Ucrânia: paz ou jogos políticos?

O cessar-fogo e a lei sobre o status especial da região do Donbass poderiam ser a chave para uma solução pacífica gradual do conflito na Ucrânia. Por outro lado, poderiam tornar-se apenas parte do grande tabuleiro geopolítico de Ocidente.

Casa destruída em Lugansk

Perto de cumprir seus primeiros 100 dias no poder, o presidente ucraniano, Piotr Poroshenko, atribuiu-se a si mesmo os sucessos do encontro de Minsk de 5 de setembro, com mediação da Rússia e da Organização para a Segurança e Cooperação em Europa (OSCE).

A verdade é que o mandatário precisava melhorar sua imagem e legitimar-se ante a cidadania, depois de uma avaliação péssima de seu gerenciamento (4,7 pontos de 10), segundo uma pesquisa do Instituto de Sociologia da Academia de Ciências.

Com essa profundidade mais as pressões diplomáticas de Rússia, as partes negociaram um cessar-fogo duradouro, o compromisso de facilitar o acesso à ajuda humanitária das populações afetadas depois de meio ano de uma operação militar de envergadura; o intercâmbio de prisioneiros e a pauta do futuro status das regiões rebeldes.

Na reunião de Minsk, no entanto, nenhum representante do governo de Poroshenko sentou-se à mesa de negociações junto aos delegados das proclamadas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk.

O ex-presidente Leonid Kuchma foi o emissário de Kiev, cuja presença originou suspeitas quanto à legitimidade dos compromissos, além de considerado contrário a qualquer esquema de federalização para a Ucrânia.

Para o colunista e analista ucraniano Yuri Gorodnenko, a presença de Kuchma nas conversas evidenciou que o banco de Kiev no diálogo com Rússia e as regiões "estava vazio".

A elite ucraniana chegou a um beco sem saída e elegeu o segundo presidente como seu salvador, inclusive dos oligarcas, minando assim a credibilidade à atual Ucrânia, sustentou Gorodnenko em seu comentário.

A lei sobre o status especial do Donbass -a denominação usada pelo Governo para o leste do país- sugere uma descentralização de poderes apenas para alguns territórios do sudeste ucraniano, e não toda a faixa controlada pelas autodefesas.

O próprio Poroshenko deixou claro que não implicava uma autonomia nem muito menos federalização, mas, quando mais, uma espécie de autogoverno pelos próximos três anos.

Também a lei de anistia, adotada por separado, não especifica se beneficiará a todas as pessoas que "tomaram as armas" para se opor aos fascistas e aos que semearam o terror e a repressão em Kiev, depois do golpe de Estado de 22 de fevereiro passado.

Sem dúvida, à primeira vista, esses passos iniciados por Poroshenko em cumprimento dos acordos de Minsk abriram uma saída à paz, que segue sendo frágil e uma realidade ainda longínqua para os habitantes do sudeste ucraniano.

Incursões da artilharia pesada ucraniana em setores residenciais de Donetsk causaram no domingo (14) vinte mortos e numerosas destruições. Em meados de semana, o fogo artilheiro matou outros 11 civis.

De outro lado, um Parlamento reacomodado à nova maioria imposta depois do golpe de Estado, e a permanente pressão sobre os deputados opositores, põem em questionamento a natureza real, o caráter das decisões e sua legitimidade.

Uma trégua obrigada pelas circunstâncias da guerra

A trégua tem sido um sopro de esperança para os habitantes das cidades em ruínas e sob uma crítica situação humanitária, a dois meses do inverno.

Os milicianos percebem, em geral, as iniciativas legislativas como passos positivos frente a um processo de negociação com as autoridades ucranianas.

O vice primeiro ministro da proclamada República Popular de Donetsk (RPD), Andrei Purguin, comentou que a lei sobre o status especial do Donbass poderia servir de ponto de contato em futuras negociações.

Fez a ressalva de que a RPD não se vê em um mesmo espaço político com Ucrânia, e advertiu que as eleições parlamentares antecipadas, fixadas por Kiev para o dia 26 de outubro, não serão celebradas nesse território.

Existe coincidência entre os dirigentes em que o projeto carece de atualidade para Donetsk e Lugansk, já que a maioria dos habitantes expressou sua vontade de obter a independência em relação à Ucrânia, durante os referendos celebrados em maio deste ano.

A juízo do experiente Guevorg Mirzayan, as leis não sobreviverão muito tempo por sua própria natureza e pelas circunstâncias que as forçaram.

Precisamente, a trégua foi aceita por Kiev quando se fez evidente um giro drástico no teatro de operações, desfavorável às tropas regulares.

Também a economia ucraniana não suportava mais pressão de parte do partido da guerra, como se conhece os partidários da ala mais radical do governo, e o estado-maior do Exército e os corpos de segurança.

Neste ano, a Ucrânia gastou quase 63 bilhões de grivnas (uns cinco bilhões de dólares) do orçamento nacional na operação de castigo no sudeste do país, segundo publicou recentemente a plenipotenciária do Presidente para o arranjo pacífico da situação nas regiões de Donetsk e Lugansk, Irina Gerashchenko.

Foram atribuídos à partida de despesas militares recursos do fundo total (uns três bilhões de dólares), da reserva (quase 1 bi e 500 milhões) e do fundo especial ao redor de 384 milhões de dólares, detalhou a deputada.

Não menos alarmantes são as cifras do custo humano do conflito, devido a guerra civil sem precedentes na história da Ucrânia.

Desde meados de abril, o número de mortos incrementou-se até pelo menos três mil pessoas (dos quais 27 crianças) e mais de oito mil feridos, de acordo com estatísticas da ONU.

Os deslocados internos cresceram a 263 mil, mais 366 mil refugiados em países vizinhos, incluída a Rússia, destino de uns 325 mil ucranianos. Estima-se que os afetados superem um milhão de pessoas.

Fonte: Prensa Latina