Ângelo Alves: A crise da UE e a “experiência” grega

Nas eleições de 25 de janeiro de 2015 o povo grego, massacrado por anos de empobrecimento, ferido nos seus direitos sociais, laborais e de soberania, expressou a inequívoca rejeição da política de austeridade e de submissão à UE a aos ditames da troika. A mensagem com destinatários internos e externos foi muito clara: basta, chegou o tempo de mudar!

Por Ângelo Alves*

Grécia - Jornalistas sem Fronteiras

As eleições gregas foram uma importante expressão política de uma revolta generalizada que há muito se fazia sentir em poderosas lutas populares. Não há dúvidas sobre o que moveu aquele povo – a vontade de mudar e de pôr termo ao ciclo de violenta exploração e empobrecimento a que foi sujeito.

Esse fato, numa União Europeia corroída por uma forte crise econômica e social e de crescentes atentados à democracia política, à soberania e à dignidade dos povos, constitui um acontecimento de grande importância que traz para a ribalta os aspectos mais políticos da crise do capitalismo e que exige de um partido como o nosso uma atenta observação, partindo sempre do princípio basilar de que a realidade de cada país tem as suas próprias especificidades e particularidades e de que é ao povo grego que compete gerir os destinos da Grécia.

A “velha” luta de classes

Faltam, ao momento da redação deste texto, poucos dias para a reunião do Eurogrupo que teoricamente fecharia o “acordo” entre a Grécia e as chamadas “Instituições” (FMI, BCE e UE). O desfecho desse processo é incerto. Mas, mais do que tentar prever desfechos, é importante reter a natureza deste processo dito “negocial”.

De um lado, um país endividado, empobrecido, cercado econômica e financeiramente, sujeito a um garrote financeiro. Do outro, a superestrutura do capitalismo europeu, munida de sofisticados instrumentos de condicionamento e chantagem, a agir de acordo com os interesses do grande capital (nacional e multinacional) e das principais potências europeias, com destaque para a Alemanha.

De um lado, um governo que afirma querer dar resposta às mais urgentes necessidades de combate à “crise humanitária”, mas que o quer fazer sem pôr em causa a UE e o Euro. Do outro, um diretório de potências e um conjunto de “instituições” que elegeram as regras por si definidas como autênticos dogmas, usando tais “regras” e a dependência financeira para impor a política do “quero, posso e mando” e levar o novo governo grego a abandonar o seu próprio programa eleitoral.

Como é relativamente fácil de constatar, este processo não é verdadeiramente uma negociação. Trata-se antes de arrogantes exigências e imposições de uma das partes, desrespeitando a vontade soberana de um povo. Mas é também necessário sublinhar que não estamos perante um embate frontal entre duas visões antagônicas relativamente à política, à economia e ao processo de integração capitalista europeu. O governo do Syriza tem afirmado não pretender pôr em causa os principais pilares da UEM e da UE, sendo possível identificar no seu programa uma filosofia econômica situada no campo da socialdemocracia e do keynesianismo.

Mas se é verdade que o governo grego está longe de ter a coerência e a determinação necessária para enfrentar tão complexa situação, e que o seu programa não assume verdadeiras rupturas nos planos da política econômica ou de relações com a União Europeia, também é verdade que a radicalidade da situação e a inequívoca vontade popular de mudança podem empurrar o governo grego para um embate que este não quer e para o qual não está preparado política e ideologicamente, já que ele teria um carácter de classe abertamente anti-imperialista e anti-monopolista, obrigaria à definição de linhas claras de ruptura e ao enfrentamento direto com os interesses da grande burguesia nacional.

O círculo vicioso do empobrecimento, endividamento e dependência

As eleições gregas realizaram-se num contexto de uma muito profunda e prolongada crise econômica e social. Uma crise resultante das políticas do PASOK e da Nova Democracia e da integração capitalista europeia, mas que foi brutalmente aprofundada pela eclosão da crise econômica do capitalismo na Europa e pelos “memorandos de entendimento”.

Em seis anos a Grécia perdeu mais de um quarto do seu PIB e a sua dívida pública explodiu de 107,4% do PIB, em 2007, para mais de 176% em setembro de 2014. O “ajustamento” a que a Grécia foi sujeita saldou-se numa autêntica catástrofe social e numa enorme destruição de forças produtivas – dois fatores essenciais para o grande capital tentar fazer frente à baixa tendencial da taxa de lucro e à crise de sobre-produção e sobre-acumulação de capital.

