Luís Carapinha: O caldeirão grego

Os desenvolvimentos em torno da Grécia sucedem-se a ritmo acelerado numa situação instável, atreita a piruetas e reviravoltas súbitas, cujo desfecho próximo permanece incerto. 

Por Luís Carapinha, no Jornal Avante!

Grécia

No momento em que se confirma o não pagamento de 1,6 bilhões de euros ao FMI, esgotado o prazo até recentemente tido como limiar do cenário de default e de um provável “Grexit”, intensificam-se as manobras de desestabilização e chantagem dos poderes e instâncias da UE e da troika sobre Atenas.

As jogadas opacas de bastidores e a guerra de informação e contrainformação encontram-se ao rubro depois do anúncio de Tsipras da realização do referendo de 5 de julho e de dezenas de milhares de gregos terem saído dia 29 às ruas para dizer Não ao ultimato da UE e FMI. Recorre-se aos mais variados meios para tentar condicionar e minar a realização do anunciado referendo. O ministro das finanças alemão declarou que o triunfo do Não, afinal, não equivaleria a uma expulsão da Grécia da eurozona. O FMI admite agora contemporizar com a declaração de default. Por outro lado e a par de crescentes sinais de divisão no Syriza, multiplicam-se os contatos frenéticos do Executivo grego para garantir um acordo de última hora com os “credores”, que poderia inclusive implicar na alteração da indicação de sentido de voto ou mesmo a suspensão do referendo. O que a verificar-se deixaria o Governo de coligação e, particularmente, o seu principal partido numa situação praticamente insustentável.

É óbvio que na maquiavélica maratona de ingerência e sufoco da Grécia, transformada em “jogo do gato e do rato”, há muito que jazem, inglórias, as mais elementares normas de decência e ética. Já se chegou ao ponto em que vimos surgir em cena, tal cordeirinho lamuriento, o presidente da Comissão Europeia queixando-se da ingratidão grega face às virtudes das propostas das “instituições” em prol da “justiça social”, que Angela qualificou de generosas.

O cinismo pétreo perante o drama real de um país que nos últimos cinco anos viu a economia afundar-se em 25 pontos percentuais e enfrenta uma situação de desastre social e humanitário atinge níveis atrozes. A UE deixou cair a máscara da “coesão” e solidariedade para desvelar a sua real natureza exploradora, de instrumento ao serviço dos interesses do grande capital e das potências que conformam o diretório de Bruxelas, com a Alemanha à cabeça. O percurso grego desde a aplicação do memorandum da troika mostra que está em causa, não apenas, uma agenda de expropriação e destruição da economia e soberania nacionais, mas também a desestabilização profunda do “regime”, visando a consagração de um poder antidemocrático.

Independentemente do que vier a acontecer nos próximos dias, não restam dúvidas de que se está perante uma situação excepcional e perigosa, em que se caminha no fio da navalha. Na cascata de dilemas da encruzilhada grega ressaltam contradições profundas que são expressão do quadro geral do agravamento da crise estrutural do capitalismo (e “imputação” dos respectivos custos). Contradições que envolvem o núcleo central de potências da UE, o processo de integração capitalista europeu e a relação com o imperialismo norte-americano e que, simultaneamente, atravessam as linhas de fratura da rearrumação de forças global, nomeadamente da confrontação que opõe a tríade imperialista (EUA, UE e Japão) à China, Rússia e Brics em questões estruturantes que vão do controle dos recursos e mercados, ao comércio e sistema financeiro internacionais e posição dominante do dólar como moeda de reserva.

A parada é alta em torno da crise grega, inseparável da crise do euro e UE. Os últimos cinco meses deixaram patente que não é possível conciliar o fim da “austeridade” com a subordinação às regras da UEM. A solução dos problemas do povo grego só pode ser alcançada no caminho da afirmação da soberania e da ruptura com o diktat e os mecanismos de asfixia da UE, FMI e BCE.