Síria: As eleições legítimas e a mensagem do povo para o mundo

Vamos imaginar que o estado do Acre, do Amapá ou o de Roraima fossem invadidos por grupos armados vindos da fronteira com o apoio da potência imperialista que está situada mais ao norte do continente e de outros países vizinhos que por motivos diversos possuem o interesse de prejudicar o Brasil.

Por Anwar Assi*

Charge de Jafari sobre eleição na Síria

Vamos imaginar ainda que outros guerrilheiros invadissem o país e ocupassem cidades brasileiras em estados que ficam na fronteira sul ou central da nação como o Rio Grande do Sul e o Mato Grosso.

Dando seguimento a essa lógica, vamos imaginar também que a invasão desses mercenários contasse com o apoio de uma parcela da população, que por descontentamento com o fato de o Brasil ser governado por um grupo que está há 12 anos no Poder e a possibilidade dele ficar mais alguns anos, resolvesse pegar em armas para se unir aos invasores estrangeiros contra os próprios compatriotas.

Ainda vamos pensar que milhares de brasileiros que moram nas cidades invadidas, dentro do nosso cenário imaginário, decidissem buscar refúgio em outras cidades brasileiras ou de países vizinhos para fugir do horror dos ataques empreendidos pelos bandos armados que invadiram a nação, criando desta forma uma massa de refugiados de guerra.

Porém, vamos levar em consideração também que com todo esse cenário – imaginário como já foi dito -, o governo brasileiro – com a ajuda das Forças Armadas -, garantisse a realização do pleito geral previsto para outubro deste ano, incluindo a votação por parte dos refugiados brasileiros em outros países vizinhos.

Diante de toda essa situação, as eleições de 2014 deixariam de ser realizadas no Brasil ou, caso fossem concretizadas, seriam consideradas nulas? A resposta para ambas as perguntas é não. O pleito programado para este ano não só seria realizado como teria legitimidade, embora o descrédito das eleições fosse um dos objetivos da grande nação imperialista do Norte e de seus aliados regionais e locais.

Síria

A mesma lógica pode ser aplicada para as eleições que ocorreram no início deste mês na Síria, país do Oriente Médio que há três anos e três meses, aproximadamente, vem sendo alvo de uma agressão imperialista liderada pelos Estados Unidos – a grande potência do mundo -, com a ajuda de aliados regionais e locais, muitos deles longe de ser qualquer exemplo de uma verdadeira democracia.

De fato o ideal seria que o pleito ocorresse em um ambiente diferente do atual cenário de conflito que a Síria enfrenta hoje. No entanto, a situação beligerante não tira a validade do povo sírio se expressar nas urnas e mandar um recado aos países arrogantes do mundo que insistem em sabotar a nação síria. Ainda mais porque as eleições diretas já estavam previstas na nova constituição aprovada e referendada pelo povo em 2012 e contaram com candidatos da oposição nacional não armada, além de registrar mais de 50% de participação popular.

A vitória de Bashar Al-Assad é incontestável e legítima. Uma vitória que se insere nas mudanças geopolíticas e no reagrupamento de forças pelos quais o mundo passa atualmente (recomendo a leitura de dois artigos que falam sobre esse contexto de mudanças: A derrota imperialista da Síria escrito pelo sociólogo e arabista, Lejeune Mirhan, no Portal Vermelho e o artigo Síria e o novo contexto global, do articulista Yusuf Fernandez).

Bashar al-Assad emerge não só como uma liderança síria – apoiada inclusive por muitos ex-combatentes que desistiram da luta contra o governo depois de testemunharem in loco quem são esses grupos armados, para quem trabalham e quais os interesses deles –, mas como um líder do mundo árabe compromissado em fortalecer o “Eixo da Resistência” contra a ingerência imperialista dos Estados Unidos no Oriente Médio, contra os terroristas na Síria, compromissado na defesa do Líbano e na luta pela libertação total da Palestina, terra que sofre uma ocupação patrocinada pelo regime norte-americano e por outros governos ocidentais com a anuência dos regimes monárquicos árabes.

