Vanja Andréa: Orgulho de ser única, mas com desejo de ser muitas
A foto oficial da posse dos deputados estaduais do Amazonas, eleitos em 2014, destaca Alessandra Campelo do PCdoB/AM como a única figura feminina. Se o espaço ocupado por ela não corresponde ao tamanho do contingente de mulheres do nosso estado, o mesmo não se pode dizer dos obstáculos que enfrentará. Isso a julgar pela eleição da mesa diretora da casa 100% masculina, fato que reafirma a Assembleia Legislativa como um vergonhoso reduto machista.
Por Vanja Andréa Santos*
Publicado 05/02/2015 10:44
Muitas pessoas parabenizam a única mulher eleita para Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam), Alessandra Campelo, por acreditar que trata de um feito a ser comemorado, de uma vitória.
Não há dúvida que se trata de uma vitória, principalmente diante das dificuldades que as mulheres enfrentam para conseguir estudar, trabalhar, cuidar da família e, imagine, atuar politicamente.
E isso tudo apesar de haver alguns setores, como as universidades, onde a nossa presença já supera o gênero masculino, sem que isso tenha garantido, ainda, no mercado de trabalho, o devido reconhecimento profissional e isonomia salarial.
Aliás a nossa participação em Associações, Sindicatos, Ordens, Conselhos e Partidos Políticos também já é considerável, mas, também nesses espaços não conseguimos ser conduzidas à cargos relevantes como o de presidente, por exemplo, uma função quase sempre associada aos homens, aparentemente tidos como mais aptos e disponíveis. E assim vai se perpetuando em nossa época uma tendência discricionária que é tão perversa quanto antiga.
O que fazer? Como fazer? Com que instrumentos podemos trabalhar para que haja uma mudança dessa cultura discriminatória e excludente?
O que se sabe é que nós mulheres temos que superar dificuldades demonstrando destreza, agilidade e uma determinação inquebrantável a todo instante, do contrário, ficamos para trás.
Aliás, quem já não ouviu dizer que as mulheres tem a capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo? Pois saiba que essa é uma realidade que nos foi imposta e mais do que uma habilidade, reflete o acúmulo de tarefas que sobrecarregam as mulheres, na maioria das vezes, obrigadas a cuidar simultaneamente da casa, dos filhos e do trabalho profissional.
Quanto a militância política? Pra quê? Quem aguenta? Isso não cabe no nosso dia a dia!
Por isso é tão difícil vencer as barreiras que nós são impostas e, por isso também, muito poucas de nós se tornam candidatas e na "exigente maratona masculina" das disputas políticas, somente algumas conseguem vencer.
No processo de eleição da Mesa Diretora da Assembléia Legislativa do Estado do Amazonas, mais uma vez se demonstrou o quanto se menospreza a democracia negada na Casa do Povo, onde a representação deveria expressar ao máximo a diversidade social.
Infelizmente, ali não se levou em conta que a mulher corresponde a mais de 50% do eleitorado amazonense e que está em curso no país uma política de incentivo e valorização da participação da mulher nos espaços de poder, promovida pelo Governo Federal e pactuada com gestores estaduais e municipais através, inclusive, da realização de Conferências.
Por isso cabe às mulheres parlamentares agir em prol da superação do preconceito de seus pares e da garantia de um merecido destaque nas funções atribuídas.
À nós do movimento emancipacionista cabe a luta diária, em busca de uma "consciência coletiva" e da compreensão da necessidade de ampliar a participação feminina em todos os espaços.
Assim como aos partidos políticos cabe patrocinar essa participação e não tratá-la como uma "simples ação social" ou mera "necessidade de cumprir a formalidade de cotas" legalmente instituídas.
Ao Supremo Tribunal Eleitoral (STE), por sua vez, cabe fazer campanhas, fiscalizar e punir partidos que não trabalham internamente a favor da plena participação das mulheres na política.
A todos os cidadãos conscientes, enfim, cabe a responsabilidade e dever de lutar pela Reforma Política, como um mecanismo capaz de fazer avançar o espaço e a contribuição das mulheres, através da adoção do voto em lista, do fim do financiamento empresarial de campanha e do fortalecimento da fidelidade partidária. Esses são pontos indispensáveis para uma ampliação real da participação política das mulheres.
Apesar de hoje sermos poucas e até únicas em alguns espaços, a verdade é que a nossa necessidade e desejo é que sejamos muitas para podermos mais. Porque somente assim poderemos trabalhar pela construção de um Brasil e de um mundo, igualitário e de fato justo.
*Vanja Andréa Santos é filósofa, vice-Presidente Nacional da União Brasileira de Mulheres/UBM, membro do Fórum de Mulheres de Partidos Políticos no Amazonas.
**Título original: Orgulho de ser única e desejo de ser muitas para poder mais