Militantes quilombolas recebem liberdade provisória depois de 2 anos

Após quase dois anos encarcerados na cadeia pública de São João da Ponte, região norte de Minas Gerais, quatro militantes quilombolas do território étnico Brejo dos Crioulos receberam liberdade provisória.

Grupo de cultura Brejo do Crioulos - Reprodução

Os quilombolas Edimilson Lima Dutra, Édio Jose Francisco, Joaquim Fernandes de Souza e Sérgio Cardoso de Jesus foram presos preventivamente no mês de setembro de 2012, suspeitos se serem autores da morte de um jagunço que fazia segurança de fazenda grilada dentro do território étnico.

O episódio aconteceu quando os quilombolas de Brejo dos Crioulos deram início ao processo de luta pela retomada do território, no passado, invadido por grandes fazendeiros.

Os advogados da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, em conjunto com a assessoria jurídica da Comissão Pastoral da Terra (CPT-MG), responsáveis pela defesa dos quilombolas, vinham, desde a prisão, buscando junto ao Tribunal de Justiça mineiro (TJMG), bem como no Superior Tribunal de Justiça (STJ) decisão que possibilitasse que os quatro presos respondessem ao processo em liberdade.

Contudo, em pedidos de habeas corpus formulados tanto junto ao STJ, sob relatoria da Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura (Sexta Turma), quanto no TJMG, relator Desembargador Furtado de Mendonça (6ª Câmara Criminal), os pedidos de liberdade foram negados.

A defesa, por meio de recurso, obteve, no TJMG, a anulação da sentença de pronúncia que mandava os quatro quilombolas a júri popular, o que deu lugar a excesso de prazo da prisão e, considerando a troca de Promotor de Justiça e de Juiz na Comarca de São João da Ponte, os advogados Roberto Rainha (Rede Social de Justiça e Direitos Humanos) e Elcio Pacheco (CPT/MG e Associação Quilombola de Brejos dos Crioulos), apresentaram novo requerimento de liberdade provisória em primeira instância que teve parecer favorável do Ministério Público, sobrepôs a decisão judicial e determinou a liberação dos quilombolas, como medida cautelar.

A história do território Quilombola Brejos dos Crioulos

O território quilombola Brejo dos Crioulos está localizado nos municípios de Varzelândia, São João da Ponte e Verdelândia, ao Norte de Minas Gerais. É habitado por mais de 500 famílias que vivem em comunidades nos seus 17.302 hectares.

Dentro do território étnico nove grandes fazendeiros se instalaram e grilaram aproximadamente 80% de sua extensão territorial, fazendo com que a terra de morada e de sobrevivência dos quilombolas se transformasse em terra de negócio, em mercadoria, em objeto de especulação, concentrada nas mãos de latifundiários e empresários pecuaristas mineiros e paulistas.

O território Brejo dos Crioulos é formado pelas comunidades de Arapuim, Araruba, Boa Vista, Caxambu I, Caxambu II, Conrado, Furado Modesto, Furado Seco, Lagoa da Varanda, Orion, Serra D’água e Vista Alegre. Nelas habitam, desde o século 19 várias famílias de pessoas que foram escravizadas vindas de diversos locais de Minas Gerais.

A principal marca da região é a resistência, é o território onde os quilombolas estabeleceram sua organização social, cultural e econômica.

As reivindicações dos quilombolas de Brejos dos Crioulos junto aos órgãos de governo responsáveis pela regularização e titulação das terras ancestrais e desintrusão dos não quilombolas começou em 1999, porém, devido à morosidade do Poder Público, os quilombolas adotaram, em abril de 2004, a estratégia de luta conhecida como retomada do território. A primeira atividade, realizada em 2004, foi a ocupação da fazenda São Miguel, coma participação de mais de 400 famílias.

Em um período de nove anos (2004 a 2013), ocorreram mais de 20 dessas ações e, respectivamente, mais de 20 reintegrações de posse obtidas pelos fazendeiros, ora junto à Justiça Federal, ora junto à Justiça Estadual mineira, contra as famílias quilombolas.

As famílias quilombolas, em manifestação realizada no segundo semestre de 2009, reiniciaram o processo de retomada de suas terras, o que resultou em uma audiência no Incra, em Brasília e, posteriormente, no mês de janeiro de 2010, no envio do processo administrativo de desapropriação do território étnico à Casa Civil da Presidência da República, para fins de desapropriação do terreno. Apesar disso, o decreto de desapropriação do território foi assinado só em setembro do mesmo ano.

Após a assinatura do decreto o movimento ainda realizou outras ações de resistência até que o Incra ajuizasse as ações para as famílias obterem da Justiça Federal a posse das áreas reivindicadas. Aos poucos, o território étnico está sendo devolvido a quem, de fato, ele pertence.
As primeiras emissões de posse emitidas pelo Incra deu a certeza aos quilombolas de que eles estão no rumo certo e de que a luta vale a pena. A resistência dos quilombolas de Brejos dos Crioulos é uma marca que serve de exemplo para outros tantos quilombos mineiros seguirem o caminho da organização e mobilização social em busca da efetivação de seus direitos.

Fonte: Frente Quilombola