Canadá: morte de crianças indígenas, mancha nos direitos humanos

A morte de mais de seis mil alunos indígenas canadenses em escolas residenciais do país, fechadas em 1996, é uma mancha no expediente de direitos humanos desse país, reconhecem funcionários judiciais.
 

Índios canadenses

Assim manifestou a juíza principal da Corte Suprema de Justiça, Beverly McLachlin, que também assinalou recentemente que Canadá tentou cometer um genocídio cultural contra os povos nativos e desenvolveu uma política de exclusão e aniquilação cultural destes habitantes.

A Comissão Canadense da Verdade e Reconciliação (CVRC) publicou um relatório no início de junho sobre o caso, no qual recolhe depoimentos de 6.750 mil sobreviventes e ex-empregados desses centros educacionais para a população originária, e esboça cerca de uma centena de propostas para os diferentes níveis do Governo.

Entre as recomendações está um chamado a que as autoridades canadenses adotem de forma integral a Declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos Povos Originários como base para as novas relações com estas comunidades.

O problema reside em que Canadá, junto com Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia são relutantes em adotar este documento, com o pretexto de que o apoiam somente como uma aspiração que não tem um mandato obrigatório.

De acordo com o informe da CVRC, "o Governo canadense levou a cabo esta política de genocídio cultural porque queria desligar-se de suas obrigações legais e financeiras com a população originária e tomar controle das terras, dos recursos e arrebatar os direitos destas pessoas".

Este painel foi constituído em 2009 com o mandato de explorar a história e o legado das escolas internas, mas segundo o diário The Globe and Mail, o processo atravessou múltiplas dificuldades, em particular confrontos com o governo federal para a obtenção dos documentos, bem como a substituição de membros da Comissão.

Segundo o juiz Murray Sinclair, que lidera esse grupo de trabalho, o número de crianças mortas é apenas uma estimativa e é provável que tenham muito mais vítimas nestes centros que foram estabelecidos no século 19.

Pensamos que não seremos capazes de revelar a quantidade exata de mortos porque os registros oficiais sobre o tema são muito imprecisos, assinalou Sinclair ao programa Power and Politics, da CBC.

Este magistrado, que foi o primeiro juiz indígena da província de Manitoba, afirmou que entre 24% e 42% dos indígenas que participavam nesses centros internos morreram ali ou pouco depois que se formaram ou abandonaram os estudos.

Cálculos anteriores a este relatório da CRVC estimavam em quatro mil o número de crianças originárias que faleceram nessas instituições, mas alguns integrantes do painel alertaram que ainda está sob investigação o destino final de outros 46 mil menores que permanecem no anonimato.

Um relatório anterior da CRVC revelou versões de que algumas das vítimas foram enterradas em tumbas clandestinas nos arredores dos centros e em muros porque o Governo não queria pagar o envio dos cadáveres às famílias e, em muitos casos, os pais nunca souberam as causas reais das mortes.

As escolas deste tipo funcionaram desde 1883, sob a direção do Governo e da Igreja com o fim de "educar" os menores recrutados nos usos e costumes da sociedade ocidental, e as últimas, que fecharam em 1996, foram Saint Michael's Indian Residential School e Gordon Indian Residential School, ambas em Saskatchewan.

Outros estudos paralelos apontaram que pelo menos 150 mil crianças originárias permaneceram enclausuradas durante anos nesses centros onde eram obrigadas a trabalhar entre 10 e 12 horas.

O objetivo era "civilizá-los", sob o lema de "matar o índio na criança", mediante torturas, abusos psicológicos e físicos a estes estudantes que eram internados contra sua vontade e as de suas famílias.

Muitos pais conheciam os crimes que se cometiam nas escolas, mas não podiam se negar a entregar seus filhos porque estavam em risco de receber duras penas criminosas.

De acordo com McLachlin, as leis nacionais proibiram, por exemplo, as tradições religiosas e sociais do grupo nas instituições residenciais, nas quais as crianças foram separadas de seus pais, foram proibidas de falar sua língua materna, foram obrigados a práticas religiosas cristãs e submetidos a abusos sexuais.

O ex-primeiro-ministro liberal Paul Martin utilizou a qualificação de genocídio há dois anos ao descrever os maus tratos nestes centros internos para crianças nativas, quando testemunhou ante a CVRC.

A esse respeito, um artigo recente do diário The Globe and Mail menciona numerosos programas do Governo federal encaminhados a forçar uma mudança nos costumes e tradições da população nativa, que com o pretexto de "assimilá-los" deram lugar ao genocídio cultural.

A maioria das crianças morreram por graves enfermidades de desnutrição ou doenças de diversos tipos.

Alguns alunos que estiveram ali nas décadas de 1940 e 1950 foram objeto de experimentos científicos patrocinados pelas autoridades federais canadenses e inclusive pelo Governo dos Estados Unidos, nos quais eram privados de nutrientes essenciais e cuidados odontológicos.

As denúncias sobre estes abusos constituem uma demonstração adicional da situação deste segmento da sociedade canadense, pois os nativos integram cerca de 4% dos habitantes dessa nação, porém, constituem quase 24% da população penal.