioneiros para fazer o serviço. Eu o vira várias vezes antes. Era calmo, bonito, aprumado, ouvia com atenção. Ao olhá-lo eu imaginava que qualquer que tivesse sido seu posto no Exército japonês (possivelmente um oficial), ele desempenhara bem suas funções. E agora lá estava minha caneta Waterman presa ao bolso daquele digno japonês.
Não pude acreditar que ele fosse capaz de roubar. Em geral eu era um bom avaliador de caráter e aquele homem me parecera confiável. Mas eu devia estar enganado daquela vez. Afinal, ele estava com a minha caneta e vinha trabalhando em nossa área havia dias. Decidi agir com base em minhas suspeitas e ignorar a simpatia que sentia por ele. Apontei a caneta e estendi a mão.
Ele recuou surpreso.
Toquei na caneta e pedi de novo, com um gesto que ele a entregasse. O japonês sacudiu a cabeça. Parecia levemente assustado e totalmente sincero.mas eu não ia me deixar enrolar. Amarrei a cara e insisti.
Por fim ele me deu a caneta, mas com grande tristeza e desapontamento. O que mais poderia fazer um prisioneiro se um representante do exército vencedor lhe dá uma ordem? A recusa a obedecer já provocara castigos e ele já deveria ter tido sua dose daquele tipo de coisa.
Ele não voltou na manha seguinte e eu nunca mais o vi.
Três semanas depois encontrei minha caneta no barracão. Fiquei horrorizado com a atrocidade que cometera. Eu conhecia a dor de ser vitima, de ser injustamente passado para trás, de ver uma confiança ser morta a sangue frio. Como eu podia ter cometido aquele erro? Ambas as canetas eram verdes com listras douradas. Mas em uma as listras eram horizontais e, na outra, verticais. Para tornar as coisas piores eu sabia como devia ter sido muito mais difícil para aquele homem do que para mim conseguir um artigo americano tão valorizado como a caneta Waterman.
Agora, cinquenta anos depois, não tenho mais nenhuma daquelas canetas. Mas gostaria de encontrar o homem, para lhe pedir despulpas.
Robert M. Rock, de Santa Rosa, Califórnia.