É este o “ajustamento” de que tanto fala a UE e os governos submissos aos seus ditames. Um ajustamento das condições de vida dos trabalhadores às necessidades do capital. Ajustamento que passou por uma transferência colossal de rendimentos do trabalho e de fundos públicos diretamente para os cofres do grande capital, por uma descida abrupta dos custos unitários do trabalho (nomeadamente por via da descida dos salários), por um ataque desenfreado aos direitos sociais e laborais, por um aumento exponencial do exército de reserva de desempregados, por um gigantesco programa de privatizações e pela redução dos “gastos” do Estado nas funções sociais, destruindo serviços públicos e pondo em causa essas funções sociais.

Trata-se de um processo que bem conhecemos em Portugal com o Pacto de Agressão das troikas e que na Grécia foi ainda mais violento. O desemprego atingiu máximos de 28% da população ativa, segundo dados oficiais (e nos jovens trabalhadores ultrapassa os 50%). Só na administração pública 30% dos trabalhadores perderam o emprego.

Direitos e condições mínimas de sobrevivência das massas foram postas em causa, como habitação, o acesso à eletricidade, a própria alimentação, saúde e acesso a medicamentos. Segundo dados do Eurostat, 35,7% da população grega (cerca de 4 milhões de pessoas) estava na pobreza ou em risco de pobreza no ano de 2014, e segundo dados do governo os trabalhadores perderam 50% do seu poder de compra durante o período de aplicação dos dois “memorandos de entendimento” a que a Grécia já foi sujeita.

Mas a situação é ainda mais complexa. Fruto dos “empréstimos” contraídos pela Grécia, cerca de 80% da dívida grega está concentrada nas mãos dos “credores institucionais”» – Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF), o BCE e o FMI. Esta realidade faz com que o país esteja quase completamente dependente da UE e do BCE no que toca ao financiamento da sua economia e ao funcionamento do Estado.

Falamos de um país esbulhado da sua soberania, com o seu sistema produtivo destruído em larga escala, ou entregue ao capital estrangeiro, cuja sobrevivência a conta-gotas está nas mãos daqueles que dentro e fora da Grécia lucram com a exploração daquele povo e da submissão daquele país. As regras e condicionalismos da União Econômica e Monetária fecham o cerco. Numa situação em que é por demais evidente a necessidade de uma política monetária própria para romper bloqueios de financiamento, a Grécia vê-se impedida de recorrer ao seu banco central para financiar o Estado, tendo este que se financiar a curto prazo junto da banca privada, que por sua vez se financia junto do BCE de acordo com as suas regras discricionárias.

Ou seja, e tentando simplificar o que é extraordinariamente complexo: por um lado, o grande capital e a UE utilizaram a fragilidade da economia grega e a sua associação à UEM, para, antes e durante a crise, empobrecer drasticamente o povo e endividar o país. Agora esse empobrecimento e endividamento são utilizados para colocar a Grécia numa situação de completa dependência econômica e política. Tal como em Portugal, os fios condutores deste processo são os “dois memorandos de entendimento” a que a Grécia foi sujeita e os condicionalismos da UEM e da UE. O balanço é claro e parece um paradoxo, ou uma espécie de loucura: a Grécia teve de se endividar brutalmente para pagar a sua completa submissão aos interesses alheios ao seu povo. Teve de pagar para empobrecer.

As eleições, o novo governo e as pressões da UE

Foi neste contexto que se realizaram as eleições de 25 de janeiro. Os partidos que foram conjunta ou alternadamente responsáveis pela aplicação dos “memorandos de entendimento” e que se apresentaram às eleições com programas de continuidade (PASOK e Nova Democracia) foram severamente derrotados, tendo obtido uma expressão eleitoral combinada de 32%, quando, em setembro de 2007, totalizavam 80% dos votos. Uma autêntica reviravolta no quadro partidário grego, indissociável dos poderosos processos de luta de massas que desde 2008 se desenvolvem na Grécia, processos nos quais o movimento sindical de classe e o Partido Comunista da Grécia tiveram papel central e determinante.

O Syriza é o partido mais votado com 36,3%, tendo ficado a dois deputados da maioria absoluta e avança para uma coligação com o partido de direita Gregos Independentes.

