Presidente do Olodum, filiado ao PSB, apoia Dilma e critica Marina

Os tambores coloridos, mundialmente conhecidos, tocavam na Rua das Laranjeiras, no Pelourinho, quando o advogado João Jorge abriu as portas da Casa do Olodum para uma entrevista exclusiva ao Vermelho, que aconteceu na tarde desta sexta-feira (26). João é presidente da organização, umas das importantes e conhecidas na luta pelo fim da discriminação. Ele esteve no encontro de representantes de 25 entidades negras, que, nesta semana, em Salvador, declararam apoio a Dilma Rousseff, do PT.

João Jorge olodum - Reprodução

O fato curioso é que, além de presidente do Olodum, João Jorge é também filiado ao PSB, partido que acolheu a ex-senadora Marina Silva e permitiu que ela concorresse a Presidência da República, após a morte de Eduardo Campos. A decisão de não apoiar a candidata do próprio partido chamou a atenção da nossa reportagem, que marcou com ele uma entrevista para conhecer os motivos da manifestação de descontentamento com Marina e de apoio à candidata adversária.

Com uma lucidez de quem alia militância no movimento negro à vida acadêmica – possui mestrado em Direito Público pela Universidade de Brasília -, João Jorge expôs as principais críticas à Marina, que estão relacionadas ao fato de ela estar aliada a setores conservadores da sociedade. Ele não acredita que, com ela na Presidência, o povo negro verá continuar o processo de promoção da igualdade e da liberdade, que ele reconhece ter sido intensificado a partir da Era Lula, em 2003.

Confira as principais declarações de João Jorge durante a entrevista:

O posicionamento

"A minha posição pessoal é igual à posição de todos que querem o progresso do Brasil. As entidades negras estavam reunidas no Ilê e expressaram esse pensamento sobre liberdade religiosa, pluralismo ideológico, pensamento republicano e, ao mesmo tempo, uma condição importantíssima: a ideia de que o candomblé, a umbanda, religiões de matriz africana não podem continuar a ser perseguidas neste país. A organização Olodum está acima dos partidos e da eleição. As principais lideranças do Olodum é que dizem que caminho seguir, que é a continuidade dos programas sociais, de igualdade, de equidade, que permitem o desenvolvimento da população negra".

Perseguição

"Quando citei o [Marco] Feliciano [deputado federal PSC-SP] e o pastor Silas Malafaia, é porque, neste momento, há um risco de um totalitarismo e um fundamentalismo religioso. O pluralismo religioso está na base da luta do movimento negro desde Zumbi dos Palmares, desde a Revolta dos Búzios de 1798, dos Partidos Comunistas, dos Partidos Socialistas. Não tem sentido agora, em uma campanha presidencial, o pano de fundo não revelado ser a intolerância religiosa e a gente associar isso ao fato de ser uma candidata mulher, negra, pobre, como se esses parâmetros estivessem em curso nessa campanha. Não estão".

Viés conservador

"Pelo que esta aí, podem ser candidatos A, B ou C, mas desde que tenham o viés conservador. O viés conservador prejudica os avanços que foram feitos em parte no governo Fernando Henrique Cardoso e, em grande parte, nos governos Lula e Dilma. Por que há uma alegria de certos setores de determinadas regiões do Brasil? Porque quando veem alguém lutando contra a igualdade, lutando pelo Estado Mínimo, que se afasta das mazelas sociais, se animam como ninguém. Não querem mais cotas para afrodescendentes, não querem mais Ciências sem Fronteiras, não querem programas como Minha Casa, Minha Vida, Bolsa Família, Mobilidade Urbana e são contra a voz das ruas de 2013. A ironia é isso".

Direita e Marina

"Aos jovens que querem mudanças, estamos dizendo que não pensem a candidatura da ex-senadora Marina Silva vai representar os seus anseios. Pelo contrário. É uma forma de esconder a direita, a injustiça social, o fim das lutas pela igualdade, da promoção do ser humano. É muito sintomático que, nos estados mais ricos do país, a queixa do PT é pelo fato de o partido ter distribuído melhor as riquezas no país. Como se fosse possível um ou dois estados avançarem e ter 25 pobres".

Nova política

"Fui candidato a senador pelo PV em 2010 e não tive legenda, havendo duas vagas. Além de mim, a Bete Wagner também não teve vaga. Isso mostra que isso não é política nova. Quem estava à frente deste processo era Marina e ela não estava praticando a política nova. Ela optou por uma pessoa de Juazeiro, que era um desses quadros históricos da política brasileira, quando poderia ter a Bahia um candidato a senador negro e uma candidata mulher".

Aprofundar mudanças

"O Brasil precisa continuar aprofundando a igualdade e a igualdade é o que é mais odiado neste momento. Não é o PT em si, não é o ex-presidente Lula, não é a presidenta Dilma. A luta pela igualdade permite pobre andar de avião, ter geladeira em casa, ter coisas que, até pouco tempo atrás, eram coisas de luxo, inacessíveis paras as pessoas".

Bahia

"O posicionamento serve também para a Bahia e para todos os estados onde essa disputa está havendo, entre os adeptos da igualdade e justiça social e os adeptos da desigualdade e do Estado Mínimo".

Repercussão da decisão

"Tentei falar com a presidenta [estadual] do PSB, a senhora Lídice da Mata, mas não consegui. Mas, na verdade, já tinha expressado isso no ano passado. Enquanto Eduardo Campos estava vivo, a campanha tinha um tom, tinha um apoio não tão visível do deputado Feliciano e dessas pessoas que são da intolerância religiosa. No momento em que ele morre, a campanha passa a ganhar um contorno incrivelmente messiânico e direcionado para uma coisa que política é algo ruim. Não posso compactuar com isso. A questão agora é se o PSB está pronto para incorporar essas críticas, refletir sobre elas e ver se pode ir até o fim da campanha sendo coadjuvante de uma coisa que vai contra a história do próprio partido. Estou me expressando como pessoa, independente de partido".

Por Erikson Walla, da redação do Vermelho da Bahia