Perpétua Almeida enfrentará campanha do tostão contra o milhão 

Ao se preparar para o desafio de ser candidata ao Senado pela Frente Popular do Acre (FPA), a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) sabe que vai enfrentar o milionário Gladson Cameli (PP) e reacender a luta histórica da filha do seringueiro contra o filho do dono do barracão. 

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Comodidades da vida urbana como energia elétrica, TV e banho de chuveiro, ela só veio conhecer aos 14 anos de idade, quando se mudou do Seringal Cruzeiro do Vale, onde hoje se localiza a cidade de Porto Walter, para o convento das Irmãs Dominicanas, em Cruzeiro do Sul.

Estava certa de que seria freira. Anos depois, já saindo da adolescência e faltando 15 dias para receber o hábito que lhe cobriria todo o corpo, como convém a uma religiosa de vida completamente entregue a Deus, entrou em dúvida quanto a real vocação e acabou deixando o noviciado, casou, teve dois filhos e abraçou a política como causa de vida. Se a religião perdeu uma discípula, a política ganhou uma militante apaixonada.

Filha de seringueiro e caçula de uma família de 15 filhos, Perpétua Almeida tornou-se professora e bancária e é filiada ao PCdoB desde 1987. Ao decidir trocar a vida religiosa pela política, participou ativamente, no Juruá, da fundação de entidades dos movimentos sociais, como as pastorais da juventude, ligadas à Igreja Católica; e de associações de moradores.

Ainda em Cruzeiro do Sul, ajudou a fundar o Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sinteac) e participou da criação do Sindicato dos Bancários do Acre, do qual depois se tornou presidente, já em Rio Branco. Foi na luta sindical que conheceria o marido, o atual secretário de Indústria e Desenvolvimento, Edvaldo Magalhães, então um combativo sindicalista. Foi amor à primeira greve.

Em 2000, foi eleita a vereadora mais votada da Frente Popular na capital Rio Branco. Está no terceiro mandato de deputada federal e, por duas vezes, foi a mais votada do Acre. Na última segunda-feira (17), foi anunciada pelos partidos da FPA, coligação encabeçada pelo PT, como sua candidata ao Senado da República, com a retirada da candidatura à reeleição do atual senador Aníbal Diniz, num dos gestos mais contundentes da história política da agremiação, que completa 16 anos de poder no Estado.

É sobre o desafio de vir a ser a segunda mulher eleita senadora da República pelo Acre e perfilar-se ao lado de um fenômeno político chamado Marina Silva, cujas origens são extremamente parecidas, que Perpétua Almeida fala ao jornalista Tião maia na entrevista para o pagina20.net, com direito à pausa para lágrimas, quando compelida a falar da origem humilde.

Os principais trechos são reproduzidos a seguir:

Pagina20.net: Há quem diga que essa sua candidatura ao Senado chega com quatro anos de atraso. A senhora concorda com isso?
Perpétua Almeida: Não, acho que tudo tem seu tempo. Minha vez é agora.

Há quatro anos, seu marido (Edvaldo Magalhães) perdeu a eleição. A senhora não teme que isso venha a se repetir? Afinal são candidaturas muito parecidas, da mesma família… O que a senhora vai fazer para não ser o Edvaldo Magalhães da vez?
Penso que, naquele momento, o povo tinha uma opinião. Não queria dar tudo à Frente Popular, que concorria com três candidaturas majoritárias. Foi um momento de muitas dificuldades e de pouca política para a Frente Popular. Hoje, nas ruas, as pessoas dizem algo interessante para o Edvaldo: olha, se eu te conhecesse direito, como hoje, teria votado em você para senador. Na verdade, o Edvaldo não tinha o que tem hoje, que é essa relação próxima com as pessoas. Ele foi um líder de governo eficiente, depois presidente da Assembleia, mas nunca teve uma ação de massa com o povo, com inserção popular. Aquele era um momento em que a população nos cobrava mais aproximação. Mas agora os tempos são outros. Na Frente Popular, nós estamos aprendendo com o tempo que não devemos apenas dizer em quem o povo tem que votar. Nós temos que nos apresentar como alternativa e dizer das nossas qualidades e do que podemos oferecer de bom às pessoas pela prática da política responsável e saudável. Nós temos mudado de postura e temos, por exemplo, um mandato inserido e bem aceito pela população, e a Frente Popular, com o governo do Tião Viana, aprofunda-se cada vez mais nos problemas da população. O Tião faz um governo que mais parece uma lançadeira, indo de um ponto ao outro do Estado, levando os mais diversos benefícios. Então, acho que as coisas são bem diferentes de 2010. Há um sentimento na sociedade de que precisamos recuperar essa cadeira das mulheres no Senado. O gesto do Aníbal Diniz ao abrir mão de concorrer, dizendo que o fazia por mais espaço para as mulheres na política, foi algo muito bonito.

