A reeleição de Dilma e o mundo financeiro

As informações da mídia sobre a sucessão presidencial deste ano têm sido assim: quanto mais você lê a respeito, menos entende o que de fato está acontecendo. Há um debate econômico que se mistura a falsos moralismos, invariavelmente temperados com o mais refinado cinismo e alicerçados nas mais deslavadas invectivas. 

Por Osvaldo Bertolino*

O que há, no fundo, são interesses antagônicos, uns explícitos outros silenciosos, todos com bons motivos para que se possa entender o que significa de fato a luta política no Brasil.

Na terça-feira 20 de maio de 2014, a mídia noticiou que a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) terminou o dia em forte queda, pressionada, entre outros motivos, por especulações sobre pesquisas eleitorais favoráveis à reeleição da presidenta Dilma Rousseff. Ficou explícito que o mundo financeiro, por mais que ele seja favorecido, torce o nariz para a possibilidade de desenvolvimento de um modelo econômico com reflexos direitos nas graves questões sociais do país. “Se pegarmos por classe social, o apoio ao governo está muito concentrado lá em baixo. A turma de cima, apesar de ter se saído bem, não apoia. Isso não tem a ver com resultado econômico. Isso é uma coisa de classe social”, explicou Luiz Gonzaga Belluzzo, em recente entrevista à revista Princípios.

O mundo financeiro, onde vive a “turma de cima”, tem regras próprias e quando ele se pronuncia é bom prestar muita atenção. Os trilhões de dólares que vagam pelo planeta se multiplicam fazendo arbitragens a partir das mudanças de cotações de moedas, mercadorias, títulos de dívidas e todo papelório inventado pelos financistas internacionais. Essa massa de dinheiro é capaz de quebrar países ou instituições econômicas que vivem em sua órbita em poucas horas e com poucos movimentos. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o México em meados dos anos 1990, com o banco inglês Baring – de mais de 200 anos, posto a pique por um especulador depois de sobreviver até a Napoleão Bonaparte – e com os "tigres asiáticos".

Nesse último caso, entrou em cena o famigerado Fundo Monetário Internacional (FMI) para manter sob controle as economias que, se não fossem socorridas, poderiam arrastar o mundo para a bancarrota ou mesmo seguir por outro rumo – a exemplo do que fizeram os camaradas de Deng Xiaoping e Ho Chi Minh na China e no Vietnã. O FMI chegou à Ásia com a tarefa de representar os interesses do capital dos Estados Unidos e da União Europeia, para os quais não interessava uma intensificação da crise. Com uma mão, o Fundo estendeu ajuda financeira aos desesperados e com a outra exigiu o cumprimento de severas metas de ajustes. Mais tarde, esse modelo de operação foi aplicado nas crises da Argentina e do Brasil.

A realidade hoje não tem qualquer paralelo com aqueles tempos, mas o mundo financeiro não mudou e segue fazendo o mesmo jogo. Os dados mais recentes da Bovespa, por exemplo, mostram que houve ingresso líquido de capital externo no mercado acionário doméstico de R$ 9,7 bilhões neste ano até 20 de maio, um movimento incomum em ano eleitoral. Em 2010, ano da última sucessão presidencial, o estoque era negativo em R$ 2,8 bilhões nos cinco primeiros meses do ano. Em 2006 e 2002, houve ingresso de recursos, mas em montante bem mais tímido, de R$ 1,7 bilhão e de R$ 622 milhões, respectivamente, até maio dos respectivos anos. Nas eleições diretas anteriores (1989, 1994 e 1998), o mercado acionário brasileiro era bem menos desenvolvido, com reduzido volume de negócios.

