Ieda Castro: Assistência Social não é filantropia é dever do estado

Nos últimos 13 anos no Brasil, a assistência social saiu do conceito de filantropia e caridade para se transformar numa política pública de governo, garantindo direitos e cidadania à população em situação de vulnerabilidade.

Por Dayane Santos

Ieda Castro é secretaria nacional de assistência social do Ministério do Desenvolvimento Social - Agência Brasil

“O Brasil tem assumido um projeto de enfrentamento da desigualdade social, da pobreza, do combate à miséria e a fome, de construção de oportunidades e de mecanismos de igualdade social. Isso é o grande diferencial que alimenta a vontade política, associada a investimentos públicos e a priorização de segmentos que antes estavam completamente excluídos da participação da vida produtiva e do uso fruto dos bens produzidos”, salientou a secretária nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ieda Castro, em entrevista exclusiva ao Portal Vermelho.

Formada em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), Ieda é especialista em gestão pública, mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e doutora em política social pela Universidade de Brasília (UnB).

Segundo ela, desde a Constituição Federal de 1988, se criou no Brasil a ideia de que a proteção social para os cidadãos brasileiros devia se dar por uma rede de serviços e benefícios que pudessem cuidar das pessoas e das famílias, como também promover a inclusão.

“Foi um avanço civilizatório no Brasil”, sintetizou Ieda, ressaltando que a assistência social é uma política de seguridade social, não contributiva, portanto para ter acesso aos serviços não há necessidade de nenhum tipo de contribuição.

Para se ter uma ideia, o governo federal aumentou o investimento em assistência social de R$ 1,6 bilhões, em 1995, para R$ 75,4 bilhões, em 2015.

“Para nós isso não se caracteriza como uma mera despesa. São investimentos que aquecem a economia, mas principalmente, mudam a vida das pessoas, garantindo políticas de qualificação profissional, investimento na elevação da escolaridade e na promoção da saúde”, ressalta Ieda.

10 anos do Sistema Único da Assistência Social

De acordo com a secretária, um dos programas responsáveis por esse avanço foi o Sistema Único da Assistência Social (Suas), que neste mês de julho completou 10 anos.

O principal diferencial do programa é a integração das ações em assistência social dos governos federal, estaduais e municipais, criando uma rede de atendimento com padrões unificados e oferecendo diversos serviços.

“É uma ação inédita no Brasil e no mundo. O ministério atende diferentes países que querem conhecer o sistema que integra benefícios e serviços. É um sistema completo com programas que potencializam os serviços”, destacou Ieda, se referindo aos programas de capacitação para o trabalho, o Bolsa Família ou ao serviço de fortalecimento de vínculos.

Diferentemente do que parte da elite brasileira gosta de afirmar, o programa estabeleceu uma rede pública em todo o país, rompendo o ciclo de assistencialismo e clientelismo que vigorava até então. O foco do governo federal foi a inclusão e o desenvolvimento da população mais pobre promovendo a universalização dos direitos sociais.

“Antes de 2005, os programas eram muito fragmentados e as ações eram pontuais e não havia continuidade nas ofertas. Para que o direito ganhe materialidade e se efetive na vida do cidadão é preciso que o serviço tenha continuidade. Isso tudo foi feito pelo Sistema Único de Assistência Social”, pontuou.

32 milhões de famílias atendidas

Atualmente, o Suas está presente em quase 100% dos municípios brasileiros com 10 mil unidades públicas de atendimento, além de aproximadamente 16,8 mil entidades privadas que prestam serviços socioassistenciais. No total, são atendidas mais de 32 milhões de famílias.

Ieda destacou ainda que, a partir do programa, “a assistência social no Brasil saiu do campo da filantropia e foi para a dimensão do dever do Estado”. Ela citou como exemplo o atendimento à população em situação de rua. “Nosso esforço é para evitar que essa população tenha acesso a alimentação não apenas pela vontade da iniciativa privada ou da ação de boas pessoas. Precisamos de uma rede de ofertas de proteção para que essa população seja protegida e se alimente todos os dias como todo cidadão”, reforçou.

E acrescenta: “Esse tem sido o nosso desafio. A rede filantrópica, que depende da solidariedade, é complementar, mas as necessidades básicas de cada ser humano é dever do Estado”.

Assistência para quem precisa

Para identificar essas necessidades, o programa criou os Centros de Referência de Assistência Social (Cras), onde são feitas a verificação de situações de vulnerabilidade e risco social, acompanhamentos e encaminhamentos, além de articulações com outras políticas, como o registro no Cadastro Único para Programas Sociais do governo federal. Nesses centros são disponibilizados serviços voltados a famílias e indivíduos em situação de violência física, psicológica, sexual, tráfico de pessoas, entre outras.

A secretaria também realiza a chamada Busca Ativa, em que equipes volantes identificam os locais com maior vulnerabilidade e visitam as famílias que vivem em áreas de difícil acesso. Até mesmo as populações rurais, ribeirinhas, indígenas e quilombolas são atendidas com a ajuda das lanchas sociais.

Desafio

A secretária destaca que, apesar do país t5er saído do mapa da fome e ter tirado 35 milhões da extrema pobreza, a desigualdade social é um desafio permanente a ser vencido pelo país.

“Temos que enfrentar a pobreza rural porque ela persiste. Erradicar o trabalho infantil ainda é um desafio, considerando que ainda se concentra na agricultura familiar e nas atividades domésticas ainda a exploração do trabalho infantil. Existem ainda muitos desafios de estruturação de rede de atendimento que de conta das particularidades locais e regionais”, destacou Ieda Castro, salientando que ainda é preciso promover a integração da política de assistência social com as outras políticas públicas. “Iniciamos isso há quatro anos, mas isso é um processo cultural que leva tempo para se consolidar o sistema”.

Conferência nacional

Ieda destacou que um importante passo para essa consolidação será a 10ª Conferência Nacional de Assistência Social, que acontece em dezembro deste ano, em Brasília. O evento resultará dos encontros municipais, regionais e estaduais, que depois de debater propostas para a melhoria dos serviços, elegerão cerca de 3 mil delegados para a conferência nacional.

“Vamos ouvir os municípios e os estados e, a partir dessa escuta, vamos estabelecer novos rumos, redirecionar nossa ação, intensificar o passo e continuar com essa tarefa de construir a igualdade social em nosso país”, concluiu Ieda Castro.