Novo fato reabre possibilidade de Neruda ter sido vítima da ditadura
Uma descoberta realizada por peritos espanhóis da Universidade de Múrcia reacendeu a polêmica em torno da morte do poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973).
Por Victor Farinelli*, na Opera Mundi
Publicado 31/05/2015 14:48
Segundo os investigadores, os restos exumados continham “diferentes espécies de proteínas bacterianas, algumas relacionadas ao câncer de próstata avançado, que já havia sido comprovado a partir de exames médicos da época, e outras que abrem a possibilidade de que ele tenha sofrido um processo infeccioso agudo, independente do processo cancerígeno, em suas últimas horas de vida”.
O promotor público Mario Carroza, que lidera a investigação sobre a causa da morte de Neruda, pediu prudência sobre os resultados revelados. “Assim como não concluímos o caso com a perícia de 2013, tampouco vamos concluir algo agora, sem ter todas as certezas que precisamos”, afirmou.
Para Carroza, como os resultados não concluem que o novo grupo de proteínas bacterianas encontrado seria o causador da morte, trata-se do “começo de uma nova linha de investigação”.
A exumação
A exumação dos restos mortais do poeta foi realizada em 2013 e diferentes equipes participaram do processo. Em novembro daquele ano, foram publicados os resultados dos estudos feitos pelos pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte e pelos profissionais do Serviço Médico Legal do Chile, ambos apontando que a causa da morte havia sido definitivamente o câncer de próstata.
Apesar de não ter participado do processo de exumação, o legista Luis Ravanal questionou à época o método utilizado pelos pesquisadores e afirmou que “o trabalho foi teleguiado pela Fundação Neruda para buscar apenas elementos que tivessem relação com o câncer de próstata”.
As controvérsias
A morte de Neruda aconteceu no dia 23 de setembro, doze dias depois do golpe de Estado de 1973, que derrubou Salvador Allende e iniciou a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). O atestado da época apontou como causa da morte uma parada cardiorrespiratória. Dias depois, a Clínica Santa Maria, onde o poeta ficou internado em seus últimos dias, emitiu um documento dizendo que o poeta havia falecido por complicações devido ao avançado câncer de próstata do qual sofria.
Essa versão oficial começou a ser contestada somente em 2011, quando Manuel Araya, um ex-militante do Partido Comunista, que trabalhou como assessor pessoal de Neruda em seus últimos anos, afirmou em entrevista ao jornal mexicano La Jornada que Neruda havia sido assassinado pela ditadura e que a Fundação Neruda extorquiu a viúva Matilde Urrutia para obter a posse do patrimônio legado pelo poeta.
A partir do depoimento de Araya, o Partido Comunista do Chile, no qual Neruda foi militante, solicitou uma investigação sobre a causa de sua morte, ao qual obteve apoio de representantes da família.
No último fim de semana, dias antes do anúncio da descoberta da nova bactéria, a Fundação Neruda solicitou o fim das investigações, alegando que “já se passou um tempo mais que suficiente discutindo esse tema, e os restos do poeta precisam descansar em paz”.
A iniciativa foi contestada imediatamente pela família de Neruda, através do advogado Rodolfo Reyes, sobrinho do poeta: “o comunicado é incoerente, ilógico e torpe, pois revela quem não está interessado em chegar até a verdade sobre o caso”.
Desde o surgimento do testemunho de Manuel Araya, o Partido Comunista e a família Reyes questionam a atividade da Fundação Neruda, que administra as três casas-museu (La Chascona, em Santiago; La Sebastiana, em Valparaíso; e Isla Negra, em El Quisco), além de todo o seu patrimônio material e literário.
Sem possuir nenhum vínculo com os parentes vivos do poeta, os donos da Fundação Neruda são os irmãos Aida e Agustín Figueroa, sendo este último apontado pelo advogado Eduardo Contreras como “um empresário ligado ao partido pinochetista UDI”.
O legado
Um dos poetas mais importantes da América Latina, Pablo Neruda (pseudônimo de Neftalí Reyes Basoalto) foi vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1971, o segundo recebido por um latino-americano.
Além da literatura, Neruda teve importante atuação política. Foi senador em seu país e militante do Partido Comunista – fugiu do Chile em 1949, devido à lei que colocava o PC na clandestinidade. Em 1971, após receber o Nobel, voltou ao Chile para apoiar o governo da Unidade Popular, de Salvador Allende (1970-1973).