Luxemburgo e os paraísos fiscais europeus

A revelação de acordos secretos entre Luxemburgo e 340 multinacionais para reduzir o pagamento de impostos colocou o Grande Ducado no centro de um escândalo mundial e reabriu o debate sobre os chamados paraísos fiscais.

Por Martha Andrés Román, na Prensa Latina

Detalhe de uma moeda de 1 euro

A princípios deste mês, o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) informou que desde 2002 até 2010 o país europeu organizou um sistema de evasão tributária para favorecer companhias como Apple, Ikea, Pepsi, Sony, Fiat e AIG.

Segundo as conclusões do ICIJ sobre o caso batizado como LuxLeaks, a auditora Price Waterhouse Coopers teria ajudado as multinacionais a obter aproximadamente 548 decisões fiscais, a fim de beneficiá-las com estruturas complexas feitas para conseguir reduções drásticas nos encargos.

Depois de revisar uns 28 mil documentos confidenciais, a organização jornalística apontou que tais convênios significaram bilhões de euros em ingressos tributários perdidos pelos Estados onde essas empresas obtêm seus benefícios.

Ainda que o primeiro-ministro do Grande Ducado, Xavier Bettel, afirmou que as práticas de seu país respeitam as regras internacionais e, portanto, não fizeram nada de errado, imediatamente apareceram críticas em todo o mundo, não só contra Luxemburgo, senão contra outros territórios da região.

De fato, o titular luxemburguês de Finanças, Pierre Gramegna, manifestou que oferecer vantagens às multinacionais, método conhecido como "tax ruling", não é uma especialidade de seu Governo, pois muitos Governos europeus o aplicam.

O tax ruling, de caráter legal e confidencial, permite que as empresas conheçam antecipadamente qual tratamento fiscal será aplicado a elas pelos governos, e lhes dá a possibilidade de obter algumas garantias jurídicas.

O fato divulgado pelo ICIJ levou a que se questionasse o trabalho do novo presidente da Comissão Europeia (CE), Jean-Claude Juncker, o qual foi primeiro-ministro de Luxemburgo de 1995 a 2013.

O titular do Executivo comunitário, ocupante do cargo apenas desde o início de novembro do ano passado, enfrenta agora a possibilidade de uma moção de censura no Parlamento Europeu, promovida pelo grupo conservador da Europa Liberdade e a Democracia Direta.

Ainda que a iniciativa tenha poucas possibilidades de prosperar, porque uma parte importante dos eurodeputados já expressaram seu apoio a Juncker, é uma demonstração da repercussão que o escândalo tem tido.

O presidente do CE, no entanto, longe de se centrar no ocorrido em seu país e de dar explicações exaustivas, apresentou a proposta de uma ambiciosa reforma a nível regional para preencher os espaços legais dos quais se aproveitam as multinacionais.

Paraísos Europeus

O professor Gabriel Zucman, da London School of Economics, apontou que a evasão causa aos Estados do mundo inteiro perdas avaliadas em 130 bilhões de euros através de impostos.

Segundo o intelectual francês, autor do livro A Riqueza Oculta das Nações, 8% do patrimônio financeiro global se encontra em paraísos fiscais, o que equivale a 5,8 trilhões de euros.

Através de seu livro, Zucman explicou que o nascimento desses territórios se produziu depois da Primeira Guerra Mundial nas cidades de Genebra, Zurique e Basiléia, todas na Suíça, por se tratar de um país neutro com um sistema bancário desenvolvido.

Na década de 80, segundo explicou o pesquisador, 5% do patrimônio dos europeus estava em caixas suíças, mas começou a aparecer concorrência em lugares como Hong Kong, Singapura, Bahamas, Ilhas Jersey ou mesmo em Luxemburgo.

Desse modo, em seu último relatório sobre transparência, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OCDE) situou Chipre e Luxemburgo como paraísos fiscais, na mesma faixa que as Ilhas Virgens Britânicas ou as Seychelles.

No entanto, na região existe mais de uma dezena de territórios que cumprem algumas das características assinaladas pela OCDE para definir um paraíso fiscal: locais com impostos baixos ou inexistentes, sem transparência, sem intercâmbio de informação e sem atividade econômica real.

Também, locais como Irlanda, os Países Baixos, Malta e Áustria realizam exercícios financeiros complicados para oferecer às multinacionais tipos impositivos muito baixos.

Sobre o contexto europeu, Zucman lamentou também que continue vivo o segredo bancário eliminado pela União Europeia em 2009, ao mesmo tempo em que a impunidade das grandes fortunas é quase total e a evasão continua crescendo.

Nesse contexto, Juncker quer combater agora em nível regional o mesmo problema ao que deu espaço durante seus anos como primeiro-ministro, o que muitos meios de imprensa têm visto como uma tentativa de desviar a atenção do LuxLeaks.

Recentemente, cerca de 50 países assinaram um acordo para o intercâmbio de informação sobre clientes bancários, mas até agora essa mesma postura faltou com relação aos impostos das empresas.

Segundo o titular do CE, o tax ruling é uma regra que é aplicada em 22 Estados membros da União Europeia e, para remediá-lo, impulsionará a harmonização das bases do imposto de sociedades, a fim de acabar com as práticas depredadoras dos paraísos que existem no próprio bloco.

Ao mesmo tempo, proporá um intercâmbio automático de informação com o resto dos parceiros assim que um país assine um acordo com uma empresa, para evitar que as empresas evadam o pagamento dos tributos.

O comissário de Fiscalidade da União Europeia anterior, Algirdas Semeta, propôs há três anos uma iniciativa similar à que Juncker agora promove, mas se deparou com a falta de vontade política para especificá-la, um panorama que agora o novo Executivo deverá enfrentar.