O resultado das eleições gregas fez soar todas as campainhas de alarme em Bruxelas, Berlim e outras capitais. As televisões repetiram à exaustão que os gregos tinham dado a vitória eleitoral a um “partido radical de esquerda”, alguns atreveram-se a afirmar que os gregos tinham tomado uma decisão irresponsável. Na sequência das inaceitáveis pressões que tentaram condicionar as escolhas do povo grego, Angela Merkel não esperou nem 24 horas para dar o tiro de partida na escalada de chantagens e ameaças. No dia 26, o seu porta-voz afirmava “esperar que o novo governo grego cumpra os seus compromissos com os credores internacionais” e para que não restassem dúvidas precisou: “isso implica a Grécia cumprir os compromissos que assumiu anteriormente”. Posições que Passos Coelho acompanhou com irresponsáveis e insultuosas declarações, afirmando com arrogância o propósito de continuar em Portugal com as mesmas políticas destruidoras.

Desde então e até hoje a estratégia da UE tem sido clara e constante. Se até janeiro de 2015 a Grécia foi uma “experiência” para aferir até onde se podia esticar a corda social, para se perceber até onde é que um povo aguentava uma regressão brutal nas suas condições de vida – uma espécie de lição sobre os limites do “ajustamento” –, depois de janeiro de 2015 a “experiência” assume contornos mais visivelmente políticos e ideológicos e visa enviar a todos aqueles que ponham em causa o Euro e os pilares da UE a mensagem de que só há uma política possível e que nem a vontade de um povo a pode mudar, doa a quem doer… e sabe-se bem a quem dói.

O porquê das pressões…

Mas por que este “nervosismo” da UE, por que tantas pressões? O governo grego põe em causa o processo de integração capitalista europeu? Tem como objetivo operar rupturas no relacionamento com a UE ou a UEM? Na nossa observação a resposta é não.

Analisando o Programa de Thessaloniky cedo se percebe que a filosofia do governo grego passa por dar resposta aos gravíssimos problemas sociais por via de uma política com um forte pendor assistencialista de emergência e por via de medidas de recuperação de direitos e condições de vida – alterações na política fiscal, aumento de salário mínimo, combate ao desemprego, recuperação dos direitos da contratação coletiva, entre outras.

A vertente econômica do programa assentava, na sua versão inicial, em dois pilares fundamentais: um primeiro, de estímulo ao consumo e à procura, sem contudo proceder a modificações de monta na questão central da oferta e do papel do Estado no desenvolvimento das forças produtivas; um segundo, de abandono do “memorando de entendimento” e de renegociação da dívida, por forma a encontrar “espaço” para financiar as políticas sociais e de recuperação de direitos, políticas que por sua vez iriam aumentar a procura criando assim um círculo virtuoso em oposição ao círculo vicioso do endividamento e empobrecimento.

Questões como nacionalização dos bancos ou de setores estratégicos da economia ficaram de fora do programa do Syriza e do programa do governo, bem como alterações do quadro de integração da Grécia na UE. Neste ponto é, aliás, visível a natureza socialdemocrata da orientação dominante no Syriza ao defender linhas como o "quantitative easing" do BCE com compra direta de títulos de dívida aos Estados, uma reforma do Pacto de Estabilidade e Crescimento cujo ponto forte seria a exclusão do investimento público das restrições do Pacto ou ainda um “New Deal” europeu de investimento público financiado pelo Banco Europeu de Investimento.

Trata-se de medidas que poderiam aliviar a situação grega, mas que, se não acompanhadas de outras visando a reversão do atual rumo da integração capitalista europeia, se enquadram numa opção que vários designam de “europeísta de esquerda” e que no essencial alimenta a ilusão de que é possível reformar por dentro a UE sem, contudo, pôr em causa a sua natureza de classe e as suas estruturas e pilares.

Limites e margens de manobra…

O governo grego aceitou um terreno de negociação e de batalha política cujos limites são muito apertados. Se pensou alargar aos poucos a sua margem de manobra, a realidade está a revelar que essa possibilidade é praticamente nula. Iniciando o seu mandato com ações simbólicas afirmativas da soberania e da luta antifascista na Grécia e com promessas sobre a reestruturação da dívida (nomeadamente sobre o corte do seu montante para metade), interrupção das privatizações, recusa da lógica dos “memorandos” e aumento imediato do salário mínimo, o governo grego passou em 20 de fevereiro, aquando da primeira reunião do Eurogrupo, para uma posição de aceitação de um “programa ponte” que envolve os mesmos atores (FMI, BCE e UE) e que tem uma natureza política e objetivos em tudo semelhantes ao “memorando de entendimento”. No que toca a conteúdos, a renegociação da dívida foi substituída por um compromisso de “a Grécia cumprir todos os compromissos com os seus credores”, a recusa das privatizações foi substituída por um compromisso de respeitar os contratos de privatização já firmados (nomeadamente os do Porto de Pireu e da Companhia de Eletricidade) e de prosseguir as privatizações já lançadas. O primeiro pilar do programa de Thessaloniky – o combate à crise humanitária – foi ou mitigado ou adiado em algumas das suas medidas mais emblemáticas como o aumento do salário mínimo.

