2014: Espanha deixa para trás um ano de desafios ao bipartidarismo

A Espanha deixa para trás um ano turbulento e projeta para 2015 um período eleitoral que porá a prova algumas das tendências dos últimos 12 meses, anunciadoras de uma mudança qualitativa do cenário político.

Parlamento espanhol

Entre os acontecimentos significativos fica a abdicação do rei Juan Carlos I, visto por muitos como tentativa de recuperar o espaço perdido pela Casa Real, afetada por acusações de irregularidades e corrupção que, inclusive, levaram a infanta Cristina aos tribunais.

A proclamação de Felipe VI favoreceu uma renovação da imagem, diante do crescimento das correntes republicanas, ainda sem suficiente peso parlamentar para forçar uma mudança, mas – sem dúvidas – em expansão.

O caso, para além da atenção das crônicas sociais, mostrou o mal-estar da população pelos frequentes casos de corrupção que mancharam a monarquia, o Governo, os partidos políticos e as instituições financeiras.

Cristina de Bourbon foi vinculada a um caso de lavagem de dinhero e fraude fiscal no chamado "caso Noos", no qual seu esposo, Iñaki Urdangarin, aparece como um dos principais implicados em uma trama para se apropriar de dinheiro público.

Esses casos provocaram também a renúncia da ministra da Saúde Ana Mato, a prisão de um ex-tesoureiro do dirigente Partido Popular (PP) e acusações a outros dois, além de acusações a prefeitos e políticos envolvidos.

A situação refletida em uma pesquisa do Centro de Investigações Sociais (dependente do ministério da Presidência) levou a considerar o problema como o segundo que mais preocupa os espanhóis (63,9%), depois do desemprego (77%).

O mais sintomático é que o problema provocado por práticas negativas de servidores públicos políticos e empresários subiu 21,5 pontos em seis meses na apreciação de preocupação dos espanhóis.

A crise econômica, a corrupção e o esgotamento do sistema estabelecido em 1978, são consideradas pelos analistas causas básicas de outro dos fenômenos característicos do ano: o auge explosivo do Podemos, o mais jovem partido espanhol.

Com propostas próximas às da esquerda tradicional, mas um discurso inovador próximo dos indignados que estremeceram as ruas do país em 2011, o Podemos está como quarto partido mais votado.

Nas eleições de maio para o Parlamento Europeu, a organização do professor universitário Pablo Iglesias obteve 1,2 milhões de votos e cinco eurodeputados com somente quatro meses de fundação.

Posteriormente, várias sondagens localizam esse partido no primeiro lugar da intenção de voto, algo relevante se se leva em conta que em 2015 haverá eleições municipais, regionais e gerais.

Sintomaticamente, seu auge vai acompanhado pela considerável queda do PP e do PSOE nas eleições e pesquisas, o que leva a muitos analistas preverem o início do fim do chamado bipartidarismo espanhol protagonizado por estes dois grupos.

As primeiras vítimas foram Juan Carlos I e o secretário-geral do PSOE, Alfredo Pérez Rubalcaba, substituído pelo pouco conhecido, porém carismático, Pedro Sánchez, um economista ex-jogador de basquete empenhado em renovar a face social-democrata.

O conturbado ano de 2014 espanhol teve outro de seus picos na consulta independentista não autorizada da Cataluña em 9 de novembro, que mostrou o auge do separatismo e também a falta de propostas do governo para enfrentar o nacionalismo.

Rajoy se nega rigorosamente a negociar qualquer variação de referendo, mas isso não detém o movimento secessionista, que planifica já em 2015 umas chamadas eleições plebiscitárias para seguir adiante.

O nacionalismo nesse território chegou a tais níveis, que seus protagonistas já não consideram como opção nem sequer a de uma reforma constitucional para dar mais espaço às regiões, ao que também Rajoy e o dirigente PP se opõem.

A polêmica parece estar impulsionando movimentos similares em outras regiões como o País Basco, onde em dezembro a independência passou a ser pela primeira vez a eleição mais favorecida nas pesquisas.

Outro elemento a ter em conta para o futuro é o auge dos movimentos sociais como protagonistas, com o aparecimento de grupos que procuram, junto com vários partidos, candidaturas capazes de destronar o PP e o PSOE nas eleições municipais, ao menos.

A mobilização cidadã conseguiu em 2014 bloquear uma restritiva lei de aborto promovida pelo governo em uma demonstração de forças que pode servir de impulso à luta pelos municípios mediante alianças locais.

Podemos, a esquerda e os movimentos sociais mostraram neste ano uma força capaz de influir no terreno político e fazer o bipartidarismo do PP e o PSOE tremer, uma opção que abre as portas para situações inéditas da política espanhola.

Fonte Prensa Latina