Votação

Foram mais de 11,6 milhões de eleitores – incluindo os refugiados que votaram nas embaixadas da Síria pelo mundo –, que saíram de suas casas para enfrentar o terrorismo e foram aos postos de votação para dizer ao mundo de que lado eles estão e quem manda no futuro da Síria, ou seja, o povo sírio. Uma massa que representa 73,42% do total dos quase 16 milhões de eleitores aptos a votar na Síria, índice esse que só não foi maior porque milhares de cidadãos sírios que moram em áreas ocupadas hoje pelos mercenários foram proibidos de votar pelos terroristas financiados pelos Estados Unidos e sua gangue mundial.

Detalhe: na Síria, a exemplo de muitos países do mundo, o voto não é obrigatório. Mesmo a eleição sendo facultativa, o povo foi votar para que sua voz fosse ouvida e o planeta visse a realidade de que a tal oposição não tem tanto apoio popular como tentaram “enfiar goela abaixo” por meio da imprensa desde a eclosão dos conflitos em março de 2011.

Reação criminosa

Portanto, não é surpresa nenhuma a reação de regimes genocidas como o dos Estados Unidos e o da França – país que dominou a Síria a partir do fim do Império Turco-Otomano, em 1922, até meados do século passado -, além da posição hipócrita das ditaduras monárquicas do Golfo, importantes financiadoras dos tais de rebeldes, muitos deles ligados a Al-Qaeda. Aliás não há lugar do mundo onde é mais visível a aliança dos Estados Unidos e da Otan com a Al-Qaeda do que na Síria.

A França chamou a eleição síria de “farsa”, enquanto que o secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, classificou o pleito de algo a ser menosprezado “porque só foi realizado em áreas dominadas pelo governo” como se o governo da Síria fosse o responsável pela não votação nas localidades controladas pelos grupos armados. Desprezível é o apoio dos Estados Unidos e o da França aos terroristas na Síria.

Alguma surpresa com a posição desses governos? Nenhuma. O menosprezo em reconhecer a vontade do povo sírio é gritante, afinal, França e Estados Unidos, com seus aliados, já gastaram bilhões de dólares e ceifaram milhares de vida na tentativa, até agora fracassada, de derrubar o atual regime sírio e implantar um governo fantoche que insiste chegar ao Poder não pelo voto popular, mas pela forças das armas empunhadas por extremistas sírios e mercenários estrangeiros.

Ou seja, para as grandes potências ocidentais, que se arvoram de defensoras da democracia (isso sim é uma farsa), a luta dos mercenários chechenos, líbios, paquistaneses, europeus e até mesmo norte-americanos (um deles cometeu um atentando suicida recentemente no território sírio) é mais importante e válida do que o voto de milhões de cidadãos genuínos da Síria.

A voz das ruas

Não importa a porcentagem e nem o que os regimes genocidas dos Estados Unidos e França pensam sobre as eleições da Síria. O que vale é o voto do povo sírio. É a mensagem que a população síria passou ao mundo. O importante é o "não" que a nação síria disse para os traidores da oposição baseada no exterior (na Turquia, na França e no Catar), o "não" para os terroristas salafistas-wahabitas-takfiris que tocam o terror em nome de uma religião pacífica que não corrobora com os crimes alegados em nome da fé, o "não" à interferência estrangeira, o "não" para aqueles que tentam submeter o povo sírio a humilhação, o "não" contra a conspiração mundial.

A verdade é que a história e as futuras gerações não vão perdoar essa ingerência nos assuntos da Síria, que causaram grandes danos para a economia do país, além da morte de milhares de inocentes que se recusaram a apoiar os extremistas rebeldes apoiados por uma aliança maldita liderada pelo maior sabotador da democracia e dos povos do mundo: os Estados Unidos.

*Jornalista brasileiro, já colaborou com The Daily Star, único jornal de língua inglesa do Líbano.