Dão Real Pereira: Privilégios de sonegador
O escândalo da corrupção no Carf (Operação Zelotes) apenas revela a existência de mais um dos grandes entraves à efetividade da justiça fiscal, na medida em que escancara a fragilidade estrutural do referido conselho, composto de forma paritária por auditores fiscais da Receita Federal e por representantes dos contribuintes, advogados tributaristas normalmente vinculados a escritórios especializados na defesa de contribuintes autuados.
Por Dão Real Pereira
Publicado 23/05/2015 10:34

Quando se fala em justiça fiscal logo pensamos nas injustiças do sistema tributário, na regressividade da carga tributária e nas conjunturas políticas e sociais que reproduzem esse modelo. Associamos sempre o tema à ideia de que o sistema fiscal só seria justo quando cobrasse mais de quem tem mais e menos de quem tem menos e devolvesse mais para quem tem menos e menos para quem tem mais, cumprindo, assim, sua função de instrumento para a redução das desigualdades.
Normalmente não nos lembramos da administração tributária, das estruturas de julgamento do contencioso e das estruturas de cobrança dos créditos tributários, também recheadas de instrumentos moldados para agravar a injustiça fiscal inerente ao próprio sistema. As precariedades estruturais das administrações tributárias e das estruturas de cobrança dos créditos tributários, somadas à exacerbação dos instrumentos disponibilizados aos devedores para contestação do direito e dever que tem o Estado de buscar a recuperação dos tributos, são fatores que potencializam a injustiça na medida em que concorrem para facilitar e estimular a sonegação especialmente das classes que já são menos tributadas.
A distribuição de privilégios aos ricos, portanto, não se restringe a uma tributação inexpressiva sobre o patrimônio, a riqueza e a renda do capital, em detrimento dos mais pobres, onerados por uma elevada tributação sobre o consumo, mas também se reflete num conjunto de elementos estruturais que proporcionam um sem-número de caminhos para que as classes mais ricas possam ainda escapar da pouca tributação que lhes cabe.
A composição do estoque de contencioso administrativo existente no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) é bastante reveladora do que dissemos acima. Dos cerca de R$ 500 bilhões em autuações feitas pela Receita Federal, que correspondem a aproximadamente 120 mil processos, 67% referem-se a apenas 0,7% do total de processos. Esse dado revela que dois terços do valor que está sendo discutido no Carf são de grandes empresas, pois são autuações com valores superiores a R$ 100 milhões.