José Goulão: Onde põem as mãos fica o caos

Pouco mais de um ano depois da grande explosão dita democrática em Kiev, dirigida por bandos neonazistas, motivada alegadamente pela necessidade de travar e expulsar os oligarcas que tinham tomado conta da Ucrânia, o país mudou.

Por José Goulão no Blog Mundo Cão

Quem disser o contrário mente. Os oligarcas foram expulsos e substituídos por outros, aliás com muito mais prestigiadas relações, como o senhor Ihor Kolomoysky, íntimo da administração Obama, conhecido também por ter o saudável hábito de resolver os diferendos empresariais a murro e generoso empregador do senhor Hunter Biden, por acaso filho do senhor vice-presidente dos Estados Unidos da América

O mínimo que pode escrever-se é que a Ucrânia vende saúde… Para ficar sem nenhuma. Depois de a junta fascista governante ter entregue o ministério das Finanças à cidadã norte-americana Natalija Jaresko, que só depois disso obteve cidadania ucraniana – nada que deva surpreender os incautos, porque o ministro da Economia é lituano e o da Saúde é georgiano – o FMI entrou no costumeiro processo de ajuda ao país, que por enquanto vai em 40 bilhões de dólares, em troca das habituais reformas ao estilo das troicas. Neste caso específico, uma fatia de 17,5 bilhões teve como contrapartida a invasão do país pela deusa universal da contaminação, a onipresente Monsanto, agora com mãos livres para semear transgênicos onde lhe apetecer – que não no sudeste, obviamente – e aspergir o cancerígeno roundup onde lhe aprouver.

A Ucrânia governada por nazistas mereceu até uma distinção especial do FMI da senhora Lagarde, que decidiu ajudar Kiev à revelia dos estatutos da organização, que a impedem de conceder empréstimos a países em guerra. Mas quem se vai lembrar dessas coisas sem importância como as leis internacionais.

Pois bem, a economia ucraniana exibe hoje relevantes efeitos da intervenção de choque em nome da liberdade e da democracia. O desemprego cresceu em flecha, a inflação é de 65% ao mês, a produção industrial caiu 21%, segundo a imprensa norte-americana, a moeda nacional desvalorizou-se 70% em relação ao dólar e a recessão está à beira dos 7%. Diz-se que, em paralelo, grande parte das contribuições do FMI ajudam preferencialmente os oligarcas democráticos, muito ágeis a negociar as armas que a Ucrânia recebe para afrontar o diabólico Putin com várias nações do Oriente Médio, por seu turno empenhadas em animar grupos terroristas, sempre a bem da democracia. Consta também que a generosidade da senhora Lagarde serve para ressarcir os bancos franceses e alemães expostos ao caos ucraniano, mas como dirá qualquer comentador encartado, tudo isso não passa de teorias da conspiração.

Ao cabo de um ano e pouco de liberdade e democracia, quando agora se assinala o aniversário da chacina de Odessa cometida por bandos neonazistas – entretanto a receber treino militar de tropas especiais norte-americanas – e que marcou o início da operação militar contra a minoria russófona, a Ucrânia é um país fragmentado, comandado em Kiev por grupos fascistas, sofrendo uma profunda crise humanitária, onde desaparecem pessoas, se assassinam jornalistas e fecham jornais, se impõem leis banindo forças políticas de oposição, como é o caso dos comunistas, onde a economia se debate num estertor sem conserto.

A Ucrânia mergulhou no caos, a exemplo do que acontece na Síria, na Líbia, no Iraque, no Afeganistão, no Iêmen… Onde os cruzados ambulantes da liberdade e da democracia põem as mãos, seja sob as bandeiras dos Estados Unidos da América, da Otan ou da União Europeia, o que fica é morte, destruição, crises humanitárias, nações aos pedaços… O caos, em suma. O mais provável é que seja uma infeliz coincidência.

José Goulão é jornalista