Luciana Santos: Ditadura nunca mais 

O golpe de 1964 – que depôs o presidente João Goulart – foi patrocinado pelas classes dominantes, com apoio de camadas médias, dos jornalões, em combinação com a CIA (Central de Inteligência dos Estados Unidos). A geopolítica mundial do período era marcada pelo signo da chamada “guerra fria”. A partir da década de 1960, a América Latina foi infestada de ditaduras militares, respaldadas pela ação dos Estados Unidos, com o bordão de contenção e extermínio do comunismo.

Por Luciana Santos*

O golpe foi desferido para sepultar a democracia que se ampliava no governo do presidente João Goulart, e para conter e aniquilar um vigoroso ascenso de lutas populares pelas reformas de base, tais como: as reformas agrária, urbana, da educação, da previdência social, do sistema bancário; e também bandeiras sindicais e de defesa nacional.

A longa jornada heroica que enfrentou e derrotou a ditadura foi um grande feito do povo brasileiro. O PCdoB – ao preço da vida de quase uma centena de comunistas – entre elas realço o papel destacado das nossas mulheres — participaram inteiramente dessa jornada. Empenhou-se com coragem nas diferentes batalhas e deu sua contribuição na definição da luta de enfrentamento à ditadura, que evoluiu no decorrer da resistência.

Instalado o regime militar, o PCdoB compreendia que a ditadura veio para ficar. Era preciso então seguir o caminho de isolar ao máximo a ditadura, formando uma frente antiditatorial a mais larga possível em torno de bandeiras unificadoras. A síntese de sua orientação era como unir os brasileiros para derrotar a ditadura.

As forças de oposição, entre elas os comunistas, realizam o combate ao regime por meio de varias formas de lutas pacificas e armada. Ante a ameaça representada pelo fortalecimento da oposição, a ditadura reagiu brutalmente. Em 13 de dezembro de 1968, ela baixou o Ato Institucional nº 5 – passando a valer o pleno arbítrio. O regime assumia descaradamente a feição de “uma ditadura militar de caráter terrorista”.

Os comunistas se juntaram à população do sul do Pará e lançaram um programa no qual se comprometiam com “os direitos do povo do interior”, preparando-se durante anos, para a resistência armada.

Em abril de 1972, mais de dois mil soldados iniciaram os ataques às bases guerrilheiras do PCdoB no sul do Pará. Os confrontos das forças guerrilheiras contra as operações de guerra das Forças Armadas duraram mais de dois anos. Foi a maior mobilização militar brasileira desde a Segunda Guerra Mundial. A imprensa foi completamente censurada. Mesmo derrotada militarmente, a Guerrilha do Araguaia cumpriu um papel relevante. Alimentou o ânimo e a esperança dos setores mais avançados da oposição e contribuiu para as condições do declínio da Ditadura.

Os nomes dos guerrilheiros – que lutaram pela democracia ao preço da própria vida – estão na galeria dos heroicos lutadores do povo brasileiro, sendo lembrados em livros, peças teatrais, filmes e eventos de manifestação libertária. Sendo um alento, em especial, para a juventude se motivar pela luta democrática e popular.

A partir de 1974, a resistência retoma a iniciativa política e crescem os protestos. Obtém uma vitória eleitoral expressiva nas eleições daquele ano. O PCdoB lançou sua Mensagem aos brasileiros na qual reiterava três grandes bandeiras políticas que teriam apelo e força para unificar amplos setores na luta contra a ditadura: 1ª) Anistia ampla, geral e irrestrita; 2ª) abolição de todos os atos e leis de exceção; e 3ª) convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte livremente eleita.

O regime se vê obrigado a manobrar com a chamada “abertura lenta, gradual e segura”. Nesta “abertura” do regime não cabiam os comunistas. O massacre da esquerda não havia terminado, pois o PCdoB continuava organizado e atuando em todo o país. A ditadura considerava isto uma afronta e um perigo, pois o Partido havia liderado a principal resistência armada contra ela.

Em dezembro de 1976, a casa onde parte da direção nacional do PCdoB se reunia na cidade de São Paulo, no bairro da Lapa, foi descoberta, cercada e metralhada por forças do Exército – conhecida como “Chacina da Lapa”. Na operação militar foram mortos os dirigentes Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Batista Drummond – este último morreu sob tortura no DOI-CODI (Reconhecido agora pela justiça a sua verdadeira causa mortis).

Como as águas de um rio que vão ganhando volume, crescentemente as lutas populares foram ganhando expressão e força. O declínio da ditadura levou o Gal. Geisel a revogar o AI-5 em outubro de 1978, e suspender à censura a imprensa.

A partir de 1979, as greves no ABC paulista se destacaram pela adesão da massa operária, contribuindo para minar os alicerces do regime militar. No mesmo ano, a União Nacional dos Estudantes (UNE) foi reorganizada no Congresso em Salvador, engajando mais decididamente a juventude.

Depois de anos de luta, a Lei de Anistia foi aprovada com limitações, em agosto de 1979. Após a vitória eleitoral oposicionista de 1982, representada pelo MDB, a bandeira das Diretas Já passou a levantar o povo, impulsionando a luta pelo fim do regime militar.

No entanto, apesar da ampla mobilização, a emenda das diretas não foi aprovada no Congresso Nacional, causando frustração no povo e confusão nas forças de oposição. Na busca de uma saída, refletindo a correlação de forças na época, o PCdoB defendeu a indicação de um candidato único das oposições, que pudesse derrotar o candidato da ditadura até mesmo no Colégio Eleitoral, estabelecido pelo regime militar. O nome indicado pelo MDB foi de Tancredo Neves. Após sua morte, antes de se empossar, foi substituído pelo vice Jose Sarney, que assumiu a presidência. O PCdoB só alcançou sua legalidade em 1985.

A democracia foi institucionalizada com a promulgação da nova Carta Magna, em outubro de 1988, após quase dois anos de trabalho. Em 2002, no curso de persistente luta memorável é eleito presidente da República, o operário metalúrgico Luis Inácio Lula da Silva, e em 2010, é eleita a primeira mulher a presidência da República, Dilma Rousseff.

Quase 30 anos depois da redemocratização, o direito da Nação à memória e à verdade é uma bandeira alcançada, mesmo que parcialmente. Com os governos Lula e Dilma passos importantes foram dados – e continuam sendo – pelo trabalho da Comissão da Anistia, da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos e agora da Comissão Nacional da Verdade.

No entanto só serão plenos esses passos com a punição daqueles que, em nome do regime, cometeram crimes lesa-humanidade como torturas e assassinatos sumários. Para que nunca mais se repita este período de trevas na história do país, precisamos lembrá-lo sempre, rendendo homenagens aos que resistiram e lutaram contra o arbítrio da ditadura.
Inspirado neles, na atualidade, o avanço democrático estará comprometido se não formos capazes de realizar duas reformas prioritárias: a reforma política democrática e a reforma pela democratização midiática, superando a existência do monopólio da comunicação e informação no Brasil. Hoje, a luta libertária destes homens e mulheres nos orgulha e nos inspira a seguir avante na luta democrática.

Viva a liberdade e a democracia, ditadura nunca mais!

*É deputada federal pelo PCdoB de Pernambuco e vice-presidenta nacional do Partido