Cunha vai preso mas não se rende ao STF: permanece deputado

Ex-presidente da Câmara e campeão de votos em São Paulo, seu estado de origem, o deputado João Paulo Cunha deve se entregar, nesta terça-feira (7), à Polícia Federal, para iniciar o cumprimento da pena a que foi condenado no Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Penal 470, em julgamento polêmico, intitulado pela mídia conservadora de “mensalão”. A prisão não foi efetuada, segundo os advogados de Cunha, “porque o mandado não foi expedido”.

O deputado João Paulo Cunha (PT-SP)

Assim que o mandado de prisão for expedido, Cunha deverá ser conduzido, nas próximas horas, ao Presídio da Papuda, no Distrito Federal, onde já estão encarcerados o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. Ao contrário de José Genoino, outro parlamentar do PT de São Paulo condenado de acordo com o relatório do ministro Joaquim Barbosa, presidente do STF, João Paulo Cunha afirmou que não irá renunciar ao mandato. Ele avisou que permanecerá no caso e usará o julgamento da questão, no Plenário da Câmara, como foro de sua defesa contra o que considera “um julgamento injusto”.

Cunha, até agora, recebeu o apoio do PT de São Paulo que, na véspera, criticou o mandado de prisão do deputado, por ordem de Joaquim Barbosa, que negou recurso do réu na AP 470. Em nota, o presidente do diretório estadual do PT em São Paulo, Emidio de Souza, classificou a sentença como “injusta” e “ato final de um processo viciado e de um julgamento espectaculoso e midiático que ignorou princípios basilares do Direito”.

“Com a mesma indignação que recebemos a notícia da prisão injusta de três de nossos companheiros em 15 de novembro, recebemos hoje a notícia da igualmente injusta decretação da prisão do deputado João Paulo Cunha”, diz a nota. O presidente estadual do PT afirmou ainda que o partido “continuará a denunciar o caráter político do julgamento da Ação Penal 470 e a execução das penas em desacordo com os termos da condenação”.

“Estamos certos de que nenhum dos companheiros presos se apropriou de recursos públicos nem se enriqueceu ilicitamente e que a inocência de todos eles será um dia reconhecida, ainda que tardiamente”, acrescentou.

Trincheira

A decisão de Cunha, de exercer seu mandato até que seja cassado, ou não, em um julgamento no Plenário da Câmara, com voto aberto, estabelece a trincheira do Parlamento à ação julgada no STF. Ao se manter firme no posto, Cunha transfere aos colegas e ao presidente da casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), a difícil decisão de cassá-lo. Na AP 470, Barbosa convenceu os demais ministros do STF a condená-lo por peculato na contratação da agência de publicidade DNA. O que Barbosa apontou como “desvio” foram as comissões pagas por veículos – como Globo, Folha e Abril – à agência. Uma prática regular e corriqueira em todas as contratações de publicidade públicas e privadas realizadas no Brasil.

A contratação da agência foi alvo de diversos pareceres e até de uma auditoria interna da Câmara dos Deputados, que apontaram o caráter legal do processo. Ainda assim, Cunha foi condenado à prisão. Ao não renunciar ao mandato, porém, Cunha leva aos aliados a oportunidade que precisavam para interpelar o ministro Joaquim Barbosa, que alimenta planos de ser candidato a um cargo eletivo ainda este ano. Mesmo cumprindo a pena, em regime semiaberto, Cunha poderá manter o expediente na Câmara, pois o regime permite aos presos com emprego fixo – e sem risco à sociedade – a possibilidade de exercer sua atividade e retornar ao presídio à noite, para dormir.

Em sua defesa, Cunha publicou uma revista que aponta as as contradições do STF no seu julgamento.

Conheça as principais razões para a revolta de João Paulo Cunha em face do relatório de Barbosa e sua posterior condenação:

Acusação

O ministro-relator do STF, Joaquim Barbosa, afirma, no seu voto condenatório, que o deputado João Paulo Cunha decidiu contratar uma agência de publicidade para a Câmara dos Deputados. Esta afirmação é correta?

A verdade

Não! Pois a Câmara dos Deputados já mantinha, desde o ano 2001, um contrato de publicidade com a agência Denison. Esse contrato foi assinado pela administração anterior do presidente Aécio Neves.

Em 26 de Dezembro de 2002, esse contrato foi prorrogado. Portanto, quando João Paulo tomou posse, na Presidência da Câmara, em fevereiro de 2003, o contrato de publicidade estava em vigor e em plena vigência.

Acusação

Segundo o ministro-relator, “a decisão de abrir uma nova licitação foi, efetivamente, tomada pelo réu João Paulo Cunha”. Procede essa afirmação?

A verdade

Não! Legalmente, a Câmara não poderia realizar uma nova prorrogação do contrato de publicidade em vigor com a Denison. Então, a Secretaria de Comunicação (SECOM) da Câmara dos Deputados, através de seu diretor, solicitou a abertura de uma nova licitação.

