Erdogan pretende transformar Turquia numa república presidencial

Durante pelo menos mais cinco anos, ou talvez dez, os turcos irão viver com Recep Tayyip Erdogan que se mudou do posto de premiê direto à presidência.

Por Andrei Fedyashin , na Voz da Rússia

Recep Erdogan

Sem esperar o anúncio dos resultados oficiais das eleições de 10 de agosto, ele foi declarado vencedor. Partidário de valores islâmicos tradicionais, o líder de 60 anos do partido conservador da Justiça e Desenvolvimento, o primeiro com 11 anos de experiência conseguiu quase 52 por cento dos votos, ultrapassando seus principais concorrentes. Eles já admitiram a derrota, ora um segundo turno não será necessário.

Pela primeira vez após a reforma de 2012 a Turquia elegeu um presidente por voto direto. Até então, esse privilégio pertencia ao parlamento. Agora Erdogan pretende reformular a Constituição turca e transformar o cargo cerimonial de presidente em funcional. Ou seja, tornar a Turquia uma república presidencial, e não parlamentar. Dada a posição dominante do seu partido no parlamento, isso será uma mera formalidade.

O desfecho das eleições foi seguido com especial atenção por todos os vizinhos próximos e distantes. A Turquia é olhada hoje em dia como a chave para a resolução de muitos problemas do Oriente Médio. O que é bastante compreensível: ao longo do perímetro de suas fronteiras estão “ardendo” a Síria, o Iraque e o Afeganistão, bem como a não tão distante Ucrânia. Da posição de Ancara depende em grande medida a evolução dos acontecimentos nestes países.

Recep Tayyip Erdogan, pela primeira vez na história moderna da Turquia falou sobre o seu lugar na geopolítica global, o seu papel como uma superpotência regional, e já de fato quase trouxe Ancara a esse nível, acredita o historiador e especialista em Turquia russo Stanislav Tarasov. Erdogan não tem medo de desafiar seus vizinhos, próximos e distantes. Obviamente, ele está desafiando, arriscando e jogando, mas isso só lhe dá mais peso aos olhos dos turcos e de seus vizinhos árabes.

Na segunda metade do século XX a Turquia manteve-se estável na esteira da política dos Estados Unidos e da OTAN e não apresentou quaisquer reclamações políticas externas específicas, lembra Stanislav Tarasov.

“Após a chegada ao poder do partido do dirigente de Erdogan, eles realizaram reformas econômicas de grande sucesso. O país tornou-se a 15ª economia do mundo. Ela detém fortes posições entre os vinte países economicamente mais avançados. E começou a falar de seu papel mais importante na própria região. A Turquia está de fato declarando que tem servido o Ocidente durante décadas, e agora o Ocidente deve servir os interesses turcos”.

Dificilmente o “reiniciamento da Turquia” por Erdogan agradará aos Estados Unidos e à OTAN que estavam contando com o seu adversário liberal, ex-chefe da Organização da Conferência Islâmica (OCI), Ekmeleddin Ihsanoglu. Ele conseguiu apenas 38,5 por cento dos votos. Não se deve esperar que, tendo em conta o que está acontecendo em torno da Turquia, especialmente na Ucrânia, Erdogan vai mudar radicalmente a sua política independente e será mais próximo da OTAN ou dos Estados Unidos, acredita o analista do Instituto de Politologia alemão da Universidade Everardo Carlos de Tubinga, Thomas Diez:

“A passagem de primeiro-ministr o para presidente vai reforçar a posição e o poder de Erdogan. Sua presidência não trará grandes alterações na política externa do país. É claro que, sob Erdogan, na Turquia já aconteceram mudanças. Por exemplo, a Turquia passou a ser mais crítica da UE e se pronunciou em apoio da Rússia, importando para lá produtos que a UE deixou de suprir. Erdogan está tentando demonstrar mais independência”.

As relações da Turquia com os Estados Unidos e, mais especificamente, com a administração de Obama não só não funcionaram bem, elas estão agora piores do que nunca. A Casa Branca envolveu Ancara no conflito no Iraque, na guerra civil síria, na operação na Líbia, no apoio a Israel, na revolução egípcia. Mas a todos os pedidos de assistência Washington responde com silêncio, e os turcos estão fartos disso, nota Stanislav Tarasov:

“De tudo o negativo que há agora para a Turquia em termos de sua posição em política externa Erdogan está acusando agora justamente Obama. Ele lembrou publicamente em seus comícios eleitorais que ele tinha repetidamente apelado para Obama pedindo apoio. Mas os norte-americanos têm ignorado estes pedidos. Agora Erdogan diz até mesmo que ele não fala ao telefone com Obama porque com ele já não há mais nada a falar. Ele não é um homem de sua palavra. Com o presidente norte-americano só comunicam ministros de Erdogan”.

Isso, é claro, é apenas um banal “exagero pré-eleitoral”, mas o “cansaço” de Ancara do ditado de Washington durante Erdogan se revelou muito perceptivelmente .

Desde o dia da chegada ao poder ele começou a desenvolver relações com a Rússia, especialmente no sector da energia. Em 2005, começou trabalhando oficialmente o gasoduto Blue Stream. Em 2010, foi assinado um acordo sobre a construção na Turquia pela parte russa da primeira usina nuclear. O volume de negócios aumentou de 5 bilhões em 2002 para mais de 35 bilhões de dólares. Entrou em vigor um acordo sobre o regime de isenção de vistos.

Sendo um membro da OTAN, a Turquia, no entanto, recusou-se a impor sanções contra a Rússia. Este é o único país do bloco onde a mídia não chama a reunificação da Crimeia com a Rússia de “anexação”. Ministro dos Assuntos Europeus da Turquia Mevlut Cavusoglu até chegou a acusar Bruxelas de provocar um conflito civil na Ucrânia. Ele chamou de erro político a colocação perante os ucranianos da questão de escolha entre a Europa e a Rússia. A Turquia, ela própria tendendo a culpar forças externas de interferirem em seus assuntos internos, teme claramente uma repetição do guião de Kiev em seu próprio território.

Ancara já anunciou que vai expandir a exportação de produtos alimentícios e agrícolas para a Rússia. No ano passado, ela era estimada em 880 milhões de dólares, este ano vai crescer em metade. Todos os anos visitam a Turquia cerca de 4 milhões de russos, deixando lá pelo menos 4 bilhões de dólares.

Oficialmente, Erdogan deve assumir o cargo após 28 de agosto. E antes disso ele terá que escolher um novo primeiro-ministro. Segundo previsões, ele poderá ser ou o presidente cessante Abdullah Gul, ou um aliado próximo de Erdogan, o arquiteto de toda a política externa da Turquia, e atual ministro das Relações Exteriores Ahmet Davutoglu.

Fonte: Voz da Rússia