Luís Carapinha: Auschwitz e a guerra no Donbass

Quando, a 27 de janeiro de 1945, as tropas soviéticas libertaram Auschwitz, enfrentaram um quadro dantesco. Homens curtidos pelos horrores da guerra mais letal e atroz da história – soldados e oficiais da 1ª Frente Ucraniana do Exército Vermelho – testemunharam sobre a monstruosidade sem paralelo que encontraram no maior complexo de extermínio do nazi-fascismo.

Por Luís carapinha, no Avante!

Aushwitz - Reprodução

Comandantes e comissários políticos do exército soviético ali haviam sido liquidados, ainda em julho de 1941, contando-se entre as primeiras vítimas do sistema de terror e morte do Holocausto. Sete décadas volvidas da libertação de Auschwitz e no ano em que o mundo assinala o 70.º aniversário da vitória sobre o nazi-fascismo, antigos prisioneiros e libertadores vivos deparam-se com a realidade crua da guerra civil na vizinha Ucrânia.

Como foi possível aqui chegar, interrogar-se-ão muitos. A guerra já havia regressado à Europa nos anos 1990, no processo de destruição da Iugoslávia, com o concurso e promoção de forças criminosas, abertamente terroristas. Trazida pelas mesmas mãos de sempre, ao sabor dos interesses do grande capital e em sintonia com a agenda militarista do imperialismo, neste tempo exacerbado de aprofundamento da crise estrutural.

Agora, um leque empoeirado de forças reacionárias, incluindo assumidamente neonazistas e obscuras figuras da oligarquia e dirigentes em clara deriva nacionalista pró-fascista, assume um papel preponderante nos acontecimentos, que desde o triunfo do golpe de estado da Maidan, há um ano, conduziram à guerra de agressão no Donbass e ameaçam precipitar a Ucrânia no abismo da divisão e conflito fratricidas generalizados.

A campanha de mistificação e revisão da história e branqueamento do nazi-fascismo produz hoje fruta madura. Em maio de 2005, Bush arremetera contra Yalta, apregoando uma “nova ordem internacional de liberdade”. O culto oficial de Bandera em Kiev é tributário do objetivo nodal de enfraquecer e subordinar a Rússia, elemento prioritário da estratégia hegemonista de Washington. Como o demonstra o exemplo da Ucrânia, a barragem ideológica e o ajuste de contas com o movimento revolucionário e as rupturas e avanços emancipadores legados pelo século 20 converte-se hoje numa força tangível.

Tal como os crimes genocidas diariamente perpetrados pela junta de Kiev contra a população ucraniana do Donbass, não cessa a perseguição do PCU e a sanha para apagar a verdade histórica e operar a completa inversão de valores. Na Polônia, as comemorações do Dia Internacional da Memória do Holocausto, coincidentes com a data da libertação do campo de concentração, não escaparam à onda manipuladora.

O MNE polaco, Schetyna, numa tirada delirante afirmou que Auschwitz foi “libertado por ucranianos”, misturando a designação geográfica do corpo soviético a que pertenciam as unidades libertadoras com a sua composição (multi)nacional e aviltando a memória dos 600 mil soldados soviéticos tombados na libertação da Polônia. Dias antes, Iatseniúk, primeiro-ministro ucraniano, fora mais explícito, ao afirmar na Alemanha que “a agressão russa na Ucrânia é um ataque contra a ordem mundial e a ordem na Europa.

Tudo isto lembra claramente a invasão soviética da Ucrânia e da Alemanha” [em 1945]. É esta a gente que os EUA, UE e a Otan auspiciaram no poder há um ano em Kiev. Não haveria guerra sem o seu beneplácito. Inquietos com a sustentabilidade do poder de Kiev e o destino da operação no Donbass, Merkel e Hollande alçam agora as asas de pombas. Obama chantageia com o envio de material “letal”. É urgente parar a guerra. Mas não haverá paz efetiva sem extirpar as causas profundas do conflito e afastar as forças golpistas, títeres, que dilaceram a Ucrânia.

Luís Carapinha é membro da Seção Internacional do Partido Comunista Português