Acusação

O ministro Joaquim Barbosa conduz as acusações para induzir que foi o deputado João Paulo Cunha quem assinou o contrato de publicidade da Camara dos Deputados. Esse contrato foi assinado pelo deputado João Paulo Cunha?

A verdade

Não! O contrato foi assinado pela própria administração da Câmara dos Deputados, representada pelo seu diretor-geral. O edital para a licitação foi aprovado pelo núcleo jurídico da Assessoria Técnica da Diretoria Geral.

Acusação

O ministro-relator afirma que João Paulo Cunha “praticou ato de ofício”, nomeando a “comissão especial de licitação”. Isso é verdade?

A verdade

Absolutamente, não! A Diretoria Geral da Câmara explicou com clareza sua opção por esse modelo, “de plano há que se ressaltar a existência de norma legal expressa na lei de licitações, que autoriza tal procedimento administrativo (art. 6o, XVI e art. 51, caput), que, nas condições particulares do que a administração pretendia, mostrava- se como o caminho mais natural e eficiente”. Também esclareceu que o “tipo ‘melhor técnica’ não se descuida do aspecto do menor preço”. Além disto, observou: “no tocante à contratação tratada, a avaliação das propostas era eminentemente técnica e intelectual, necessitando execução por pessoas com capacitação específica e elevado nível de conhecimento da matéria”. Como “os membros da Comissão Permanente de Licitação não eram versados no tema objeto da licitação, demandando a instalação de uma Comissão Especial de Licitação composta por técnicos com habilitação específica na área de publicidade e comunicação social”.

Exatamente por isso, o ato assinado por João Paulo Cunha, em agosto de 2003, de caráter administrativo, foi uma mera repetição do ato assinado pelo deputado Aécio Neves quando presidente da Câmara, em junho de 2001, conforme a experiência administrativa da própria casa. Aliás, dos cinco membros que compuseram a Comissão Especial de Licitação, indicados em 2001, três continuaram em 2003, o que comprova a impossibilidade absoluta de influenciar no resultado final da comissão. Além disso, o presidente das duas comissões foi a mesma pessoa.

Deste modo, fica claro que não há nenhum ato de ofício praticado pelo deputado João Paulo Cunha que caracterize base jurídica para uma possível condenação. Alias, se houvesse, deveria alcançar os atos praticados pela comissão da gestão anterior. Porque razão o ministro Joaquim Barbosa não viu irregularidade na comissão especial de licitação de 2001 e somente na de 2003?

Acusação

O ministro-relator acionou a Policia Federal (PF) para analisar a licitação e a execução do contrato. Qual o resultado produzido pela Polícia Federal?

A verdade

Laudo pericial de exame contábil do Instituto Nacional de Criminalística, órgão da Polícia Federal, constatou que os serviços contratados foram efetivamente executados. Concluíram que o contrato previa cláusulas que garantiam a execução da forma como foi realizado. Esse laudo afirma que a tercerização dos serviços foi real, ocorrendo em conformidade com a legislação vigente (pg 12). Que a terceirização é da rotina operacional dos contratos firmados entre os orgãos públicos e as agências de publicidade (pg 15). O contrato admitia terceirização de serviços (pg 17). E que os gastos com veiculação correspondem a 65,53% do contrato (pg 19).

Observe a situação contraditória que a maioria do STF criou. O único item que o laudo da PF questiona, os serviços prestados pela IFT, o Supremo considerou regular e absolveu o deputado João Paulo. Por outro lado, todos os outros serviços contratados pela Câmara foram atestados pelo laudo da Polícia Federal, como efetivamente executados. Entretanto a maioria do Supremo ignorou este laudo da PF para condenar.

Distorção dos fatos

Nas páginas seguintes (de 31 até 35) serão apresentados para o conhecimento da sociedade, todos os pagamentos feitos pela Câmara dos Deputados. Ou seja: o contrato assinado pela Câmara com a agência SMP&B de R$ 10.745.902,17 foi totalmente executado com os respectivos recebedores dos recursos. Tudo com documentos apresentados no processo. A regra para pagamento à agência é a estabelecida no contrato e a praticada pelo mercado, inclusive regulado por lei. A regra do contrato é a seguinte: 15% das veiculações (cláusula 9a – parágrafo único), no valor de R$ 948.338,41; 5% dos serviços pagos a terceiros (cláusula 8a – alínea “b”) no valor de R$ 129.519,40 e os serviços prestados pela própria agência (cláusula 8a – alínea “a”), no valor de R$ 14.621,41.

Por esses números, chegamos à conta usada pelo ministro Joaquim Barbosa para condenar erroneamente o deputado João Paulo Cunha. Ou seja: a Câmara, dentro da legalidade, veiculou os anúncios, pagou os serviços e os contratados pagaram as comissões para a agência. O ministro-relator contabiliza equivocadamente as comissões pagas pelos veículos à SMP&B como se fossem desvios de recursos.

Fonte: Correio do Brasil