Leônidas Pires Gonçalves, ex-chefe do Doi-Codi – a morte não o absolve

Na última quinta-feira (4) morreu o general Leônidas Pires Gonçalves, aos 94 anos. Seu corpo foi velado no sábado (6), no Palácio Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Durante o velório sucederam-se as declarações elogiosas, como é natural em tais ocasiões.

Por Wevergton Brito Lima, Portal Vermelho 

General Leônidas Pires Gonçalves

Estiveram presentes figuras graduadas, como o ex-presidente José Sarney, de quem Leônidas foi Ministro do Exército durante os cinco anos do seu governo (1985-1990), Moreira Franco, ex-governador do Rio de Janeiro, dentre outros, inclusive gente da estirpe do deputado federal Jair Bolsonaro. O Ministro da Defesa, Jacques Wagner, enviou um representante oficial – o general de Exército José Carlos De Nardi – gesto absolutamente dispensável, tanto pelo que representa um governo democrático e progressista quanto pelo que representou o falecido general.

Entusiasta do golpe militar de 1964, que mergulhou o Brasil em mais de 20 anos de uma ditadura que prendia e torturava opositores e censurava artistas e qualquer um que fizesse críticas ao regime, Leônidas Pires Gonçalves chefiou o Doi-Codi do I Exército no Rio de Janeiro entre março de 1974 e janeiro de 1977.

Entre outras operações, foi um dos organizadores da chacina da Lapa, em São Paulo, episódio em que a repressão atacou uma reunião do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), assassinando a tiros os dirigentes Pedro Pomar e Ângelo Arroyo. Outro dirigente, João Batista Drummond, preso na ocasião, foi submetido a bárbaras sessões de tortura e faleceu pouco depois.

Leônidas sempre negou que, durante a época em que chefiava o Doi-Codi, tenha havido tortura, o que é preciso mais do que boa vontade para acreditar.

Em entrevista concedida em abril de 2010 ao jornalista Geneton Morais Neto, o general mostra orgulho dos assassinatos que ordenou e da função que desempenhou na ditadura. Uma simples leitura da transcrição (clique aqui) serve para revelar muito do caráter dos militares que mergulharam o Brasil no regime autoritário.

Em 2012, revoltado com os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, instalada pela presidenta Dilma Rousseff, ameaça com novo golpe militar, caso o Supremo Tribunal Federal (STF) em algum momento revisse a Lei da Anistia. Declarou Leônidas, na ocasião, ao jornal O Estado de S. Paulo: “Se quiserem fazer pressão no Supremo, o poder moderador tem de entrar em atuação no país”. Como registrou na época o jornalista e membro do Comitê Central do PCdoB, José Carlos Ruy: “poder moderador é o eufemismo usado por estudiosos, chefes militares e políticos de gerações mais antigas, como a do general, para referir-se às Forças Armadas e sua intervenção golpista contra a normalidade democrática”.

Leônidas tinha em mente, provavelmente, o preocupante (para ele) exemplo da vizinha Argentina, onde o general golpista Jorge Rafael Videla, foi condenado em 2010 à prisão perpétua por crimes de lesa-humanidade. Morreu na cadeia, assim como outros verdugos latino americanos.

O general Leônidas Pires Gonçalves não tinha, na verdade, motivos para temor, pois ainda precisamos, como nação, avançar muito em termos de consciência democrática. Assim, apesar de citado no relatório da Comissão Nacional da Verdade como um dos 377 agentes do Estado que atuaram na repressão política e foram responsáveis, direta ou indiretamente, pela prática de tortura e assassinatos durante o regime militar, Leônidas morreu livre e cercado de elegias.

O momento, sempre delicado, de consternação dos familiares e amigos do general não pode nublar ou falsificar o seu papel na história recente da nação, embora o sentimento de luto deva sempre ser objeto de respeito. Respeito esse, aliás, que os parentes de torturados e mortos pela ditadura jamais tiveram do regime ao qual Leônidas serviu com tanto zelo e dedicação.