Então a senhora quer seguir os passos da ex-senadora Marina Silva?
Não só dela como de outras mulheres que chegaram ao Senado pelo Acre. A primeira foi a médica Laélia Alcântara, que foi suplente do senador Adalberto Sena e acabou assumindo. Depois, a professora Iris Célia Cabanelas, outra suplente que também assumiu. A primeira senadora eleita pelo Acre foi a Marina e eu quero ser a segunda, em mais de 50 anos da presença do Acre no cenário da República, do Congresso brasileiro, para assegurar esse espaço da mulher acreana na vida política do Estado e do país. Acho que há esse sentimento na sociedade.

A senhora diria que estão saradas as possíveis fissuras entre o PCdoB e o PT, que andaram se arranhando nos bastidores antes da definição pelo seu nome? Vão unidos PT e PCdoB para a campanha? Ainda falando em 2010, em alguns momentos, gente do PT não abraçou completamente a campanha de Edvaldo Magalhães. A senhora não teme sofrer o mesmo processo?
A política não é feita por robôs. É feita por homens e mulheres que têm sentimentos, que têm suas mágoas, ciúmes e tristezas. Isso a gente também tem que levar em consideração. Isso é natural. O que houve entre a gente foi algo normal. Até nas famílias têm interesses, disputas. Historicamente, o PT e o PCdoB sempre disputaram espaços, desde o movimento estudantil às associações de bairros e sindicatos. Só que nós crescemos e descobrimos que essa unidade da Frente Popular é um patrimônio do povo acreano. A Frente Popular, hoje, não é mais dos partidos que a integram. É do povo acreano. Faz parte da história acreana. Isso obriga que todos façamos nossas renúncias para que o projeto continue a avançar.

A senhora é natural da região do Juruá, de onde vem uma candidatura de oposição ao Senado reconhecida de força. A senhora tem “tutano” para enfrentar a candidatura de um rapaz endinheirado e sedento de poder, como é o caso do deputado Gladson Cameli, que está em campanha para o Senado desde muito tempo?
(rindo, visivelmente nervosa…) Me parece que vai ser a campanha do tostão contra o milhão. Quando cheguei pela primeira vez ao Congresso Nacional… (interrompe, começa a chorar, encobrindo os olhos tentando esconder as lágrimas; depois de alguns minutos e de ingerir um copo d´agua, recompõe-se). Meu pai, lá em Porto Walter, logo após minha eleição, foi falar com alguns amigos dele dizendo mais ou menos o seguinte: “Vocês estão vendo? Diziam que meus filhos, só porque eram filhos de pobre, não iriam ser nada? Pois está aí…”. Eu me lembro de que lavava os sapatos das filhas dos seringalistas locais para conseguir algum dinheiro para ajudar em casa. Por isso, quando entrei na política, sempre tive muito orgulho de onde eu vim, de quem eu sou, de quem eu era. Eu sempre soube que nunca tinha dinheiro para enfrentar campanhas milionárias, de quem tem muito dinheiro, como é o caso do deputado Glason Cameli. Mas eu tenho muita confiança no nosso povo. Eu já o enfrentei acho que duas ou três vezes, e ele nunca teve mais votos do que eu. Então estou pronta: com meu trabalho e a força da nossa gente. O Acre ainda é pequeno e todo mundo conhece todo mundo. Sabe quem se dedica e trabalha no dia a dia e quem está na política por ideal e não apenas por capricho e por ter dinheiro para bancar grandes estruturas de campanha e que vem agora, de última hora, tentar aparecer para ter um espaço maior na política para defender seus interesses e das empresas as quais é ligado. O que eu tenho para oferecer às pessoas é meu trabalho. Nas eleições que já disputamos, o senhor Gladson fazia apostas dizendo que teria mais votos do que eu e nunca conseguiu. A sociedade tem percebido que o Senado não é um troféu nem um brinquedinho e que a política é algo muito sério. Não é um espaço ou brinquedo de riquinhos.

