Corpo de Eduardo Coutinho é enterrado após morte trágica no Rio

O corpo do documentarista Eduardo Coutinho foi enterrado nesta segunda-feira (3), às 16h30, no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, sob muitos aplausos, dos cerca de 300 amigos e admiradores. No momento do sepultamento foi puxada a saudação 'companheiro Eduardo Coutinho, presente!'.

Filho de Coutinho, Pedro (à direita, de azul) segura o caixão do pai no enterro (Foto: Cristiane Cardoso / G1)

O velório começou às 10h30, na Capela 3 do Cemitério São João Batista, em Botafogo, também na Zona Sul. Dezenas de parentes, amigos e colegas de profissão se despediram de um dos principais documentaristas do país. Uma salva de palmas de quase cinco minutos marcou o adeus a Coutinho.

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Para a polícia, Daniel Coutinho, de 42 anos, um dos filhos do cineasta, assassinou o pai, esfaqueou a mãe, Maria das Dores, 62 anos, e depois atingiu a própria barriga com facadas durante um surto. Mesmo ferido no Hospital Municipal Miguel Couto, ele teve a prisão decretada pela Justiça nesta segunda (3).

Irmã do cineasta, Heloísa de Oliveira Coutinho, de 78 anos, disse que soube da morte pelo sobrinho Pedro. Ela mora em São Paulo e chegou ao Rio na noite deste domingo (2). "Foi um ótimo irmão. Ele levou uma vida muito discreta, eu não sabia detalhes da vida dele com os filhos. A morte dele foi uma surpresa", disse.

Importância social ao documentário, diz Barreto

O produtor de cinema Luiz Carlos Barreto esteve no velório por volta das 12h e disse ser fã das obras de Coutinho. "Ele conseguiu dar ao documentário a importância social, revolucionando a linguagem, introduzindo a dramaturgia no documentário", afirmou.

O produtor lembrou que Eduardo Coutinho também teve um papel importante na militância contra a ditadura militar no Brasil. "Fomos militantes nos anos 70, participamos do movimento do cinema novo", comentou.

Barreto disse que apesar de uma amizade longa, não sabia detalhes da relação familiar do amigo. "Depois de 50 anos de amizade, a gente não tinha conhecimento desse problema, isso dói muito. Ele está partindo de uma maneira trágica e não merecia isso", desabafou.

Outras homenagens

“A família do cinema brasileiro está destroçada”, comentou o ator Antonio Pitanga. Para ele, Coutinho era um cineasta e também um ser humano “genial”, que sucumbiu diante da insegurança e da violência que marcam o mundo na atualidade. “É uma dor muito grande. Nós sabemos quanto foi duro a gente erguer o cinema brasileiro, colocá-lo em um patamar mundial”. Coutinho ficará para sempre, para o ator, como um gênio do documentário, talvez o maior do mundo. "Com ele, morre um pedaço do cinema nacional", admitiu.

O cineasta Breno Silveira, diretor de Dois Filhos de Francisco e de Gonzaga, diz que aprendeu com Eduardo Coutinho tudo o que sabe. “Coutinho foi o meu mestre. Acho que esse olhar bonito que ele tinha com as pessoas simples, com o ser humano, era uma coisa muito difícil de encontrar. Muito do que eu olho, do que eu vejo, a forma como eu filmo, aprendi com ele. Tem muito disso no Dois Filhos de Francisco, tem muito disso no Gonzaga”. Coutinho foi o primeiro cineasta com quem Breno Silveira trabalhou depois de se formar em cinema na França. “Foi meu primeiro grande mestre”.

O ator Tonico Pereira salientou as virtudes de Coutinho enquanto cineasta. “Ele tinha uma linguagem muito clara, muito explícita, muito precisa. E a substância dele foi sempre o homem. Acho isso, verdadeiramente o grande lance da obra dele: a substância humana que ele colocava registrado através das máquinas. Mas, fundamentalmente, o homem”.

