Grupos discutem ações para monitorar preços abusivos na Copa

Todo mundo sabe, está vendo e tem reclamado dos preços abusivos de hotéis, estabelecimentos comerciais e serviços, que começaram a assustar os brasileiros a partir de outubro do ano passado, diante da expectativa da Copa do Mundo.

Preço abusivo - Reprodução

A boa notícia é que, desde janeiro, órgãos diversos do governo federal, governos estaduais, prefeituras, entidades de defesa do consumidor e segmentos de classe da iniciativa privada estão realizando reuniões nas cidades que vão sediar o evento e desenvolvendo ações integradas na tentativa de coibir os abusos.

A maior parte garante que a situação tem sido bem monitorada. Resta saber, faltando menos de dois meses para o início dos jogos, se essa força-tarefa será bem-sucedida até lá. Na opinião de especialistas que começaram a analisar os preparativos para o mundial de futebol desde o início, em 2009, os danos podem ser irreversíveis, caso o quadro fuja de controle. Isso porque, dentre vários exemplos citados, os principais são informações comparativas do Brasil com a África do Sul, na Copa de 2010.

Naquele país, o retorno financeiro com o turismo por conta do torneio ficou bem abaixo do desejado: esperava-se movimentação financeira entre US$ 930 milhões e US$ 1,69 bilhão para um fluxo de 450 mil turistas. Na prática, a movimentação foi de menos da metade dessa previsão – US$ 527 milhões, com 309 mil turistas durante o evento. É muito por conta desses dados que a possibilidade de os preços assustarem os turistas em potencial tem chamado a atenção de setores diversos.

As reuniões estão completando o trabalho de outra equipe, criada em outubro passado, formada por representantes da Casa Civil da Presidência da República, ministérios do Esporte, Justiça, Turismo e a Secretaria de Aviação Civil (SAC), além da Receita Federal, Secretaria de Acompanhamento Econômico (estas duas, vinculadas ao Ministério da Fazenda) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério da Saúde. O objetivo do grupo é traçar ações que possam evitar a cobrança de valores abusivos e fazer com que o torneio se realize com mais tranquilidade para turistas e brasileiros.

Maior controle

Nos encontros já realizados estados afora foi definida a adoção de iniciativas como reuniões setoriais com empresários da rede hoteleira, criações de sistema de monitoramento por meio dos serviços de proteção ao consumidor (Procons) e até acordos que permitirão preços a um patamar dentro da normalidade. É difícil juntar dados apurados até agora, encaminhados por tantos órgãos, segundo técnicos envolvidos na iniciativa – até porque a ação é feita de forma descentralizada e levando em conta a realidade de cada cidade-sede.

A próxima reunião será na terça-feira (15), no Distrito Federal. Na prática, além de fazer um controle dos preços em cada local, a estratégia consiste em criar sistemas que permitam ao consumidor fazer rapidamente sua reclamação durante o período da Copa, caso se sinta lesado, e obter um retorno em caráter célere.

Para a assessora técnica do Procon, Sofia Requião, que tem participado destas reuniões ao lado de representantes de prefeituras e governos estaduais, entre as medidas em implementação estão a instalação de postos para atendimento dos procons à população, a partir de junho, monitoramento de preços pela Secretaria do Consumidor do Ministério da Justiça (já em ação com um ramal específico para esse objetivo desde o início do ano) e montagem de um serviço de plantão fiscal para atender a demandas específicas relacionadas à Copa, no âmbito do Procon, em esquema 24 horas.

"Não podemos prejudicar os frequentadores habituais dos estabelecimentos por conta da Copa do Mundo. Ao mesmo tempo, não dá para permitir que os turistas tenham a sensação que estão sendo lesados com preços tão absurdos. Isso poderá causar danos irreversíveis para o turismo no país", ressaltou Sofia. De acordo com a técnica, várias agências e operadoras de turismo têm aceitado participar da parceria, de forma a atuar de maneira integrada que faça com que, embora com valores maiores ou menores, os preços não atinjam patamares considerados irreais. Ela aponta reuniões tidas como exitosas realizadas nas cidades de Brasília, Salvador, Rio, São Paulo e Natal, neste sentido.

