Paulo Moreira Leite: "Sem apoio da mídia, Lava Jato seria arquivada"

Em entrevista ao jornal O Povo, o jornalista acusa o juiz Sérgio Moro de não conduzir a investigação com a isenção necessária e desrespeitar diretos dos detidos.

Para o jornalista , o juiz paranaense Sérgio Moro fere o direito processual e as garantias fundamentais dos investigados pela Operação Lava Jato. Entretanto, o faz com a garantia de impunidade. A razão é uma. “Ele está investigando nomes que a mídia quer pegar”, declara.

O veterano de redações como Folha de S. Paulo, Veja, Jornal da Tarde e Istoé – e que, atualmente, comanda a direção editorial do Portal Brasil 247 – afirma que os alvos das investigações são dois: a presidente Dilma Rousseff e seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva (ambos do PT)

E a imprensa tem se mostrado um ator central neste processo. “A mídia cumpre um papel de partido político conservador no Brasil”, afirma. De acordo com ele, isto estaria no cerne da crise que se abate sobre o setor. Para o jornalista, os principais veículos de comunicação do País tem se mostrado “fora da História”. Leia os principais trechos da entrevista:

Qual seria a principal característica da mídia brasileira, atualmente, na avaliação do senhor?

Eu diria que ela é hoje uma mídia fora da História: fora da História do País, fora da história da própria mídia internacional. Fora da história do País porque ela se divorciou da maioria da população, da vida cotidiana da maioria dos brasileiros. Ela defende interesses de camadas muito pequenas da sociedade, ela não conversa com a população… E isso explica, a meu ver, a crise que os jornais, revistas, e a própria televisão está enfrentando. Não é uma crise tecnológica, por causa da internet, como gostam de dizer. Isso existe, mas no Brasil ela é mais profunda.

E ao que é que o senhor atribui esse divórcio?

Genericamente, é uma visão de País que deixou de corresponder à realidade. Acho que o Brasil, desde 2003, vem passando por mudanças profundas, irreversíveis, que melhoraram a vida de pessoas de uma forma que ninguém imaginava. Vamos falar a verdade: em 2003, quando o Lula tomou posse, as pessoas falavam que era um governo que ia durar um mandato. Teve gente que achou que ele não deveria nem terminar aquele mandato. Era a ideia que aquilo não podia funcionar.

Mas funcionou. Mostrou para as pessoas que havia uma alternativa àquele modelo que foi o modelo que o Brasil sempre seguiu, que encolhia o que existia de bem-estar social e de políticas públicas para permitir que “o mercado funcionasse”. Quem reconheceu o que estava acontecendo, conseguiu corrigir o caminho. Mas a maioria não fez isso. A maioria permaneceu aferrada aos seus dogmas e até os radicalizou.

E o senhor vê alguma diferença no comportamento da mídia do governo Lula para o governo Dilma?

Eu vejo uma diferença entre o segundo mandato da Dilma e o três mandatos anteriores. São mandatos diferentes, mas você pode dizer que há uma continuidade muito grande. Nós tivemos a mudança agora, que o governo justifica como uma necessidade de ajuste, de arrumação da casa, mas que a população não entendeu. E não entendeu porque alguns efeitos desse ajuste estão sendo muito drásticos.

E como avalia a atuação da imprensa neste cenário?

Eu acho que ela permanece do mesmo modo, mas um pouco mais decepcionada. Ela apostou muito, ao longo de 2014, que a Dilma ia ser derrotada. E eu acho que a vitória colocou a velha questão que os conservadores brasileiros colocam quando perdem uma eleição: achando que mereciam ganhar, que era a vez deles ganhar. Eles pensam em alternativas pouco democráticas. E é isso que está acontecendo. E a mídia, a gente não pode negar, ela cumpre o papel de um partido político conservador no Brasil. Os jornais são o verdadeiro partido, o Estado-Maior que declara “vai por aqui. Vai por ali”.

Mas também não há a questão da fragilidade do próprio governo? Afinal, de acordo com o que o senhor diz, também havia uma resistência ao nome do ex-presidente Lula, e ele não chegou a enfrentar esse cenário que a Dilma enfrenta agora.

Eu acho que há uma fragilidade sim. Você fez uma mudança de rumo muito abrupta. Até o dia da eleição dizia uma coisa e algumas semanas depois você passou a dizer outra. E isso criou uma fragilidade. E a mídia tem um papel determinante, porque ela não dá escapatória, ela controla o jogo. Mas, sim, é verdade, o governo explicou mal as medidas.

O senhor afirmou que a crise da mídia foi causada pelo descolamento dela em relação ao Brasil. Há uma saída?

Se a gente pensar, a mídia brasileira teve uma saída desastrosa em 1964. Todos os jornais apoiaram o golpe, mesmo os progressistas. O único jornal que não apoiou foi a Última Hora, que acabou sendo sufocado financeiramente, economicamente. Se você pegar a campanha das Diretas, a mídia mudou de lado e passou a defender. Demorou, foi a última instituição a fazer, mas mudou. E isso foi uma saída? Foi. Houve jornais que eram absolutamente sem importância que quando se manifestavam era uma coisa tenebrosa que assumiram a Campanha das Diretas e conseguiram se recompor.

O senhor tem sido bastante crítico com a atuação do juiz Sérgio Moro na condução da Operação Lava Jato. Quais exatamente são suas críticas?

Eu acho que ele está longe de ser aquilo que eu espero de um juiz. Ele não é imparcial. Ele não é equidistante. E eu acho que a aplicação exaustiva que ele tem feito de instrumento que se destina a fazer uma pressão psicológica, como uma prisão provisória de três, quatro meses já está, de certa maneira, demonstrando isso. O ministro Marco Aurélio de Mello já disse isso. O próprio Teori Zavascki, quando julgou os pedidos de habeas corpus, definiu o sistema que vigora em Curitiba como “medievalesco”. Temos que medir as consequências. Se você tem um sistema medievalesco, quais são as provas que ele está produzindo? Um país que tem um sistema medievalesco só pode produzir punições medievais.

O senhor acredita que, em virtude dessa condução, a Lava jato pode seguir o caminho de operações como Satiagraha ou Castelo de Areia e acabar sendo anulada?

O que protege Sérgio Moro é que ele está investigando nomes que a mídia quer pegar. A mídia quer pegar o Lula e a Dilma. Veja que já apareceram grampos ilegais, delegados acusados de fazerem campanha na internet para o PSDB, e ninguém ficou indignado. Uma anulação seria mais provável se ele estivesse conduzindo uma operação que atingisse apenas grandes empresários, setores aliados da mídia, talvez a própria mídia. Isso sempre aconteceu no passado.

Perfil

Paulo Moreira Leite tem 63 anos e é jornalista desde os 17. Começou a carreira profissional no Jornal da Tarde, tendo passado pela Folha de S. Paulo, Gazeta Mercantil, O Estado de S. Paulo, Diário de S. Paulo, revistas Época, IstoÉ e Veja. Foi correspondente em Washington e Paris.

Hoje, é Diretor-Editorial do portal Brasil 247 . Ele veio a Fortaleza participar, na semana passada, do seminário Mídia e Sociedade, promovido pelo Movimento Democracia Participativa.

Fonte: O Povo