Especializada em videoarte e documentários, a cineasta Sandra Kogut sublinhou que pessoas que foram personagens de Coutinho em seus filmes e muitas que sequer estiveram retratadas nas histórias mas que tiveram algum tipo de contato com ele, fizeram questão de levar sua última homenagem. “Só o maior documentarista do mundo pode ter essa honra, uma expressão tão concreta do valor de como era uma pessoa única e tão preciosa”. A qualidade humana foi destaque para a cineasta em toda a vida de Coutinho. “Ele conseguiu estabelecer esse nível de conexão com as pessoas, o que é uma coisa difícil. E ele sabia fazer. Um grande mestre”.

O cineasta Neville de Almeida, famoso por filmes como A Dama do Lotação e Os Sete Gatinhos, lamentou que as homenagens a Eduardo Coutinho não tivessem sendo feitas na dimensão que ele merecia e que não tivessem sido prestadas enquanto estava vivo. “Era um documentarista e cineasta que, com talento, paixão e inventividade, renovou o conceito de documentário. Agora, o que a gente deve registrar, que é uma coisa recorrente e acontece sempre, é que esperam morrer para homenagear”.

O reconhecimento que Coutinho teve foi muito pouco, apesar dos prêmios, segundo Neville de Almeida, pelo talento e pela grandeza que eram suas características. “A gente tem que homenagear as pessoas enquanto elas estão vivas, fazer as festas, reconhecer o talento, essa coisa maravilhosa que é a força do cinema brasileiro e as pessoas que fizeram isso”. Ele ressaltou que Eduardo Coutinho foi um dos maiores cineastas do mundo, que conseguiu influenciar o documentário, “que é uma coisa que milhares de pessoas fazem, mas ele conseguiu, dentro desse gênero, ser um dos melhores do mundo”.

Diretor de fotografia de filmes como A Febre do Rato, Central do Brasil, Lavoura Arcaica, o cineasta brasileiro Walter Carvalho disse que Coutinho era uma pessoas especial. “Coutinho era uma pessoa que, na largada, já avançou com um tipo de preocupação com a vida que ele tentou retratar no cinema. E, curiosamente, essa própria maneira de ele examinar a vida, se voltou contra ele, de certa forma”.

Carvalho acentuou que Eduardo Coutinho se interessava muito pelo drama humano. “Não exatamente a tragédia em si, mas o drama humano, o drama familiar, o drama social e político”. Nesse sentido, ele indicou que o cinema de Coutinho, tanto na ficção como no documentário, se destacava pela lucidez. “É um exemplo para os outros colegas de profissão. E um exemplo para quem quer entender o Brasil. Coutinho é um dos responsáveis, ao lado de tantos [brasileiros] como Graciliano Ramos, Darcy Ribeiro, Oscar Niemeyer, pela possibilidade de, por meio dele, se compreender o Brasil”. Carvalho avaliou que isso não era um elogio, e sim uma constatação. “Você pode compreender melhor a vida e o Brasil se olhar as coisas feitas pelo Coutinho. O resto é silêncio”.

Filmes

Em toda a carreira, Coutinho dirigiu 20 filmes, entre longas e curtas-metragens, segundo informações do site IMDB. São eles:

"O ABC do amor" (1967)
"O homem que comprou o mundo" (1968)
"Faustão" (1971)
"Seis dias de Ouricuri" (1976)
"Teodorico, o imperador do sertão" (1978)
"Exu, uma tragédia sertaneja" (1979)
"Cabra marcado para morrer" (1985)
"Santa Marta" (1987)
"O fio da memória" (1991)
"Boca de lixo" (1993)
"Santo forte" (1999)
"Babilônia 2000" (1999)
"Porrada" (2000)
"Edifício Master" (2002)
"Peões" (2004)
"O fim e o princípio" (2006)
"Jogo de cena" (2007)
"Moscou" (2009)
"Um dia na vida" (2010)
"As canções" (2011)


Com informações da Agência Brasil e portal G1