Jorge Cadima: Califado imperial

O que se passa no Iraque começa a ganhar contornos mais claros. Nos últimos dias assistiu-se a uma muito propagandeada “declaração de um Estado islâmico” que abrangeria partes do Iraque e Síria. Longe de ser recebida com as declarações em “modo guerra” das potências imperialistas, os seus órgãos de propaganda quase parecem elogiar a iniciativa.

Por Jorge Cadima, no jornal “Avante!”

Um jornalista da BBC (30 de junho) escreveu: “o estabelecimento do califado é rico em significado religioso, cultural e histórico. Gerações de radicais sunitas sonharam com o momento em que, nas palavras do porta-voz do ISIS [Estado Islâmico do Iraque e Síria] Abu Mohammad al-Adnani, os Muçulmanos 'se libertem da poeira da humilhação e da desgraça' e um novo califado surja do caos, confusão e desespero do moderno Oriente Médio. […] a imagem do esboroar das velhas fronteiras do tempo colonial é uma poderosa afirmação, destinada a atrair novos recrutas para esta jihad fulgurante”.

Ao mesmo tempo, Israel surge a promover a criação de um Estado curdo. O criminoso primeiro-ministro Netanyahu diz que “devemos apoiar a aspiração curda à independência” e que os curdos são “uma nação de combatentes que provaram o seu comprometimento político e merecem a independência” (Guardian, 29 de junho).

Fossem estas palavras sinceras, e há muito que o martirizado povo palestino teria o Estado a que tem direito. Mas a intenção de Netanyahu é outra: “Israel terá de manter uma presença militar em toda a Margem Ocidental durante o futuro previsível”. O que importa é criar “uma aliança mais vasta com forças moderadas na região”, incluindo a Jordânia e os curdos. Tudo isto bem lubrificado, claro: segundo a Reuters (30 de junho), “os primeiros carregamentos de petróleo curdo foram comprados na semana passada por Israel”, à revelia do Estado iraquiano, país onde esse petróleo foi extraído. A fazer fé no Financial Times (27.de junho), mesmo a Turquia estaria “pronta a aceitar um Estado curdo, numa viragem histórica”. Cita o dirigente da maior petrolífera turca a dizer que “está sob intensa pressão, quer de Ancara, quer do [Curdistão Iraquiano] para comprar petróleo curdo, mas não o pode fazer sem pôr em perigo as compras que faz a Bagdá”. A recente ocupação curda de Kirkuk põe o oleoduto Kirkuk-Ceyhan fora do alcance do governo iraquiano.

O “caos do Oriente Médio” não é obra do acaso. Tem pais, padrinhos e promotores ativos. E olhando para o mapa que o coronel norte-americano Peters publicou há oito anos na revista das Forças Armadas dos EUA (Armed Forces Journal, Junho 2006) parece que o “novo Oriente Oriente” tem guião. O Iraque está a ser desmembrado. Convém não esquecer que os curdos habitam noutros dois países (Síria e Irã) que estão na lista dos alvos dos EUA. Não é o direito dos curdos à autodeterminação que faz mover o imperialismo. A balcanização é uma velha técnica de dominação imperial. A fragmentação do Oriente Médio visa todos os estados que, nas últimas décadas, foram barreira à dominação das grandes potências imperialistas e de Israel. E abre caminho para o Irã.

A utilização de misteriosos bandos de mercenários criminosos é uma velha arma do arsenal do imperialismo. Eloquente, o trabalhista Robin Cook, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros inglês (que se demitiu de ministro para os assuntos parlamentares em protesto contra a invasão do Iraque) escreveu em 2005 (Guardian, 8/7.2005): “Al-Qaida, que literalmente significa 'a base de dados', foi na sua origem o arquivo de computador com milhares de mudjahedines que foram recrutados e treinados com o auxílio da CIA para derrotar os russos [no Afeganistão]”. Menos de um mês depois de escrever estas palavras, Cook morreu. Ao que parece, de enfarte. Mas a jihad imperialista continua.