Kossovo: cinismo belicista da “democracia ocidental”

A história da Crimeia e do Kossovo tem demonstrado que o Ocidente continua seguindo à risca um princípio de dois pesos e duas medidas.

Por Iliá Kharlamov, na Voz da Rússia

Bandeiras dos Estados Unidos e de Kossovo

É verdade que, nas últimas décadas, os seus esforços mais enérgicos têm se voltado para estabelecer domínio sobre várias culturas, visões de mundo e modelos políticos diferentes. E, no caso de discordância ou até resistência, tentar subjugá-los mediante dinheiro (para subornar a elite governante) ou alcançar seus objetivos por meio da força (medida essa que serve para “acalmar” o resto do povo).

Foi assim que surgiu um “racismo geopolítico”. Dentro da sua lógica, o Ocidente se associa a “uma privilegiada raça branca”, com os poderes absolutos. Os demais parecem pertencer a uma casta “preta”, à qual seria autorizado aquilo que os “brancos” permitirem. Apenas através deste paradigma será possível, a meu ver, explicar um posicionamento estranho e irracional, assumido por alguns Estados ocidentais.

Um apoio prestado pelo Ocidente à separação do Kossovo em 2008 é muito elucidativo. Naquela altura, foram menosprezadas e espezinhadas as Resoluções e normas relativas à integridade territorial, estabelecidas pela ONU, para não falar de um conhecido fato de o Kossovo ter sido visto como um símbolo de integridade nacional (foi ali que se travaram batalhas históricas decisivas e se situaram santuários ortodoxos fundamentais). Todavia, tendo violado as normas internacionais, o Ocidente não levou o seu maligno projeto a um bom termo, assinala o politólogo Vladimir Bruter:

“A decisão do Tribunal de Haia sobre o Kossovo tem um carácter parcial. Do ponto de vista do Direito Internacional, não pode existir uma ordem de criação de novos Estados na carência de preceitos constitucionais sobre fenômenos separatistas e secessionistas. Assim nos sugere um bom senso. O Ocidente, reconhecendo o Kossovo e prometendo à Sérvia diversos benefícios em troca de seu reconhecimento, procura justificar a situação “de fato”, mas as decisões “de jure” ainda não foram tomadas”.

A maior promessa feita a Belgrado se refere ao ingresso do país na UE. As consequências desse passo são patentes, basta vermos o exemplo dos países comunitários “novatos”. Mas nem isto constitui um fulcro da questão. O conflito iugoslavo, bem como o apoio à separação do Kossovo, teve um detalhe característico: na maioria esmagadora dos casos, os juízes e políticos ocidentais tinham acusado os sérvios de terem cometido “hediondos” crimes econômicos, sociais e militares. Não teria sido isso por causa da ligação espiritual e geopolítica entre a Sérvia e a Rússia em que o Ocidente vê uma enorme ameaça para si?

O dirigente do Centro de Política Externa, Boris Shmelev, chama atenção para o fato de que, no caso do Kossovo, o Ocidente, apoiado pela ONU, acabou por violar tanto as normas internacionais e as suas decisões próprias, como o conceito de legislação nacional, tendo criado um precedente perigoso:

“A Constituição sérvia consagrava o Kossovo como uma parte integrante do país. Foi estipulado ainda um princípio importante, segundo o qual ao Chefe de Estado “competia fazer tudo para conservar a integridade territorial da Sérvia”. Ninguém tinha direito de aceitar a hipótese de separação do Kossovo. A Resolução 1244 do CS da ONU, adoptada em junho de 1999, apontando para agressão da OTAN contra a Iugoslávia, indicava que o Kossovo fazia parte do país, integrado pela Sérvia e o Monte Negro. Mas o Ocidente foi ao ponto de desistir de todos os documentos institucionais, se solidarizando com os separatistas”.

Em resultado disso, no mapa da Europa surgiu um território com uma elevadíssima taxa de delinquência e um futuro bem vago e indefinido. O referendo na Crimeia mostrou que, desde então, a Europa se tornou menos autônoma e ainda mais dependente de Washington. Curioso que são os europeus e não os cidadãos dos EUA que estão sofrendo com duvidosos projetos semelhantes ao do Kossovo. Todavia, a UE continua desempenhando um papel de um porta-voz do seu patrão do além-mar.

Ao que se apurou hoje, já em 14 de março, os EUA tinham preparado para o exame do CS da ONU uma rígida Resolução para a situação na Ucrânia. E foi então que os diplomatas se competiam nas suas acusações de Moscou que “queria integrar a Crimeia”. Ao que parece, eles estavam convictos de que quanto mais ressonantes fossem as suas declarações anti-russas, tanto mais chances tinham para manter “digna e radiante” a sua cara política.