Ebola não será erradicado apenas com promessas financeiras

As promessas de ajuda financeira para enfrentar urgências mundiais por parte das potências econômicas e organismos internacionais de corte neoliberal, muito poucas vezes se completam ou se tornam realidade, e o combate ao ebola não escapa dessa verdade.

Por Cira Rodríguez César, em Prensa Latina*

Como têm afirmado especialistas, o ebola não é a doença mais contagiosa, pois não se transmite pelo ar, o que o faz menos infeccioso que outros portadores, pois para isso é necessário o contato físico com os fluídos corporais do doente.

Mas o que já parece endêmico e transmissível é o descumprimento do prometido pelos países mais ricos para assistir aos mais pobres com 0,7% de seu Produto Interno Bruto (PIB) ou enfrentar epidemias como a que vive hoje a África ocidental, em particular Guiné, Libéria e Serra Leoa.

Para que não se repita a história do Comitê de Ajuda ao Desenvolvimento, no qual a maioria dos países doadores mais desenvolvidos do mundo descumpriram suas promessas em 2013 e só um terço do dinheiro chegou aos países mais pobres, é necessário muita vontade política e menos promessas.

Por exemplo, entre outros doadores, os Estados Unidos no ano passado destinaram apenas 0,19% de seu PIB a essas finalidades, e agora seu presidente, Barack Obama, solicitou ao Congresso que, antes de entrar em recesso pelas festas natalinas, aprove a solicitação de 6.8 bilhões de dólares em fundos de emergência para combater o ebola.

O pedido inclui 4,6 bilhões de dólares para necessidades imediatas e 1,5 bilhão em fundos de contingência para o ano fiscal de 2015, com o objetivo de acelerar as pesquisas de vacinas e fortalecer a capacidade mundial para prevenir que futuras doenças infecciosas se espalhem.

É necessário esperar para ver se novas ações bélicas e intervencionistas de última hora não desviarão a atenção dos congressistas fazendo desaparecer o ebola das suas preocupações.

Seria de muito valor para os três países africanos afetados consumar as doações oferecidas e fazer o dinheiro chegar onde mais falta faz, porque o que mais os afeta é a falta de medidas sanitárias básicas em hospitais públicos e clínicas com equipamento precário.

Segundo o professor de medicina de urgência do Brown Medical School, Adam C. Levine, que atualmente trabalha em Ruanda, muitos centros carecem de produtos extremamente necessários e básicos como luvas e batas e, em muitos outros, faltam água ou álcool, imprescindíveis para a higiene.

"Diferentemente do que acontece no Ocidente, os hospitais na África têm salas abertas com dúzias de camas amontoadas. Em muitos casos, vários pacientes compartilham uma mesma cama. Visto assim, é fácil compreender como o ebola pode se espalhar com tanta rapidez", assegura.

Em sua opinião, com suficiente vontade política e apoio financeiro e técnico exterior, os países africanos podem conseguir melhoras em grande escala em sua capacidade para prevenir as doenças e controlar situações de maior urgência.

Menos promessas e mais ações

Em setembro deste ano, durante uma sessão de alto nível das Nações Unidas, o Banco Mundial, a Comissão Europeia, a França, a Alemanha e a Coreia do Sul se comprometeram a enviar 333 milhões de dólares para combater o ebola.

Anteriormente houve outro pedido da ONU feito em separado, que chegou a um bilhão para cobrir as necessidades humanitárias na Libéria, Serra Leoa e Guiné, e até há apenas umas semanas só haviam recebido 365 milhões, aproximadamente 37% do montante solicitado.

Um relatório da própria ONU indica que os recursos são dirigidos para agências específicas deste organismo internacional ou para os países que os doadores escolhem, após o Conselho de Segurança ter declarado a epidemia como uma ameaça à paz e à segurança mundiais.

Para tais efeitos, o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, apelou com urgência à comunidade internacional para que esta proporcionasse o dinheiro, o que, apontou, permitirá à ONU "se antecipar aos acontecimentos e cumprir nosso objetivo de reduzir a taxa de transmissão ainda durante o mês de dezembro".

Sobre o tema afirmou que o ebola "é um enorme e urgente problema mundial que exige uma resposta global também enorme e urgente".

Ban também apontou que dezenas de países estão mostrando sua solidariedade, mas que é momento de proporcionarem apoio os países que "têm a capacidade", os quais não identificou.

A própria ONU reconheceu que se a propagação do vírus continua se intensificando nos três países mais afetados e se estende aos países vizinhos, o impacto financeiro regional poderia atingir os 32,6 bilhões no final de 2015, um golpe de proporções potencialmente catastróficas para uma região já frágil.

Tais custos econômicos podem ser limitados se as respostas nacionais e internacionais imediatas conseguirem conter a epidemia e diminuir os temores derivados da inquietude que as pessoas sentem com respeito ao contágio, situação que extrapola o impacto econômico.

No entanto, ainda que na recente Cúpula dos países do G20 tenham sido assumidos muitos compromissos para erradicar a epidemia, que deixou quase sete mil mortes e mais de 16 mil casos na África ocidental, e fazer o que ainda falta para enfrentar o custo econômico e humanitário em médio prazo, não se chegou a um acordo sobre a criação de um fundo financeiro mundial destinado a enfrentar a crise.

A FAO entre as melhores respostas

Guiné, Libéria e Serra Leoa receberão 500 mil dólares cada um para ajudar a frear o potencial impacto devastador do ebola na segurança alimentar. Esta é uma das melhores respostas por parte da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

A doação de 1,5 milhão provém do Fundo Fiduciário de Solidariedade Africana e será usada em apoio ao Programa de Resposta Regional lançado recentemente pela FAO para questões de segurança alimentar e agricultura, relacionadas com a epidemia da doença nesse continente.

O financiamento será empregado durante 12 meses para ajudar 7,5 mil famílias – ao redor de 45 mil pessoas – nos três países selecionados.

Trata-se de uma assistência para a mobilização social e capacitação com o fim de deter a propagação do ebola, fortalecer os planos de poupança e fornecer insumos agrícolas para as famílias rurais.

A atribuição monetária é um dos três acordos assinados nos quais o Fundo Fiduciário de Solidariedade Africana concede um total de 6,5 milhões de dólares para apoiar o trabalho da FAO em programas em todo o continente, incluindo o emprego de jovens nas zonas rurais e a Cooperação Sul-Sul.

O diretor-geral da FAO, José Graziano da Silva, afirmou que os fundos entregues indicam a vontade permanente dos países africanos para se ajudar mutuamente, não só em tempos de necessidades urgentes, como o de agora com a crise do ebola, senão também para assegurar o crescimento e a prosperidade futura do continente.

"O Fundo Fiduciário de Solidariedade Africana para a Segurança Alimentar é uma iniciativa única para mobilizar recursos na África para a África, com potencial para ajudar a acabar com a fome e aumentar a resistência das pessoas vulneráveis", declarou Crisantos Obama Ondo, embaixador da Guiné Equatorial nas Nações Unidas, com sede em Roma, e presidente do Comitê Diretivo do Fundo Fiduciário.

A FAO fez um chamado no mês passado para se conseguir aproximadamente 30 milhões de dólares que são necessários com urgência para diminuir o impacto da epidemia do ebola na segurança alimentar e nutricional das comunidades afetadas em Guiné, Libéria, Serra Leoa e os países vizinhos em situação de risco.

*Chefe de redação de Economia da Prensa Latina