É certo que o governo grego tenta explorar o espaço exíguo que tem para implementar algumas medidas de emergência. Porém as “instituições” revelam-se irredutíveis e usam todo o seu “poder de fogo” para tentar impedir toda e qualquer medida que ponha em causa o aumento da exploração e “asfixiar” financeiramente o governo grego, tentando assim fazer da Grécia a tal “vacina”, um aviso a todos os que “ousem” pôr em causa o status quo do imperialismo europeu.

O garrote do financiamento e o “fim da linha”

E é aqui que chegamos ao momento atual. Toda a “artilharia pesada” do grande capital e da UE está a ser usada para vergar por completo o governo da Grécia e levá-lo a renunciar, uma a uma, a todas as suas promessas eleitorais.

Em primeiro lugar, as “instituições” (BCE e UE) cortaram, desde agosto do ano passado, qualquer financiamento à Grécia. Primeiro, com o argumento da clarificação política e da decisão relativamente ao prolongamento do memorando, depois com a chantagem da necessidade de um “acordo político” para libertar a última tranche do mal chamado “empréstimo”.

Esta situação é ainda mais dramática se considerarmos que, nos meses de maio, junho e julho, o Estado grego terá de pagar empréstimos e cumprir outros compromissos decorrentes da sua astronômica dívida e dos juros que lhe estão associados. Simultaneamente, o grande capital nacional já operou uma muito significativa fuga de capitais do país, criando uma séria crise de liquidez na própria banca grega. Só nos dois primeiros meses do ano terão saído dos cofres dos bancos gregos cerca 20 bilhões de euros.

Esta crise de liquidez é por sua vez a “justificação” para mais pressão, tal como o demonstra a recente decisão do BCE de “proibir” a utilização para a compra de Títulos do Tesouro, invocando a situação muito frágil da banca e da economia

O governo grego, impedido de emitir moeda e não assumindo o controlo da banca e da fuga de capitais, recorre a grandes engenharias financeiras internas para poder continuar a financiar o Estado. Mas o “ar” já está a faltar e isso influencia e de sobremaneira a sua capacidade de reação à pressão externa, articulada com a ação silenciosa e perniciosa do grande capital grego, para manter o status quo dos “memorandos”, do empobrecimento e da dependência.

Uma pressão que, depois de uma pequeníssima pausa nos dias que se seguiram ao acordo de 20 de fevereiro, está ao momento da redação deste texto levada ao extremo. Não obstante, algumas medidas que o governo grego tem conseguido implementar, o que resulta destes três meses, é que a Grécia está a ser espremida por um triplo tenaz de chantagem política, de cerco econômico e de estrangulamento financeiro.

Aproximam-se momentos decisivos. Por um lado, o grande capital e a UE não “podem” permitir que a Grécia se torne num exemplo de “maleabilidade”, pois isso enfraquece o poder do diretório de potências e a “autoridade” alemã e contraria o sentido do processo de integração capitalista. Mas, por outro lado, esse mesmo esticar de corda pode conduzir a rupturas que bulem não só com a questão da “estabilidade”» do Euro e da UEM, mas também com outras grandes questões como o papel da UE no Mundo e em particular no Mediterrâneo Oriental, nos Balcãs e no Leste da Europa. É importante recordar que a Grécia é membro da Otan e está situada numa zona de alto interesse estratégico para o imperialismo. Portanto, potências como os EUA também acompanham atentamente a evolução dos acontecimentos e seria ingenuidade pensar que não estão a intervir sobre eles.

Todos os intervenientes neste processo sabem bem o que está em causa. A questão grega adquiriu relevância no plano internacional porque acaba por sintetizar várias tendências e fenômenos que se manifestam profusamente em tempos de rápido aprofundamento da crise estrutural do capitalismo e de complexa rearrumação de forças no plano internacional. É assim que poderemos ler a decisão do governo grego de jogar também a cartada das relações internacionais, nomeadamente com a visita à Rússia, mas também aos EUA. E daí também o tom ameaçador da Comissão Europeia, afirmando que “todos os membros da família europeia não têm de, necessariamente, viajar para os mesmos sítios, mas são todos membros da família e têm a mesma visão do mundo”. Uma afirmação que dispensa comentários e que diz muito sobre a natureza imperialista da UE.

