Copa no Brasil: Complexo de terceiro-mundismo ou opção pelos pequenos

O evento do torneio mundial de seleções promovido pela Fifa é espetacular, ainda mais no sentido de demonstrar o caráter expansivo e civilizador do capital em nível ampliando na expansão de sua fase imperialista.

Por Paulo Henrique Schlickmann, Roberto César Cunha e Patrícia Volk Schatz*

frase Nelson Rodrigues Complexo de Vira-Latas

Nessa atual época, não haveria de ser diferente das casas cifradas dos bilhões de dólares, sendo que não há alternativa, é o domínio do capital e da manipulação em todas as esferas. O capital é o exímio promotor, suas articulações, confessadamente, exploram e utilizam os recursos para sua ampliação e seu domínio, para tomar espaço e se reafirmar.

Ora! Essa lei de acumulação do capital não se mediatizaria no Brasil de forma diferente na Copa do Mundo. Entretanto, vivemos a copa, conscientes dos problemas do país, pois não giraríamos a roda da história para trás. De esquerda à direita leríamos críticas das mais absurdas, com ou sem mundial. Resistir a Copa, como muitos infantilmente e ideologicamente fizeram antes do evento, seria como querer impedir a exploração do capital resistindo ao consumo dos produtos da Coca Cola, da Marfrig, da Visa ou da Sony. Portanto, é nesse pano de fundo, que se pretende com este pequeno texto, situar além da opção pela exploração, que a Copa do Mundo representa a abertura das comportas da internacionalização, do rompimento do complexo de terceiro-mundismo e da opção pelos avanços das forças produtivas e relações de produção do Brasil perante o mundo.

Sem dúvidas, é impossível tratar da Copa Fifa 2014, sem mencionar o caráter intransigente da instituição maior do futebol mundial e suas exigências que extrapolam o caráter da aceitação sem crítica. Notadamente o intuito aparente era de reacender o sentimento colonial, de terceiro mundo e de país sempre subordinado ao elo mandatário. Esse fenômeno ficou cada vez mais claro e foi posto em prova nos cortes arbitrários dos hinos nacionais, que parece algo simples, mas fere diretamente a particularidade das nações afetadas. Pode-se considerar também o fator cotas de patrocínio, de fornecedores e dos prestadores de serviços, todos, fechados incondicionalmente com a instituição.

Entretanto, o retrato do Brasil mudou perante o mundo, tínhamos as visões estereotipadas dos imperialistas, assimiladas inclusive pela mídia local. Hoje percebemos elogios que outrora não se fazia ecoar, desde a vocação para receber visitantes, dos bons e flexíveis serviços prestados e até as facilidades democráticas de convivência e aceitação das diferenças. Pois bem, de país retardatário a receptivo, democrático e livre em apenas um mês. Sem contar, que a imagem do Brasil mudou para os brasileiros!

Quando, em 1950, Nelson Rodrigues criou o “complexo de vira-latas” em referência a um pessimismo dos brasileiros diante dos outros países, estava referindo-se a um recorte histórico específico. Porém, a herança de “vira-latas” propagou-se pelas décadas sem releitura e sem crítica, podendo finalmente ser expurgado em 2014. Os brasileiros não precisam sentir-se inferiores aos estrangeiros, independente de vitórias ou de derrotas nos campos futebolísticos, pois o país tem demonstrado uma capacidade de desenvolvimento que cala aos pessimistas.

Via-se que a ideia de um Brasil potencial era barrada quando os fluxos de informações tinham menor intensidade e a mídia local colonizada impunha seu filtro. Que serve antes de tudo, para etiquetar e classificar o Brasil abstratamente como tônica sonora de desenvolvimento diretamente transplantado do centro do sistema para a periferia.

Sendo assim, a opção atual do Brasil deve ser pela internacionalização, da busca pela competitividade e das investidas no mercado exterior. Esse complexo movimento estaria articulado com o desenvolvimento e romperia com o complexo de inferioridade que abate os países periféricos.

