O patriota de chuteiras

 Por Aldo Rebelo*

 Já lamentamos nesta coluna “a falta que nos faz Nélson Rodrigues”, falecido em 1980 mas eternizadopela obra em que entrelaçou cômico reacionarismo ideológico com dramático amor ao Brasil –especialmente ao futebol, por ele exaltado em combate ao “complexo de vira-lata” com que qualificou a fracassomania da crônica esportiva.

O Ministério do Esporte e o BNDES associaram-se à onda de reedições dos livros do cronista, novelista e dramaturgo e patrocinaram o relançamento de A Pátria de Chuteiras, antologia de 40 crônicas publicadas entre 1950 e 1970. Do mesmo prelo saiu o álbum Somos oBrasil, iconografia distintiva do País, realçada com legendas bilíngues esculpidas em português pelo cinzel literário do grande escritor.

O texto que abre A Pátria de Chuteiras, intitulado Coices e Relinchos Triunfais, de 1966, é uma peça digna de Molière, pois escrita com a linha fina da comédia satírica. Zomba dos que exaltavam o futebol inglês, pois, se os brasileiros tinham muito queaprender com os anglo-saxões, nesse esporte éramos mestre e modelo. Seu alvo foi “o cronista patrício” queviajou à Inglaterra e voltou anglófilo, e comparou: se um inglês for à Lua, “sua primeira providência será anexar a própria Lua ao Império Britânico. Mas o subdesenvolvido [“o cronista patrício”] faz um imperialismo às avessas. Vai ao estrangeiro e, em vez de conquistá-lo, ele se entrega e se declara colônia.”

O olhar rodrigueano permanece contemporâneo como intérprete da alma nacional, ele que lia e admirava o maior de todos analistas, o sociólogo Gilberto Freire. O Brasil de Nélson Rodrigues é o luminoso Brasil que deu certo – ainda invisível para muitos patrícios dos nossos dias.

*Aldo Rebelo é ministro do Esporte.