O aporte líquido de estrangeiros na Bovespa também tem surpreendido ao se aproximar do visto em todo o ano passado, quando os ingressos foram de R$ 11,7 bilhões. Uma das justificativas são expectativas sobre mudanças na condução da política econômica e a queda de Dilma Rousseff nas pesquisas eleitorais. Outra causa é a reavaliação dos ativos brasileiros, o que indica que os recursos podem permanecer no Brasil por algum tempo, independentemente do rumo das pesquisas eleitorais. Mas o determinante foi a crise política na Ucrânia, que moveu os capitais para portos mais seguros, conforme explicou o chefe da mesa de ações da corretora do banco suíço Credit Suisse no Brasil, Mauro Oliveira, em entrevista à Reuters. "Todo mundo subestimou essa necessidade de realocação", explicou.

Pode-se dizer que esse mundo, apesar de poderoso, não é visível no seu todo para a imensa maioria dos brasileiros. Para estes, o conceito mais importante em economia é a forma de gerar, reproduzir e distribuir riqueza. Do ponto de vista conservador, no entanto, a ideia-chave é a economia funcionar ao sabor do mercado financeiro, que privilegia a acumulação de riqueza em relação à sua distribuição, o acréscimo do capital em relação ao consumo, a benesse de poucos em relação ao bem-estar de todos. Para o conceito de administração da direita, as rédeas da economia jamais devem estar nas mãos do governo. Esse é o dilema político mais em evidência atualmente no país.

O ponto aqui é claro. Se a presidenta Dilma quiser sintetizar o desejo da imensa maioria dos brasileiros, ela precisa ter em conta que esse dilema exige um projeto de governo bem definido que toque nas questões essenciais para o povo e enfrente duas vertentes básicas de críticas à marcha do governo no terreno econômico. Uma que ataca com um discurso cheio de esquerdismos fáceis, mas incapazes de livrar o país de banqueiros de todo tipo e de toda laia, e outra que sonha com o país de volta ao paraíso financeiro da “era FHC”. Nesse segundo foco de críticas repousa a essência do dilema vivido hoje pelo país.

O Brasil precisa, evidentemente, que a inflação continue domada. Mas o que salta aos olhos é o fato de que a nossa dívida social não pode mais voltar a ser rolada, como nos tempos em que todas as energias do governo eram consumidas na administração da macroeconomia regida pela lógica neoliberal. A máxima de que a esperança venceu o medo em 2002 de certa forma deu o troco histórico nessa teoria. A geração e distribuição de riqueza, uma ideia proscrita nos círculos que detinham o poder no Brasil, começou a se tornar realidade. Mas é preciso ter em conta que a força capaz de girar essa engrenagem é a acumulação de força política.

Não há como negar que o ciclo iniciado com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República em 2002 tem apresentando resultados de grande visibilidade para a ideia de geração e distribuição de riqueza. Esse rumo precisa ser reforçado de forma muito clara. A tendência humana é a de acreditar muito mais no que se vê do que no que se lê – ou se ouve. Essa realidade explica, de forma evidente, a causa da repetição de “denúncias” e a renovação da roupagem de velhas propostas cabalmente rejeitadas pela imensa maioria dos brasileiros.

A ideia da mídia é fazer com que, como no jogo do bicho, se está escrito deve valer – e assim ela vai dando como verdade qualquer coisa que apareça contra o governo. Pouco importa se o dito tem ou não tem nexo. Desde que indique a existência de uma calamidade extrema, a coisa em questão passa a ser repetida, vai se alimentando da própria repetição e tenta-se transformá-la em verdade. O caso da “corrupção” é um dos clássicos do gênero. Em matéria de bobagem em estado puro, é o que há.

As denúncias que vieram à tona nos últimos tempos deram ensejo a debates acalorados, como é legítimo e saudável que aconteça. Mas esse calor não nos exime da tarefa de analisá-las com certa frieza, numa perspectiva temporal mais ampla, como um capítulo da história que estamos tentando construir no Brasil. A presidenta Dilma tem demonstrado que compreende bem esse jogo com suas ações diante de questões críticas, ignorando as pressões da mídia e tomando decisões condizentes com a realidade do povo.

*Osvaldo Bertolino é jornalista, editor do Portal Grabois e colaborador da revista Princípios.