Suspensão de lista suja do trabalho escravo divide poderes 

O Judiciário nem começou suas atividades de 2015 e já vive uma polêmica. No final de 2014, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu liminar suspendendo a divulgação da chamada "lista suja" do trabalho escravo até o julgamento de uma ação que questiona à constitucionalidade de norma existente há 11 anos. Na última sexta-feira (16), a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou agravo regimental ao STF solicitando a liberação, por considerar que em nada fere os princípios constitucionais.  

Trabalho escravo - Agência Brasil

A lista do trabalho escravo é publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) desde 2003. É resultado das operações dos grupos móveis de fiscalização integrados por auditores do MTE, do Ministério Público do Trabalho e agentes da Polícia Federal.

O grupo investiga denúncias de uso de mão de obra em condições análogas à escravidão e tem, entre suas finalidades, estimular que regularizem a situação e não tornem a repetir a irregularidade, sob pena de ter restrição ao crédito e sofrer boicote dentro de sua cadeia de clientes e fornecedores.

As operações de fiscalização também geram a “lista suja”, que informa empresas, entidades da sociedade civil e instituições financeiras que participam do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo sobre empregadores flagrados.

Esse cadastro foi contestado, em 22 de dezembro do ano passado, por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada ao STF pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).

O argumento apresentado pela entidade é de que a lista não poderia ter sido criada pelo Executivo sem previsão de lei e que a matéria deveria ter sido submetida, antes, ao Congresso Nacional. A Abrainc diz ainda, na ADI, que da forma como são incluídos os nomes no cadastro não é dado às empresas o direito à ampla defesa, quando muitas que são citadas, conforme o texto da ação, “não praticam trabalho análogo à escravidão; simplesmente deixaram de cumprir itens específicos da legislação trabalhista”.

O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, responsável pela concessão da liminar, foi criticado por advogados pelo fato de tê-la proferido no dia seguinte em que a ação foi protocolada – e no apagar das luzes do final do ano. Lewandowski afirmou que apesar de considerar “louvável” a intenção em criar o cadastro de empregadores, concorda que o caminho para a formação do cadastro deveria ter sido uma lei.

Acesso à informação

No agravo regimental apresentado na última sexta-feira pela PGR, a vice-procuradora da República, Ela Wiecko, ressalta que a liminar suspendendo a lista prejudica o direito constitucional de acesso à informação e o combate ao trabalho escravo.

"A inclusão na lista, por si, não representa penalidade, pois a divulgação dos nomes das empresas que se valem do trabalho em condições à de escravidão tem por objetivo conferir publicidade às ações desenvolvidas pelo Ministério do Trabalho. Prejuízos de ordem moral que a empresa incluída no cadastro possa ocasionalmente experimentar não são justificativa plausível para o sigilo dessas informações", acentuou Ela Wiecko.

Anteriormente, o Ministério Público já tinha encaminhado parecer sobre o caso ao STF, referente a outra ação – ainda não julgada – de caráter semelhante movida pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA). No seu parecer, o MP salientou que não considera necessária uma lei específica para que a administração pública tome a iniciativa de divulgar suas ações e pediu a extinção do processo, sem resolução de mérito, por entender que há “ilegitimidade ativa e inidoneidade do objeto da arguição de inconstitucionalidade”.

As duas ações foram distribuídas para a ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha. Caberá à magistrada, daqui por diante, decidir os rumos da divulgação destes empregadores no país – o que só poderá acontecer a partir de 2 de fevereiro, quando o Judiciário retoma os trabalhos.

Na última vez em que foi atualizada, em junho passado, a listagem tinha 609 empregadores flagrados pela prática de tal ilegalidade, sendo o estado do Pará o de maior incidência de empresas – 27% dos casos. Com a suspensão do cadastro, a atualização referente a dezembro de 2014 não pôde mais ser divulgada.

Notícia triste

Para o auditor-fiscal do Trabalho Alexandre Lyra, chefe da Divisão de Erradicação do Trabalho Escravo da Secretaria de Inspeção do Trabalho, do MTE), a notícia é triste para os que lutam há 20 anos contra essa prática. “A decisão representa um retrocesso inimaginável no combate ao trabalho escravo no Brasil”, criticou o auditor-fiscal do Trabalho Carlos Silva.

“Pela primeira vez, em 11 anos, não teremos a atualização ordinária do cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas às de escravos. Tenho fé que o STF repensará o ato impeditivo da publicação e, mais uma vez, se posicionará a favor dos elementares princípios que defendem a dignidade humana”, enfatizou, ao acrescentar que haverá reação contra a suspensão.

“Ao Brasil interessa o combate ao trabalho escravo. Se os empreiteiros agem desta forma, manifestam claramente que defendem interesses espúrios, que não defendem interesses públicos”, completou a presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Rosa Maria Campos Jorge.

Manobras

Atualizada semestralmente, a lista do trabalho escravo tem sido alvo constante de manobras por parte de representantes do empresariado e da bancada ruralista no Congresso Nacional, que vivem sugerindo mudanças nas regras para a divulgação dos nomes flagrados pelos fiscais do trabalho.

No último ano, a “lista suja” foi objeto de discussões constantes durante a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional que criminaliza o trabalho escravo, aprovada pelo Congresso. A principal crítica das duas bancadas (empresarial e ruralista) diz respeito a dubiedades que possam existir em relação ao conceito do trabalho escravo.

Da Redação em Brasília
Com informações da Rede Brasil Atual