Fábio Palácio: O discurso vazio da “alternância de poder”

De olho nas eleições presidenciais de outubro, as forças conservadoras mergulham de cabeça na batalha da opinião pública. Tentam afinar o discurso e conquistar simpatias e apoios. Tarefa nada fácil para quem, do ponto de vista programático, sustenta bandeiras que não figuram entre as mais defensáveis.

Por Fábio Palácio*

Sabemos o que se esconde por trás do conhecido mantra tucano do “choque de gestão”: nada além da mesma receita, de triste memória, já aplicada em nosso país nos anos 1990. Uma receita que inclui arrocho salarial, aumento dos juros e do superávit primário, contenção dos investimentos e do crescimento econômico, privatizações predatórias. Ou, em uma só palavra, renúncia do país às suas próprias potencialidades e rendição ao ordenamento mundial, com seus profundos desequilíbrios econômicos e de poder.

Quando o debate programático de ideias e rumos se torna desfavorável, resta apelar à desconstrução das conquistas dos últimos doze anos de governos progressistas. A alternativa, porém, não é de todo satisfatória, pois precisa dar lugar, em algum momento, ao discurso “construtivo”, capaz de apontar soluções e saídas. E é nesse momento que, uma vez mais, as viúvas do neoliberalismo são chamadas a dar contornos mais nítidos a suas ideias impopulares.

Há, porém, uma variante perigosa de discurso oposicionista, que se materializa em slogans como o da “alternância de poder”. Visto de perto, esse tipo de argumento tem potencial para esvaziar o debate programático ao mesmo tempo em que evita o discurso “negativo” e seu principal efeito colateral: a antipatia do eleitor, que deseja propostas para o país e não “diagnósticos” pautados por ataques e denuncismo.

A defesa, in abstracto, de uma “alternância de poder” costuma vir acompanhada da ladainha do esgotamento de um ciclo: os governos Lula e Dilma teriam perdido o elã, a criatividade ou a capacidade de dar respostas aos problemas nacionais. Estaria na hora de “mudar”. O apelo tenta conectar-se ao desejo de avanços da maioria do povo brasileiro – revelado em pesquisas indicadoras de um forte desejo de mudança, expresso por cerca de 70% dos brasileiros.

Dotado de aparente justeza, o discurso “mudancista” praticado pelas forças oposicionistas é, na verdade, oco: jamais se explicita para onde exatamente deveríamos mudar. O argumento possibilita, assim, travar o debate programático sem qualquer programa. Em outras palavras, permite abordar a questão de maneira evasiva.

A verdadeira questão que se coloca é: mudar para onde? Para cima ou para baixo? Para frente ou para trás? Rolar precipício abaixo não deixa de ser uma “mudança de status” para quem se encontra no alto de uma montanha. No entanto, do ponto de vista semântico a palavra mudança adquiriu conotações tão positivas nos últimos anos que parece dispensar maiores explicações. E é aí que a oposição conservadora pega oportuna carona. Tenta colar ao “desejo de mudança” o significado mais adequado a seus propósitos. Esforça-se por passar a ideia de que qualquer “mudança”, qualquer “alternância de poder”, seria em si mesmo positiva.

Ademais de falacioso – já que nenhuma alteração de status pode ser considerada positiva “em si” – o discurso possui forte teor despolitizante. Sugere que não há autêntica diferença de projetos de país, mas apenas “estilos” diferentes de administrar. Nessa perspectiva, uma “troca de guarda” proporcionaria renovação de métodos e garantiria “sangue novo” na execução das tarefas de governo.

Porém, não se substitui governos da mesma maneira que, no futebol, troca-se o centroavante titular pelo reserva. A questão diz respeito a distintos projetos de país, e é isso que precisa ser explicitado. O campo conservador omite o fato de que a verdadeira mudança almejada pelo povo brasileiro não é o retorno aos anos 1990, mas o aprofundamento do processo mudancista iniciado com a eleição de Lula em 2002. Esse processo encontra-se distante do esgotamento – ainda tem muito a oferecer em termos de avanços e conquistas para o país.

É esta a “mudança” que precisa ser feita: a renovação do ciclo iniciado há doze anos, sua elevação a novos patamares. Trata-se de mudar para o alto e avante, e não de retornar a um projeto que se encontra, este sim, esgotado e superado.

O argumento da “alternância de poder”, sempre que formulado de maneira vazia, sem referências a escolhas políticas entre distintos projetos de país, estará sempre a serviço das forças conservadoras. Como já afirmava Lenin desde O Estado e a Revolução, a burguesia “alicerça o seu poder tão solidamente, tão seguramente, que nenhuma substituição, nem de pessoas, nem de instituições, […] abala este poder”. Como percebeu Lenin, a solidez do poder da burguesia situava-se além das instituições políticas propriamente ditas: tinha raízes econômicas, sociais e culturais.

Em situação tal, o palavreado da “alternância de poder” pode facilmente servir às forças detentoras do status quo. Por meio desse discurso, as forças conservadoras servem-se da inércia que sempre atravanca qualquer tentativa de construção de um novo poder político, de um novo projeto de país.

*Fábio Palácio é diretor de Comunicação da Fundação Maurício Grabois