Pedro Tierra: poemas do povo da noite

Aqui estão poemas escritos por um preso político em cárceres de detenção e tortura, do DOI-CODI e DOPS, nos presídios Tiradentes, Carandiru, Barro Branco.

Por Renato Pompeu

Hamilton Pereira da Silva / Pedro Tierra

Quando a coletânea Poemas do povo da noite, de Pedro Tierra (nome artístico de Hamilton Pereira da Silva) ganhou em 1978, em Havana, Menção Honrosa no concurso da Casa de las Américas, seu autor havia acabado de ser libertado de cinco anos em cárceres da ditadura militar brasileira, de 1972 a 1977, tendo sofrido todo tipo de torturas. Tinha sido militante da Ação Libertadora Nacional (ALN). Seus poemas só foram reunidos em livro no país em 1979, pela Editora Livramento (a edição disponível na Livraria Virtual da Carta Maior é uma publicação da Editora Fundação Perseu Abramo-Publisher Brasil em comemoração ao trigésimo aniversário da primeira edição). Mas o mais impressionante é que toda essa poesia foi produzida no cárcere.

Hamilton Pereira da Silva, filho de retirantes piauienses da seca, havia nascido em 1948 em Porto Nacional, então em Goiás e hoje no Tocantins. Completou em Anápolis o segundo grau e não frequentou universidade porque resolveu se dedicar totalmente à luta política contra a ditadura. Foi preso aos 24 anos, em 1972, em Anápolis, e, só para fazer uma ideia ainda que vaga dos horrores que sofreu, basta dizer que passou incomunicável três meses seguidos em celas de quartéis do Exército em Goiás e em Brasília, sendo submetido a “interrogatórios” quase que diariamente. Depois passou mais sete meses no tristemente famoso Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna, o DOI-Codi de São Paulo, também submetido a “interrogatórios” frequentes. Então, esteve no Presídio do Barro Branco, da Polícia Militar de São Paulo e, em seguida, cumpriu o restante da pena em prisões civis.

Desde a adolescência tinha adquirido o gosto de ler e de escrever. Nos cárceres, inicialmente não podia escrever, pois não havia lápis, caneta ou papel. Mas, um dia, numa interrupção do “interrogatório” a que estava sendo submetido, foi deixado sozinho na sala e viu um lápis sobre a mesa do interrogador. Rapidamente enfiou o lápis no bolso e, de volta à cela, rasgou cuidadosamente um maço de cigarros, escrevendo no branco do papel interno do maço. Este foi o início dos versos dos Poemas do povo da noite. Sua poesia era duplamente mobilizadora contra a insanidade. No conteúdo, atacava a insanidade da ditadura, expressa nas torturas e na opressão. No ato de produzir os poemas, lutava contra a insanidade em que sua mente podia submergir, por causa das torturas não só físicas como também psicológicas, e por causa do isolamento e da incomunicabilidade.

Assim nasceram os poemas que foram, pelo grande jornalista Claudio Abramo, homem de alta cultura, considerados dignos de grandes poetas, como o italiano Ungaretti e o americano T.S. Eliot. Exemplo:

Fui assassinado.
Morri cem vezes
e cem vezes renasci
sob os golpes do açoite.

Meus olhos em sangue
testemunharam a dança dos algozes
em torno do meu cadáver.
 

Versos como esses eram declamados em reuniões da Campanha pela Anistia e se espalharam pelo Brasil e pelo mundo, em espanhol, francês, italiano, inglês e alemão. Tão bela quanto a carreira de seus poemas, foi a carreira do ex-preso político Hamilton Pereira da Silva, Liberto, fundou sindicatos de trabalhadores rurais, atuou no Conselho Indigenista Missionário, Comissão Pastoral da Terra, Central Única dos Trabalhadores, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Partido dos Trabalhadores. Foi secretário da Cultura do Distrito Federal e coordenador de Cultura na campanha presidencial de Lula em 2002. Tornou-se presidente da Fundação Perseu Abramo, atuou no Ministério do Meio Ambiente e na Agência Nacional de Águas.

Em suma, sua vida é tão poética e tão redentora quanto sua poesia.

Fonte: Carta Maior