Ensinamentos para a nossa luta

A observação destes últimos meses faz sobressair uma ideia importante: é que a crise do capitalismo é tão profunda, a fusão entre o grande capital (nacional e transnacional) e as instituições europeias atinge um tal nível, os condicionalismos do Euro e da UE são tão asfixiantes, que mesmo um programa mínimo que não sai dos limites do “sistema” e que não proclama o objetivo de recuperar instrumentos de soberania econômica, monetária e política tem pouco ou nenhum espaço para ser posto em prática.

Porquê? Por causa da fuga para diante da UE no contexto do aprofundamento da crise do capitalismo. Uma crise que está longe de estar resolvida, que fragilizou não só a economia capitalista, mas também as estruturas de poder do grande capital. No continente europeu, o grau de fusão do poder econômico com o poder político foi tão longe, o predomínio do capital financeiro é tão grande, que contrariamente a outros momentos históricos, não existe espaço no atual quadro da UE para uma “saída keynesiana” da crise. A palavra de ordem é destruir forças produtivas, aumentar a exploração, concentrar o mais possível o capital e o poder político e limitar ao máximo a soberania e a democracia.

Poderia parecer um paradoxo, mas não é. Esta estratégia demonstra a natureza e o poder do processo de integração capitalista, mas é simultaneamente um sinal da sua crise de legitimidade e da sua fraqueza. A vontade do povo grego é perigosa para o edifício de poder da UE e é por isso que a reação passa por “domar” a Grécia e o seu governo.

A realidade na Grécia, mas também em toda a UE, é de uma luta de classes muito aguda. Nessa luta, os fatores nacional e supranacional relacionam-se dialeticamente. Quem pensar que o desenvolvimento de uma política progressista, com conquistas de sentido anti-monopolista, democrática e de afirmação soberana se pode desenvolver no contexto do processo de integração capitalista europeu, ou está profundamente enganado, ou então anda a semear ilusões e a conduzir a luta dos trabalhadores e do povo para becos sem saída.

Como sempre temos vindo a afirmar, e sobretudo no momento atual, a emancipação de classe está associada à questão nacional. É essa a comprovada experiência do PCP. Recuperar instrumentos de soberania é fundamental para alcançar conquistas nos campos da justiça social, do desenvolvimento e do progresso.

Não temos qualquer pretensão de prever o desfecho da complexa situação grega, nem nos atrevemos a fazer julgamentos que só ao povo grego competem. É nosso dever, isso sim, observar e retirar ensinamentos do modo como a crise do capitalismo se expressa politicamente, quer no plano nacional, quer supranacional. E ao fazer essa análise há um dado que ressalta com grande força: o da importância da força que emana da unidade de um povo em luta. Será esse o fator que na Grécia, como em Portugal e em qualquer outro país do mundo, determinará o rumo dos acontecimentos.

Um dos fatores positivos no caso grego é que o povo tomou consciência, por via de um longo processo de luta popular e de massas, em que os comunistas gregos tiveram um papel fundamental, de que era possível mudar. Será, pois, por via dessa luta que aquele povo determinará os seus destinos e poderá transformar a profunda esperança que depositaram nas últimas eleições num avanço concreto e palpável do processo de emancipação.

Num momento em que é cada vez mais evidente a natureza exploradora e opressora do processo de integração capitalista europeu, a nossa obrigação é a de estar ao lado dos povos que estão no epicentro do terremoto que está a percorrer a Europa e expressar a nossa solidariedade para com todos os que resistem e se mobilizam para fazer frente à ditadura do grande capital e das instituições supranacionais ao seu serviço.

No nosso país enfrentamos também desafios e embates muito exigentes. A evolução da situação no continente, e sobretudo a forma como a UE se comporta nesse quadro, reforça em muito a nossa convicção de que a libertação dos graves constrangimentos externos ao desenvolvimento soberano de Portugal só pode realizar-se com uma orientação clara de ruptura com o processo de integração capitalista europeu e contando com o sólido apoio dos trabalhadores e do povo português.

Será destes embates, da nossa luta e da luta de outros povos que nascerá uma outra Europa dos trabalhadores e dos povos. Uma outra Europa que, como a realidade está a demonstrar, terá de romper com o processo de integração capitalista contrário aos interesses dos povos e aos seus direitos sociais, laborais, democráticos e de soberania.

*Membro da Comissão Política do Partido Comunista Português