Falta d’água e dengue: Os bairros mais afetados pela crise hídrica
O ônibus demora pelo menos 40 minutos para concluir a travessia entre o metrô Corinthians-Itaquera e o bairro de Cidade Tiradentes, São Paulo, com seus 220 mil habitantes. A trajetória do transporte coletivo até o terminal rodoviário faz os prédios diminuírem, chegando até um um lugar que mistura comércio de rua, fiação exposta dos postes e casas com tijolo baiano visível.
Por Pedro Zambarda de Araujo*, no Diário do Centro do Mundo
Publicado 22/04/2015 16:17
Do terminal até o Hospital Municipal Cidade Tiradentes, eu fiz o caminho todo a pé, entrando em ruas e vielas para ver como estava a vida de um dos bairros mais afetados pela crise hídrica. De acordo com a Sabesp no mês de janeiro de 2015, a região fica sem água por um período de 18 horas por dia. Ou seja, a pressão dos canos é diminuída entre o horário do almoço e a manhã seguinte.
Cidade Tiradentes fica mais tempo assim do que a Lapa (17 horas), Perus (15 horas), Pirituba (15 horas), Santo Amaro (14 horas) e Parelheiros (12 horas).
“Tem dias que acaba às 11 horas da manhã e tem dia que vai até 14 horas. Só volta às 6 horas. Sou comerciante e isso já prejudicou minha lanchonete. Ficamos sem água para lavar os pratos e tivemos que comprar uma caixa. Quando a gente liga pra Sabesp, eles nunca têm previsão. Duas irmãs minhas têm criança pequena e elas sempre têm que tomar banho logo de manhã, no baldinho”, me disse Neida, vendedora de salgadinhos de 36 anos.
Segundo ela, sua família evita utilizar o banheiro e se limpar durante o dia. Ela mora sozinha com a filha e elas lavam roupa apenas uma vez por semana.
Dona Neida diz que as chuvas atípicas de fevereiro e março não mudaram em nada a situação de Cidade Tiradentes. Suas irmãs dividem uma única caixa d´água, vivem numa situação de aperto e mesmo assim já pagaram multa da Sabesp. “A conta delas veio 75 reais, alto demais, porque era normalmente 20 reais mais barato. Teve outra vizinha nossa que pagou mais sendo que ela reduziu o consumo”.
A Sabesp determinou que quem consumir até 20% além de sua média entre fevereiro de 2013 e janeiro de 2014 pagará uma taxa de 40%. Caso você ultrapasse 20%, sobe para 100%. Mas há pessoas em Cidade Tiradentes numa situação ainda mais alarmante.
“Passei o mês inteiro sem água”
A rua Ernesto Goud corta a Avenida dos Metalúrgicos. Há uma base da Polícia Militar e viaturas que circulam pela comunidade. Na avenida, carros correm e não há um semáforo para evitar acidentes. O barulho dos carros se confunde com as brincadeiras de crianças em uma escola municipal, que fica na frente de um parque de diversos.
“Moço, eu prefiro que você não saiba meu nome, mas preciso que acredite em mim. No mês de março, nós passamos praticamente todos os dias sem água. Mesmo tendo que ir para a casa de parentes com caixas d´água, eu continuei pagando 150 reais de condomínio, o que inclui a conta da Sabesp. O que passamos é um absurdo”, me disse uma senhora que pediu para não ser identificada. Ela levava roupas para serem limpas na casa da melhor amiga.
“Nós estamos com muitos casos de dengue na rua. Muita gente evita sair de casa por causa disso. A gente tá no aperto. Só quem tem três caixas d’água passa um dia atrás do outro sem aperto”, disse a vizinha. As duas estavam indignadas com o quanto pagavam de contas e como, mesmo assim, os governos as tratam com desdém.
A mulher conta que deixou de tingir o cabelo de loiro, mostrando fios longos e brancos sem nenhum corte. “Estamos com falta de água e surto de dengue ao mesmo tempo. O hospital da prefeitura aqui perto não tem médico pra atender tanta gente. Além disso tudo, estou pagando 100 reais de conta de luz”, completou.
Cidade Tiradentes está com 41,2 casos de dengue para cada 100 mil pessoas, o que não caracteriza uma epidemia. Bairros como Pari já registram 341 em uma concentração menor de pessoas, enquanto Vila Brasilândia registrou 217 pessoas doentes em média. Os dados são da Secretaria Municipal de Saúde.
Moradores que ajudam uns aos outros
“Posso te ajudar na sua matéria? Conheço o pessoal da rua e acho que eles querem conversar”, me perguntou Rafael, de 12 anos, que jogava bola na rua.
O garoto me levou, junto com sua bola de capotão, até dona Benedita. “Estou cozinhando umas batatas. É rápido?”, ela me pergunta. Prometi que sim.
“No meio da tarde a gente já fica sem água e só volta na manhã seguinte. Só estou conseguindo usar a cozinha porque tenho uma caixa d’água cheia pra cuidar da casa”, disse ela. Na rua, é dona Benedita quem abastece seu próprio sobrado e uma residência em construção ao lado. A casa na lateral tem tijolos baianos expostos. As pessoas da rua Ernesto Goud tentam se ajudar compartilhando a água que estocam.
No quarteirão seguinte, duas mulheres discutem dentro de uma pequena loja de departamento. “Ah, fio, tá sem água até amanhã. É uma palhaçada. É um absurdo isso que está acontecendo.
O salão de beleza estava fechado desde o meio dia, junto com outras lojas, uma veterinária e uma padaria. Todos estavam sem água.
Onde existe rodízio?
A Sabesp, através do diretor metropolitano Paulo Massato, afirmou que a cidade de São Paulo poderia enfrentar um rodízio de cinco dias sem água por dois. Embora não seja oficial, já existem pessoas enfrentando essa situação.
“Minha nora, que mora na região mais alta de Cidade Tiradentes, fica de fato cinco dias sem água. A Sabesp tem que subir até lá para ligar bombas, senão ela fica sem nada. O caso dela tá acontecendo desde antes de novembro e foi ficando grave até este ponto”, disse João, que não revelou o sobrenome porque não recebeu a permissão do dono da sorveteria onde trabalha.
Apesar das variações de horário, Cidade Tiradentes tem seu ritmo reduzido às 16 horas, quando a água da maioria das residências e do comércio se esgota. Alguns possuem caixas para evitar o desabastecimento total. As contas encareceram.
As caixas evitam que alguns bares fechem no final da tarde, regados a carteado, sinuca e cerveja. No entanto, quando o movimento aumenta no sábado e no domingo, é comum as torneiras secarem e os comerciantes ficarem na mão.
“Tem gente que já fica sem água umas 10 horas, 11 horas da manhã, em umas ruas mais para cima. Daí só volta às 6 horas do dia seguinte. A pessoa é obrigada a tomar banho e ir para a casa do vizinho para se cuidar”, diz Luiz, que tem 22 anos. “Sempre sobra para nós”.
*Pedro Zambarda de Araujo é escritor, jornalista e blogueiro.