Fábio Palácio: Você tem medo de quê?

As inserções televisivas veiculadas pelo Partido dos Trabalhadores entre os dias 13 e 17 de maio deram o que falar. Os comerciais – que contrastam personagens em situação de bem-estar social com os mesmos personagens em situação de miséria, desemprego e vulnerabilidade – alertam o eleitor para o risco do retrocesso aos anos neoliberais.

Por Fábio Palácio*

“Quando a gente dá um passo para frente na vida”, afirma um narrador em off, “precisa saber preservar o que conquistou. […] Nosso emprego de hoje não pode voltar a ser o desemprego de ontem. Não podemos dar ouvido a falsas promessas. O Brasil não quer voltar atrás”.

Atentos e apressados como cães de guarda, os colunistas da mídia oligopolizada logo se apressaram em – “A-hããã!!!!” – apontar aquilo que seria o resgate da “tática do medo” usada pela campanha de José Serra contra Lula em 2002. Para quem não lembra, na ocasião o PSDB convidou a atriz Regina Duarte a amedrontar a população brasileira afirmando que temia o que estava por vir. “Eu estou com medo!”, bradou à época a atriz, em bordão que ganharia notoriedade e lhe custaria uns bons bocados de prestígio. A então coligação Lula Presidente opôs a esse medo um sentimento que o povo brasileiro jamais deixou de cultivar: a esperança nos dias melhores que viriam.

“Ex-esperança, o PT apela para a tática do medo”, não tardou o gralhar o colunista da Folha de São Paulo Josias de Souza. No que logo foi seguido pelos candidatos do campo oposicionista Aécio Neves e Eduardo Campos. O primeiro desfilou sua “tristeza” diante de “um partido que não se envergonha de assustar a população”. Já o segundo, quase em paródia, falou em “medo e terror”.

É preciso que se diga, em benefício de Regina Duarte e outros medrosos, que, pelo menos desde Maquiavel, o medo tem de fato povoado densamente os discursos e a prática política. No entanto, é igualmente necessário lembrar que há medos e medos, e aqui reside um esclarecimento tão fundamental quanto a diferenciação de projetos e rumos que está em jogo nestas eleições – e que tem sido sabiamente chamada de “encruzilhada”. Com efeito, não podemos confundir o medo do futuro com o medo do passado. Não podemos confundir o medo de conquistar avanços com o medo do retrocesso.

O primeiro medo, o de que se muniu o PSDB em 2002, é uma ideia sem qualquer justeza, francamente cretina, e por isso foi condenada com firmeza pelo povo brasileiro em 2002, por meio da eleição de Lula para a Presidência. Já o segundo “medo” – se é que se pode mesmo chamá-lo assim – é um sentimento justo, pois ninguém em sã consciência pode almejar o retorno a um passado de triste memória. Se é para gralhar alguma coisa, façamos como o corvo de Edgar A. Poe: “Nunca mais!”.

Recentemente rememoramos os cinquenta anos do golpe que instaurou a ditadura militar em nosso país. As atividades alusivas à efeméride tiveram, em geral, um tom soturno, de alerta, garantido por meio de motes como “Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça”. Embora bordões como este adotem um sentido alarmista, ninguém jamais se atreveu a dizer que semeiam o receio ou o temor. No entanto, era exatamente disto que se tratava: “vacinar” as novas gerações por meio de uma saudável ojeriza, cultivada como antídoto de um passado repugnante.

Uma das táticas semânticas mais eficazes quando se trata de semear a confusão é usar termos semelhantes para coisas distintas. Aquilo que Josias e seus blue caps chamam hoje de “tática do medo” não é, a bem da verdade, a mesma coisa de que lançou mão o PSDB em 2002. Estamos diante de coisas tão diferentes quanto os projetos que estão em jogo. O primeiro medo, o do PSDB, é desesperança. O sentimento veiculado nas recentes inserções do PT é um medo às avessas – é, na verdade, a coragem de romper em definitivo com o passado e lutar por um futuro melhor. É a renovação da esperança. Não à toa, como disse o presidente Lula em recente Encontro de Blogueiros, “a esperança já derrotou uma vez o medo, e agora vai derrotar o ódio”.

Mas aceitemos, por um momento, o discurso dos detratores de um Brasil soberano, democrático e progressista, como forma de testar seus limites. Se preferem chamar a confiança no futuro de “medo”, devemos reconhecer que há de fato, no mundo, coisas temíveis. Porém, nem todo mundo tem medo das mesmas coisas. Mais: aquilo que para alguns é medo pode ser, para outros, esperança. Por isso é lícito perguntar, parodiando um célebre clássico do rock nacional: “Você tem medo de quê?”.

*Fábio Palácio é diretor de comunicação da Fundação Maurício Grabois.