Pontapé

Embora a organização desse movimento tenha sido delineada no ano passado, as ações foram deflagradas em janeiro depois das denúncias de preços abusivos nos hotéis e restaurantes de várias cidades, principalmente no Rio de Janeiro, onde alguns restaurantes chegaram a cobrar R$ 99 por uma omelete nos menus de café da manhã. Num hotel de luxo da capital fluminense, o estopim foi a divulgação de que pacotes para grupos de 18 pessoas durante seis dias no período da Copa chegaram a ser oferecidos por R$ 506 mil. Os consumidores começaram, então, a fazer movimentos em mídias sociais e passeatas para protestar e fazer denúncias.

Na época, o então presidente do Instituto Brasileiro do Turismo, Embratur, Flávio Dino, chamou dirigentes de vários setores e disse, numa reunião, em tom firme, que estava na hora de o Procon e o Ministério Público agirem com base no Código de Defesa do Consumidor para coibir valores tão altos. “O momento do diálogo se encerrou", deixou claro. Dino deixou o cargo em fevereiro, para se candidatar ao governo do Maranhão nas próximas eleições, mas a equipe que continua na autarquia, que agora tem à frente o técnico Vicente Neto, continua tocando o trabalho com o mesmo critério.

“Queremos deixar claro que o objetivo não é proibir os empresários e comerciantes de terem lucro com a Copa do Mundo, e sim, evitar que a ganância e cobrança desordenada de preços impraticáveis termine por ter um efeito contrário, gerando prejuízos tanto para a imagem do país como reduzindo a procura de turistas estrangeiros”, enfatizou o assessor técnico do ministério do Turismo André Ribondi.

Na ocasião em que foi colocada, a declaração de Dino deixou irritados vários empresários e o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), Enrico Fermi, que chegou a garantir que os casos de desistência em função de preço eram pontuais. O dirigente da entidade não foi encontrado para dar declarações sobre a situação atual, mas empresários do setor, vinculados à ABIH no Distrito Federal, como Aldo Vieira, reiteraram que o quadro de “normalidade” continua sendo observado.

Rio + 20

De acordo com informações do Ministério do Turismo, o monitoramento de diárias hoteleiras e dos valores cobrados por estabelecimentos diversos tem sido feito e, caso haja necessidade, pode vir a ser adotado o mesmo procedimento observado em 2012, em função da realização da Conferência Rio + 20. Naquele período, os preços no Rio de Janeiro começaram a apresentar valores absurdos, mas depois do governo entrar em campo, passaram a ter um patamar que não chegou a prejudicar o evento. A situação teria sido controlada após reunião realizada no Palácio do Planalto com representantes do Ministério da Justiça e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e empresários, que concordaram em reduzir suas tarifas.

Outra equipe, dentro do mesmo grupo, também está fazendo acompanhamento semelhante do valor das passagens aéreas de voos domésticos e mantendo o mesmo tipo de reunião com companhias aéreas e agências de viagem.

"Abusos são ruins para todo mundo e sabemos que os empresários fizeram investimentos e precisam de turistas o ano todo”, acentuou a secretária nacional do Consumidor do Ministério da Justiça (Senacon), Juliana Pereira, para quem as reuniões têm caráter preventivo. Por outro lado, se o que foi acertado não for cumprido, a Senacon poderá agir, por exemplo, aplicando multas em quem praticar abuso de preço. A base legal será a análise do caso específico e o Código de Defesa do Consumidor.

Preocupações

A população, por sua vez, também está fazendo sua parte. A servidora pública Jandira Crisóstomo, uma das que participou do último encontro intitulado “Isoporzinho”, em Brasília, para denunciar preços altos, afirmou que na última viagem que fez ao exterior, na Europa, chegou a gastar menos do que na capital do país, mesmo pagando em euro. "Considero esse movimento político também, uma vez que estamos pensando em um bem comum, que respeite o salário que ganhamos”, enfatizou.

Assim como a servidora, a produtora Cláudia Andrade, que também costuma frequentar eventos semelhantes em Brasília, disse acreditar que “esse é um dos reflexos ruins da proximidade da Copa”.

Fonte: Rede Brasil Atual