A linha de frente dessa investida internacional deve ser nos aspectos econômicos, sobretudo em setores dinâmicos e competitivos que o Brasil historicamente construiu. Cabe destacar, entre outros, o setor de tecnologia no complexo petroquímico nacional, atualmente um dos maiores da América. Chama-se atenção para o setor de inovações e progressos técnicos da Embrapa no ramo de carnes, cereais e frutas. Além da aviação liderada pela Embraer, das grandes construtoras brasileiras líderes nas engenharias de construção e no pioneirismo nos negócios bioenergéticos e de bioresinas.

O Brasil, como 6ª economia mundial em geração de riquezas, detentor de uma das economias mais diversificadas do mundo, deve optar pela competitividade, pelo dinamismo e lutar intensamente contra o atraso relativo em relação aos países centrais. Essa luta somente é possível agarrando as oportunidades de investimento, intensificando os efeitos multiplicadores, expandindo suas relações comerciais internacionais e adequando-se institucionalmente para a concorrência. Serão as expansões consecutivas à Copa que garantirão passo a passo as soluções de problemas crônicos que assombram nosso país. Não é com inibição, nem com baixo desenvolvimento e muito menos com restrição do comércio internacional que o Brasil vai acumular vantagens e riqueza para investir em educação, saúde e infraestrutura. O circulo virtuoso do desenvolvimento não é possível com baixa estima, nem com complexo de inferioridade.

A Copa do Mundo de 2014 representa um passo rumo às transformações estruturais, reconfigurações urbanas e criação de novos fluxos de investimentos. O planejamento é o passo para o progresso e melhoria do país, e nesse sentido o Governo Federal exerceu um papel fundamental ao elaborar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007, quando o país foi oficializado como sede do mundial. O PAC participou da preparação do Brasil para o mundial através do investimento em infraestrutura urbana, mobilidade, setores energéticos e de telecomunicações, e também, programas de cunho social para melhoria da qualidade de vida da população. Em Porto Alegre, sub-sede de cinco jogos da Copa, as famílias removidas de áreas estratégicas para as obras de melhoria urbana foram realocadas em locais financiados por programas sociais do PAC. Dessa forma, o sucesso do mundial de 2014 precisa ser atribuído a capacidade de planejamento e execução de grandes obras infraestruturais, que tem como mérito maior os legados que disponibilizarão aos brasileiros após a Copa do Mundo.

Independente do padrão Fifa, estamos vivenciando o padrão Brasil. A grande parcela da mídia local, que sempre lutou contra a copa, vem ganhando milhões com os merchans. Nossa mídia é realmente hilária, ela é contra a copa, mas seus cofres estão cheios. Está ai a essência da sociedade do espetáculo. O mais interessante é que meses de pessimismo em relação ao evento transformaram-se, em alguns dias, na euforia midiática a nível internacional. Os principais meios de comunicação que insistentemente mostravam os supostos problemas estruturais incorrigíveis do país mudaram seu discurso e já exaltam positivamente o nosso desempenho.

Nesse sentido, portanto, é o sucesso do Brasil que estamos a defender. O entusiasmo frente ao evento e seu transcurso, em vários aspectos, favoráveis para o país, impõem novos desafios. Parcela da população brasileira que se impôs nas ruas em junho de 2013 contra o mundial de futebol, alimentados pelo discurso da mídia e por ataques políticos visando o processo eleitoral após o megaevento, percebem que a Copa do Mundo serviu como um acelerador para novos investimentos econômicos e obras se infraestrutura urbana.

A propaganda positiva do Brasil marca uma nova fase, que está articulada com posições estratégicas a serem tomadas pelo Estado, rumo à integração com outros países. A questão central que permanece para ser debatida e respondida é em relação à quais projetos serão programados e planejados para articular o Brasil no mundo da melhor forma possível? Além disso, propõe-se outra questão decisiva! Vamos optar pelo eterno complexo de terceiro mundismo e continuar com a expectativa desarticulada e acuada pelas investidas grosseiras dos nossos concorrentes? Trata-se de um Brasil pra frente que queremos!

* Alunos dos Programas de Pós Graduação em Geografia e História pela UFSC, nível de Doutorado e Mestrado financiados por CNPq e CAPES. Atualmente estão vinculados ao Grupo de Pesquisa reconhecido pelo CNPq, Formação Sócio Espacial: Progresso Técnico e Desenvolvimento Econômico.