João Pimenta Lopes: Glorificações da extrema-direita 

Há pouco mais de uma semana o Parlamento Europeu viu constituído, por iniciativa da "Frente Nacional" de Marine Le Pen, o grupo político de extrema-direita auto-intitulado "A Europa das nações e das liberdades".

Por João Pimenta Lopes 

Símbolos de extrema-direita na Ucrânia

Tal fato é um evidente sinal das profundas contradições do processo de integração capitalista europeu que hoje se formaliza com as vestes de União Europeia, tantas vezes propalada como um verdadeiro paladino da democracia, dos direitos fundamentais, das liberdades, mas cuja praxis se revela, sistemática e transversalmente, contrária aos princípios em que se afirma assentar.

A constituição daquele grupo poderia perfeitamente ser um ato de uma tragicomédia, não fosse ser, de fato, uma expressão bem real da evolução a que vimos assistindo do avanço das forças populistas e de extrema-direita no continente europeu.

Um avanço que resulta, inevitavelmente, das políticas capitalistas que a União Europeia impõe aos estados-membros, por via de políticas macroeconômicas de asfixia, empobrecimento e retrocesso, cerceando o legítimo direito dos povos de escolherem, livre, democrática e soberanamente, o caminho para o desenvolvimento dos seus países. Um avanço que, sendo uma expressão e consequência da evolução do sistema capitalista, surge, mais uma vez na História, como uma reserva, uma resposta de "força" das classes dominantes que assegure o seu domínio em tempos de crise, bem como a sobrevivência do sistema dominante quando esgotadas as possibilidades de o garantir no quadro da tradicional alternância entre a direita e a social-democracia.

A situação na Ucrânia

O Parlamento Europeu tem colaborado ativamente na glorificação dos movimentos de extrema-direita que tomaram de assalto o poder na Ucrânia. A par da defesa de uma Europa cada vez mais securitária e belicista, indiferente aos que morrem no Mediterrâneo em migrações que têm também o cunho da UE; ou da demonização de processos democráticos (como o venezuelano, com os argumentos mais primários), a situação na Ucrânia tem sido um dos temas favoritos da maioria no Parlamento Europeu.

Neste Parlamento, que tantas vezes é apelidado de "casa da Democracia europeia", poderiam os mais desatentos pensar que talvez o foco pudesse residir na crítica, denúncia e repúdio à gravíssima situação da Ucrânia, a consolidação de um regime totalitário de índole fascista. Poderiam ainda pensar esses incautos que no Parlamento Europeu se denunciasse o apoio financeiro da União Europeia e dos EUA às "reformas estruturais" (privatizações), ao "fortalecimento da democracia" (criminalização do comunismo) ou à renovação das infra-estruturas militares. Poderiam ainda também pensar que ali se denunciasse, no ano em que se assinala os 70 anos da vitória sobre o nazi-fascismo, o treino de batalhões mercenários nazi-fascistas, como o Batalhão Azov, por forças militares norte-americanas, as perseguições e assassinatos a antifascistas apelidados de "militantes pró-russos", ou o assalto e destruição de sedes do Partido Comunista Ucraniano.

Mas os que pensassem, ou pensem, assim estão redondamente enganados. A maioria deste Parlamento "democrático" não está nada preocupada, bem pelo contrário, com fatos como a promulgação de leis que, aprovadas no passado mês de Maio por um Parlamento composto pelas forças golpistas, criminalizam a ideologia e os símbolos comunistas, impedindo a atividade do Partido Comunista da Ucrânia assim como de outras forças democráticas e antifascistas ucranianas. Ao "democrático" Parlamento Europeu não incomoda a presença de forças fascistas no governo ucraniano e a repressão às liberdades democráticas.

Ao Parlamento Europeu importa antes prosseguir, através de inúmeros eventos, resoluções e provocações, o branqueamento histórico dos acontecimentos que conduziram à constituição do regime autoritário ucraniano, procurando impor pela força às regiões do Leste do país a hegemonia do seu poder político e nacional, abordagem unilateral que corresponde aos interesses e aspirações dos EUA, da NATO e da UE na colonização económica e política da Ucrânia e na sua estratégia de cerco e confronto com a Federação Russa.

As relações com a Rússia, outro tema da "moda" nas instituições da UE, que tem assumido uma presença transversal em praticamente todos os domínios da discussão política, confirma a posição de confronto com a Rússia que a UE, alinhada com os interesses geoestratégicos da NATO e dos EUA, tem vindo a aprofundar. São inúmeros os documentos onde se consagra a lógica da confrontação e da ruptura de relações entre a UE e a Rússia, fazendo uso de todo um argumentário de responsabilização unilateral da Rússia pelo conflito que se vive na Ucrânia.

Trata-se de uma evidente política de cerco e de ofensiva belicista, com a deslocação e concentração de poderosos meios militares da NATO no terreno, justificada com uma guerra econômica por disputa de zonas de influência, em que os interesses do diretório, não sem contradições, sempre prevalecem sobre os interesses nacionais. Mas a política de domínio neocolonial, militarista e de confronto, e de desrespeito pelos mais elementares direitos dos povos, como é bem patente fora e dentro das "fronteiras" da EU, não é sinal de força, antes de fraqueza de um processo de integração capitalista que se situa cada vez mais nos antípodas dos direitos, aspirações e vontade dos povos e que por isso, está condenado, por mais glorificações assassinas que tente…