Como é sua relação com a presidenta Dilma Rousseff? Ao que parece, nesta decisão local, de escolha de seu nome para o Senado, ela teve muito peso, não foi?
A presidente Dilma, há muitos anos, torce para que eu seja candidato ao Senado. A primeira vez em que a gente viajou junta – ela ainda era ministra – foi para o Maranhão, defender nossos candidatos. No Maranhão, eu defendia o camarada Flávio Dino, e ela, os candidatos do PT. Nessa vez ela conheceu minha história, de uma pessoa que saíra do seringal, e, ao saber disso, disse: “Menina, você tem que ser é candidata majoritária no Acre”. Na época eu disse: “Um dia vou disputar uma cadeira do Senado” .Ela parece que ficou com isso na cabeça, porque, mesmo depois de ter sido eleita presidente, sempre que a gente se encontrava, ela sempre me perguntava: “E aí, já resolveu o problema lá do Acre?”. Aliás, ela havia cobrado isso do próprio Ruy Falcão [presidente nacional do PT] para que houvesse entendimento aqui em torno do meu nome. Ela estava na torcida. Numa atividade de mulheres no Palácio do Planalto, ao falar meu nome, ela disse: “A deputada Perpétua Almeida e sua florzinha…”.
E essa história da flor vermelha nos cabelos? Foi um marketing que a senhora adotou?
Essa história da florzinha nasceu na campanha passada. Eu já estava com meus cartazes prontos, com fotografias sem a flor. Um dia, na campanha, eu andando na rua, alguém me entregou uma flor, de plástico, recortada, e pôs nos meus cabelos. E nas fotos todo mundo gostou – eu também gostei. E ficou. Hoje, já nem consigo tirá-la – acho que já faz parte de mim, me sinto meio nua quando saio na rua sem a flor.

E então quem imitou quem: a ex-chacrete Márcia (vivida pela atriz Elizabeth Savalla, na recente novela Amor à Vida) ou a senhora?
A novela me imitou e fez uma boa campanha para meu nome. As pessoas me ligavam e diziam, quando a novela estava no ar: “Olha, a Márcia está copiando seu estilo e sua flor”. Recebi centenas de mensagens do Brasil e do Acre das pessoas me aconselhando a cobrar direitos autorais da Globo por causa do uso da flor. E, no último capítulo da novela, quando a rival dela chega e diz: “Tem alguma coisa estranha com você… Deve ser esta flor que você usa, que lhe dá poder”, aí a Márcia tira a flor e coloca no cabelo do outro, numa cena linda. Recebi centenas de mensagens de mulheres me pedindo uma flor igual porque queriam ter também sorte no amor…

E a senhora teve de fato sorte no amor?
Tive, sim, muita sorte. Meu casamento já dura mais de 25 anos e eu tenho dois filhos maravilhosos fruto desse casamento.

