Estados Unidos vigiaram metalúrgicos do ABC durante ditadura

Não foram apenas os agentes da ditadura brasileira (1964-85) que atuaram no monitoramento dos trabalhadores metalúrgicos do ABC paulista no período pós-golpe. A repressão recebeu apoio do governo dos Estados Unidos para espionar a região, conforme revelam documentos secretos divulgados nesta semana, após parceria entre as universidades Brown, dos Estados Unidos, e a Estadual de Maringá, do Paraná.

ABC - Reprodução

Documentos assinados pelo diplomata americano Niles W. Bond revelam como o governo dos EUA vigiava de perto atividades de sindicatos regionais, incluindo relatos de eleições no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema (atual Sindicato dos Metalúrgicos do ABC), nos quais era analisado o nível de aproximação dos eleitos com atividades comunistas.

Uma série de papéis secretos e inéditos sobre o período foi colocada à disposição. Cerca de 10 mil documentos de 1963 a 1977 serão digitalizados pelo projeto “Opening the Archives” (Abrindo os Arquivos). Até hoje, os telegramas só podiam ser acessados nos Arquivos Nacionais dos EUA, em Washington. De acordo com a organização da iniciativa, os documentos serão divulgados até 10 de abril, no ano em que se completam 50 anos do golpe.

Um dos relatórios já divulgados – ao todo, já são aproximadamente 2 mil – traz à tona uma avaliação sobre a diretoria executiva eleita em 1965 para presidir o Sindicato dos Metalúrgicos, ocasião em que Afonso Monteiro da Cruz foi eleito presidente. O cônsul geral Niles W. Bond descreve o sindicato em telegrama à Casa Branca como, inicialmente, dominado por comunistas. De acordo com o diplomata, no entanto, a “ameaça” teria sido afastada após a intervenção militar no sindicato, no ano anterior, quando os sindicalistas do PCB foram afastados.

“As eleições (do sindicato) coroaram os esforços bem-sucedidos (…) para eliminar suspeitas de joguetes comunistas e ‘inocentes úteis’”, reportou Bond. O americano cita ainda, com avaliação positiva, que dois membros da diretoria eleita teriam participado de treinamento de liderança laboral em uma filial de organização norte-americana.

O envolvimento dos Estados Unidos nos bastidores da ditadura vem sendo estudado ao longo dos últimos anos. Até mesmo a hipótese de financiamento dos militares por parte do governo americano na deposição do presidente João Goulart já foi levantada.Cerca de 40 dias antes de ser assassinado, o então presidente John F. Kennedy chegou a sugerir em reunião privada uma intervenção militar no Brasil, fato recentemente divulgado. O endereço para acessar os relatórios norte-americanos durante a ditadura é http://library.brown.edu/openingthearchives.

Espião

Morto em 2005, aos 89 anos, Niles W. Bond foi nome forte na diplomacia norte-americana. A serviço da Casa Branca desde 1939, representou os interesses dos Estados Unidos em países e períodos estratégicos.

Iniciou os serviços em Cuba, passou por Madrid, como vice-cônsul durante o período da Segunda Guerra Mundial. Após o período, ocupou cargos na Itália, Suécia, Coreia e Japão. Atuou no Rio de Janeiro ainda durante o governo de Jânio Quadros e deixou o país em 1963, para retornar em 1964, na ocasião do golpe.

Até 1968, Bond foi o principal relator de agrupamentos contra a ditadura aos EUA. Entusiasta do regime de Castelo Branco, o diplomata chegou a classificar o presidente deposto João Goulart como “mau caráter, de extrema esquerda, odiado pelo centro, direita, exército e conservadores” em entrevista à Associação para Treinamento e Estudos Diplomáticos, em 1998.

Locado em São Paulo, o cônsul geral reportou ainda as atividades do bispo diocesano de Santo André, Dom Jorge Marcos de Oliveira, a quem denunciava por ter uma relação próxima com o movimento sindical. Bond relatou as críticas do bispo ao regime militar e atacou a publicação de uma carta de autoria de Dom Jorge Marcos com críticas ao que o diplomata recorrentemente classificava como a “revolução de 1964”.

Fonte: Rede Brasil Atual