Eva Kovac: Eslovênia, um fruto perfeito desta União Europeia

O governo esloveno da primeira-ministra Alenka Bratusek demitiu-se e o chefe de Estado prepara-se para antecipar eleições num país em profunda crise econômica e social, às vésperas de ficar sob o comando formal da troika de credores internacionais, embora isso já aconteça através das imposições do Fundo Monterário Internacional (FMI) e da União Europeia.

Por Eva Kovac, de Liubliana para o Jornalistas Sem Fronteiras

Alenka Bratusek - Nataša Pelko

“É uma história sem fim de política de austeridade, corrupção, crueldade social, governantes sem princípios e de saldo dos bens do país para pagar os desmandos dos bancos”, resume Matej Kastelic, dirigente sindical bancário que tem participado nos constantes protestos populares contra a situação.

“Como é uma história sem fim, não acaba aqui, infelizmente”, prosseguiu. “Os sociais-democratas aliados com esta direita populista, que não se entende e tem a sua guerra particular, fizeram abortar a coligação para provocar eleições: sentem que é outra vez a sua hora para continuarem a política que nos trouxe até aqui”.

A primeira-ministra, Alenka Bratusek, quer manter-se no lugar e em gestão corrente até às eleições gerais, a antecipar para fim de junho ou julho. O presidente, Borut Pahor, iniciou consultas para negociar uma alternativa que evite a antecipação de eleições, mas os sociais-democratas pretendem que o país vá aos votos e dificilmente abrirão a porta a uma recomposição do governo.

“O mais incrível deste episódio é que o governo cai não por causa da sua política contra os cidadãos comuns e contra a sociedade, mas por causa de uma guerra de poder no partido mais votado e que só nasceu em 2011, em condições meramente conjunturais”, explica Zala Petek, professora universitária em Liubliana e doutorada em Ciências Políticas.

Alenka Bratusek chegou a primeira-ministra sucedendo Zoran Jankovik, fundador e primeiro presidente do partido populista Eslovénia Positiva (PS, na sigla servo-croata), criado em 2011 em bases populistas, muito pela exposição midiática de Jankovik como proprietário de uma rede de grandes supermercados.

Nas primeiras eleições gerais em que se apresentou, o PS foi o partido mais votado, mas logo em 2013 Zoran Jankovic foi forçado a demitir-se por alegações de corrupção, sucedendo-lhe Bratusek.

“É importante que se saiba o contexto em que Jankovic se demitiu. O seu antecessor como primeiro ministro, o direitista Janez Jansa, homem forte do FMI e perante as instituições de Bruxelas [União Europeia], foi condenado a dois anos de prisão – sentença já confirmada pelo Supremo Tribunal – por negócios obscuros na compra de tanques para as forças armadas”, afirmou Zala Petek.

“O escândalo também leva à prisão o ex-presidente da Câmara de Maribor e companheiro de partido de Jansa, Franc Kangler. Há um elemento positivo nesta situação quando comparada com outras que podem ser consideradas idênticas em outros países da União: a Justiça funcionou, os culpados foram condenados e presos”.

“Entretanto”, prossegue Zala Petek, “Zoran Jankovik nunca se conformou com o tipo de governo que a sua sucessora Bratusek formou e, agora, do alto do seu lugar de presidente da Câmara da capital, Liubliana, não descansou enquanto não voltou à presidência do PS, o que aconteceu em 3 de maio. Alenka Bratusek nunca mais voltou a ter condições para continuar na chefia do governo”.

Segundo o economista Jacob Rozman, “esta crise escreve certo por linhas tortas, mas, a meu ver, não vai resolver nada do que está em causa: a profunda crise econômica e social da Eslovênia. O governo devia ter caído, sim, por causa de uma política completamente irresponsável através da qual obriga os cidadãos a pagar a salvação dos bancos e a cumprir as imposições do FMI e de Bruxelas de baixar o défice de quase 15% para 4,2% num ano. Isso é matar um país, é arruinar a vida da esmagadora maioria dos cidadãos. Os cortes de salários e pensões são criminosos, as pessoas têm agora muito medo do futuro”.

Rozman explicou que, durante os anos que se seguiram à independência, os governos, apesar dos desvios neoliberais que iam praticando, conseguiram manter um nível aceitável de desemprego devido à conservação e boa gestão de numerosas empresas públicas em setores que fizeram da Eslovênia, durante algum tempo, um país prometedor mesmo no meio de grandes dificuldades.

“Entretanto as pressões de Bruxelas e do FMI agravaram-se com a necessidade de ‘salvar os bancos’ e assim nos despedimos das telecomunicações para os alemães, da companhia aérea e aeroportos para os chineses, das nossas boas marcas de vestuário desportivo, das nossas indústrias tecnológicas”, prossegue o economista Jacob Kastelic. “Foi a época de saldos do que restava da Eslovénia, além do seu povo a quem continuam a ser pedidos mais e mais sacrifícios”.

Agora espera-se o famoso bailout da troika, “para que o país não entre na bancarrota”, sentenciam Bruxelas e FMI. Os dirigentes com “vocação para governar”, ditos “o bloco de centro-direita”, comprometem-se em coro com declarações de que “esta política é para continuar”, com ou sem eleições antecipadas.

Fonte: Jornalistas sem Fronteiras