No caso, quem tem sorte é a senhora ou o secretário Edvaldo?
Eu diria que nós dois. A gente se gosta muito, somos parceiros, amigos e aliados nas mesmas causas, nos mesmos sonhos. Nós dois tivemos muita sorte ao nos encontrarmos. Às vezes a política atrapalha a relação, com esse negócio de vivermos em cidades diferentes, correndo para um canto e outro, longe dos filhos. Mas, por outro lado, há a vantagem de, nos encontros, renovarmos tudo o que sentimos, recuperando todo o tempo e todas as distâncias.

A senhora sempre foi uma pessoa muito próxima, até pelas histórias parecidas, da ex-senadora e ex-ministra Marina Silva. Como vai ser para a senhora agora ter que enfrentá-la, já que, ao que parece, ela não estará no palanque da Frente Popular?
Na verdade, estaremos em campos opostos pela segunda vez. Mas eu continuo a ter muito carinho pela Marina. Na verdade, eu acho que a política não pode interferir nas relações pessoais. Temos que fazer nossas disputas no campo das ideias e das propostas. Para mim, a Marina é uma referência importante de política, e espero que ela venha a apoiar, no Acre, a Frente Popular. Ela faz parte desse movimento.

Mas há um problema aparente: a ex-ministra é evangélica e a senhora, em tese, uma comunista. Como a senhora vai fazer, com a pecha de comunista e em tese atéia, para atrair o voto evangélico?

Eu sou de uma família muito religiosa. Metade católica e a outra metade evangélica. A minha mãe comandava a parte evangélica da família. O pai, a parte católica. E eu fiquei cinco anos em colégio de freiras para ser religiosa, porque, naquele momento, acreditava que naquela forma de seguir a Deus eu também estava ajudando a sociedade. Depois eu percebi que também poderia ajudar fora da religião. O fato é que não consigo dar um passo, quando vou dormir ou me levantar, sem pedir a proteção e agradecer a Deus por tudo. Um pastor amigo, que não vou dizer o nome, me dizia outro dia que, no passado, os crentes tinham medo do PMDB porque diziam que eram comunistas; depois, veio o PT e diziam a mesma coisa. Quando surgiu o PCdoB, a mesma coisa. Mas esse pastor me disse: “Você é vermelha, é do PCdoB, mas não tem cara de quem come criancinha…”. Quando entrei para o PCdoB, já foi com essa carga forte de religiosidade, recém-saída do convento. Pouco antes eu tinha pavor dos comunistas. Fiquei um tempo intrigada com dois amigos meus – um deles hoje é o meu marido, por causa disso. Fiquei um bom tempo sem falar com o Edvaldo e com o Moisés Diniz porque me disseram que eles haviam fundado o Partido Comunista em Cruzeiro do Sul. Eu não queria nem ouvir falar disso. Mas depois percebi que em todas as lutas em que eu estava, nas associações, nas manifestações, nas reivindicações, eles estavam juntos, sempre solidários. Foi aí que percebi que ser comunista não era coisa do outro mundo. Então, em todas as minhas campanhas, eu sempre tive gente do meio evangélico me ajudando. Acho que agora não será diferente.

Estou satisfeito com sua entrevista. A senhora quer fazer alguma declaração final?
Quero, sim. Quero chamar as mulheres, em especial, para essa luta. Essa minha nova candidatura significa em especial a luta das mulheres por espaço na política. Poucos estados brasileiros têm uma senadora entre os três senadores a que cada Estado tem direito no cenário nacional. Alguns nunca tiveram uma senadora. Imagine ter as três senadoras pelo Estado. O Acre se destaca por ser um dos pioneiros nessa luta, e creio que é chegada a hora de avançarmos mais. Minha candidatura é dos homens também. Precisamos avançar no combate às desigualdades sociais, e isso só é possível no campo da política, a política feita com ética, sem ódio, sem interesses pessoais. É a isso que eu me proponho: lutar pelos homens e mulheres do meu Estado e do meu país, como fiz ao longo do mandato de vereadora por Rio Branco e de três como deputada federal.

Fonte: pagina20.net