Cúpula da Otan no País de Gales: retorno à Guerra Fria?

A cúpula da Otan, que abre em 4 de setembro na cidade galesa de Newport, será realizada numa situação “explosiva”. Enquanto alguns membros da Aliança do Atlântico Norte, liderados pela Polônia e os países Bálticos, estão tentando persuadir o Ocidente a implantar o sistema de defesa antimíssil e até mesmo a cessar a cooperação com Moscou, nas fileiras do próprio bloco estão surgindo controvérsias.

Por Piotr Iskendervo, na Voz da Rússia

Otan

Na véspera da cúpula, Varsóvia e as capitais bálticas anunciaram posições que de fato significam um retorno à era da Guerra Fria. Além disso, está sendo discutida a questão de Bruxelas romper unilateralmente o ato fundador de cooperação entre a Rússia e a Otan.

O secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, por enquanto, adota uma posição mais contida. Ele ressalta que a aliança deve se tornar mais “flexível” para “resistir a possíveis ameaças”. Para isso, planeja-se tomar em Newport a decisão de criar de uma brigada reação rápida de pelo menos 10 mil homens. Segundo o jornal The Financial Times, essas forças podem incluir militares do Reino Unido, Holanda, Dinamarca, Noruega, países Bálticos e Canadá.

O ponto culminante da retórica antirrussa foi a declaração do comandante-em-chefe das forças da Otan na Europa Philip Breedlove. O general norte-americano, em entrevista ao jornal alemão Die Welt, ameaçou a Rússia com uma guerra por causa da Ucrânia com base no artigo 5 do Tratado do Atlântico Norte. “Se tropas estrangeiras entram no território de um Estado, e nós podemos considerar essas ações um comportamento de agressor, então é o artigo número cinco: resposta militar a ações de um agressor”, disse o general Breedlove sem se preocupar em explicar como o artigo do acordo de defesa coletiva da Otan pode ser aplicado a não-membros da Aliança.

A política de Bruxelas de reforçar precisamente a componente militar da Otan não é acidental, confirmou à Voz da Rússia o vice-presidente da Academia russa de Problemas Geopolíticos, Konstantin Sivkov:

“Atualmente, a Aliança do Atlântico Norte, como uma organização militar do mundo ocidental, está servindo como meio de salvação das próprias elites ocidentais. Portanto, a Otan tem de continuar a se desenvolver e fortalecer justamente na direção de uma proteção mais eficaz e realização dos interesses geopolíticos do Ocidente”.

Para o seu desenvolvimento, a Otan precisa de uma “imagem de inimigo” e hoje estão hoje tentando apresentar a Rússia como sendo esse inimigo. No entanto, o “vetor” antirrusso da Aliança Atlântica não se deve superestimar. A aliança antirrussa dos Estados Unidos, países Bálticos, e em parte Polônia é apenas um dos elementos da “paciência” jogada pela Otan. Mas o campo das forças que favorecem a interação com a Rússia é não menos influente. São Alemanha, França, Itália, Espanha, vários países da Europa Central e do Leste, bem como até certo ponto a Turquia.

Um importante catalisador de divergências dentro da Otan são também novas evidências de vigilância interna nas fileiras da Aliança, que os Estados Unidos, a Alemanha e possivelmente outros países praticavam. Assim, segundo a imprensa alemã, o serviço local BND estava “espionando” a Turquia desde 1976, e nos últimos anos começou a fazer o mesmo em relação à Albânia. o diretor do Centro russo de Pesquisas Sociais e Políticas, Vladimir Evseiev, falou à Voz da Rússia sobre as divisões internas na Otan:

“Não há razões para falar de verdadeira unidade interna da Otan. Um fator importante é que os chamados “novos” membros da Aliança, os países da Europa Central e do Leste, muitas vezes tomam posições diametralmente opostas às posições dos Estados europeus ocidentais. Por isso, a unidade interna da Otan vai diminuir”.

Outro fator que objetivamente forçará a Otan a conter as suas ambições em relação à Rússia poderá ser o agravamento da situação no Oriente Médio, em particular no Iraque. Vários países-membros da Otan já concordaram, junto com os Estados Unidos, em armar os curdos iraquianos para lutarem contra o Estado Islâmico do Iraque e do Levante. Segundo o chefe do Pentágono, Chuck Hagel, são Albânia, Canadá, Croácia, Dinamarca, Itália, França e Reino Unido. Os próximos serão a Austrália e a Alemanha. Consequentemente, mesmo após a retirada do Afeganistão a Otan terá as mãos ainda amarradas numa região não relacionada com a Europa.

Tão pouco devemos ignorar o fator financeiro. “O risco geopolítico está novamente erguendo a sua terrível cabeça. Notícias de tensões nas relações russo-ucranianas estão preocupando os investidores, já antes bastante assustados”, nota o analista da empresa financeira IG Ltd. em Melbourne, Stan Shamu. Por isso, os “jogos galeses” da Otan em Newport podem virar bem imprevisíveis.

Fonte: Voz da Rússia